A questão do divórcio sempre suscitou sérias discussões, tanto hoje como nos dias de Jesus. Não é, pois, sem razão, que Jesus é indagado pelos fariseus sobre este assunto, e os discípulos, posteriormente, quiseram saber mais detalhes sobre aquilo que Jesus havia dito.
Pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que em 2007, o número de divórcios diretos chegou a 231.329, ou seja, para cada quatro casamentos foi registrada uma dissolução. Atingindo sua maior taxa desde 1984, com crescimento superior a 200%.
Em 13 de julho de 2010, foi promulgada a emenda constitucional nº 66, revogando disposições passadas e possibilitando o divórcio dos casais nos cartórios, dispensando todas as formalidades processuais de um feito em tramitação judicial.
Surpreende-nos também a observação de que não há diferença significativa entre divorciados católicos, espíritas, ateus e evangélicos. As taxas são proporcionalmente as mesmas. O divórcio, portanto, é uma realidade que tem atingido diretamente a igreja de Cristo.
Isto se dá por duas razões:
A. A superficialidade dos relacionamentos – Vivemos numa sociedade que descarta tudo que é durável, é aquilo que Zigmunt Balmant chamou de “amor líquido”, que se revela nos namoros onde o termo “ficar”, que dá idéia de permanência, passou a designar um relacionamento de uma noite, onde a pessoa não terá nenhum compromisso com a outra no outro dia. Na esfera do relacionamento sofremos o mesmo problema da obsolescência industrial, que fabrica máquinas e objetos para uma durabilidade mínima, e logo se joga no lixo. Muitos afirmam: “Se não der certo, a gente se separa!” Se você entrar pensando desta forma no seu casamento, certamente ele vai acabar.
B. O desconhecimento das Escrituras – Muitos não sabem qual é o pensamento de Deus sobre este assunto. Alguns até argumentam dizendo: “É isto que eu penso!”, mas para os discípulos de Cristo não interessa o que ele pensa, mas o que a Palavra de Deus diz, em outras palavras, o que pensa o Senhor?
A pergunta dos fariseus reflete bem a preocupação sobre o assunto: “É lícito ao marido repudiar sua mulher?” (Mc 10.2).
Na narrativa do evangelista Mateus, os fariseus perguntam: ““É lícito ao marido repudiar sua mulher, por qualquer motivo?”(Mt 19.3). Jesus retorna a pergunta aos discípulos: “O que vos ordenou Moisés?” Na pergunta subjetiva que é narrada em Mateus, os discípulos perguntam: “Por que mandou, então, Moisés dar carta de divórcio e repudiar?” (Mt 19.7).
Tanto em Mateus como em Marcos, Jesus não fala em termos de mandamentos, mas de permissão. Moisés não havia mandado, mas permitido (Mt 19.8; Mc 10.4).
Outro aspecto importante da pergunta se refere à uma questão sutil: “É licito ao marido repudiar sua mulher?” A grande questão não era sobre o divórcio, mas sobre o repúdio.
O Antigo Testamento tinha regras bem claras acerca do divórcio, cf. Dt 24:1-4:
Quando um homem tomar uma mulher e se casar com ela, então será que, se não achar graça em seus olhos, por nela encontrar coisa indecente, far-lhe-á uma carta de repúdio, e lha dará na sua mão, e a despedirá da sua casa.
Se ela, pois, saindo da sua casa, for e se casar com outro homem,
E este também a desprezar, e lhe fizer carta de repúdio, e lha der na sua mão, e a despedir da sua casa, ou se este último homem, que a tomou para si por mulher, vier a morrer,
Então seu primeiro marido, que a despediu, não poderá tornar a tomá-la, para que seja sua mulher, depois que foi contaminada; pois é abominação perante o SENHOR; assim não farás pecar a terra que o SENHOR teu Deus te dá por herança.
A Carta de Divórcio era um documento legal, que dissolvia os laços matrimoniais, mas também existia o que era chamado de Repúdio.
Em Mc 10.2, eles perguntam sobre o repúdio, mas Jesus vai falar tanto do divórcio quanto do repúdio.
O termo divórcio, vem do hebraico Kerythth, e no grego Apostasion, enquanto o termo repúdio vem do hebraico Shalach, e do grego Apoluo, que significa Soltar( Mt. 18.27: At. 26.32), libertar ( Mt. 27.15-26), despedir (Lc. 14.4; At.15.30; Mt. 14.15-23), deixar (Mt. 1.19 ) e repudiar (Mt. 5.32; Lc. 16.18).
Repúdio (Apoluo) não tem o mesmo significado de divórcio. Era uma atitude tomada por homens que, não queriam dar carta divórcio e apenas repudiavam suas mulheres, mantendo-as presas institucionalmente a eles. A mulher repudiada não podia se casar com ninguém, e quem se casasse com a repudiada cometia adultério (Mt 19.9).
Já o divórcio (Apostasion), era aceito e normatizado desde os dias de Moisés, tornando o compromisso nulo, passando o estado da pessoa a ser como antes do casamento ( Dt. 24.1-4). Se o divórcio era causado pelo adultério, então o ato de repudiar era legal. Esta é a cláusula de exceção estabelecida por Jesus (Mt 19.9).
Nos dias de Jesus existiam duas famosas escolas de interpretação em Jerusalém: Hillel e Shammay.
A primeira permitia que o divórcio fosse liberado por qualquer motivo e a Shammay aceitava-o só em caso de fornicação, (Pornéia), que se refere a todo tipo de relações sexuais ilícitas: abuso sexual, adultério, prostituição, perversão, agressão sexual, etc.
Notemos que os discípulos perguntam se era lícito repudiar “por qualquer motivo”? (Mt 19.3), eles não tinham dúvida sobre o divórcio, tido como legal pelos interpretes da lei. Com o tempo, as pessoas passaram a interpretar a afirmação de Dt 24.2 “nela encontrar coisa indecente” por justificar toda forma de divorcio. Eles distorceram a lei e permitiam o divórcio por motivos frívolos tais como: comida mal temperada; porque a mulher saia de casa, conversava alto demais, soltava o cabelo ou possuía uma mancha ou marca no corpo que o marido considerava feia.
A resposta de Jesus surpreende, porque ele aponta não para a questão legal, mas para a questão do coração.
Divórcio tem a ver com endurecimento das coronárias. Jesus não sustenta seu ponto de vista na exceção dada por Moisés, mas no propósito original de Deus. “Por causa da dureza do vosso coração, ele vos deixou escrito este mandamento” (Mc 10.6). “...entretanto, (conjunção adversativa), não foi assim desde o princípio” (Mt 19.9). “Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem” (Mc 10.9).
Jesus evoca o design da criação. Este era o propósito original de Deus ao criar a instituição do casamento.
Jesus dá três razões para não justificar o divórcio:
1. O Design Divino – O projeto original de Deus para o casamento é que a união seja duradoura. “O que Deus ajuntou não o separe o homem” (Mc 10.9). Apesar de termos relacionamentos tão superficiais em nossa geração, não era isto que Deus tinha em mente. O projeto de Deus era voltado para uniões estáveis.
Este deve ser o ponto de partida para toda discussão sobre o divórcio. A questão não é meramente se ele era legal ou não, mas que projeto estava na mente de Deus ao instituir o casamento. Jesus demonstra claramente isto ao desprezar a cláusula de exceção tida como certa, na permissão que Moisés deu na lei, de acordo com Dt. 24.
2.
A Unidade Essencial do Casamento – O casamento possui uma unidade mística e indelével, que torna indissolúvel a relação. “e, com sua mulher, serão os dois uma só carne, de modo que já não são mais dois, mas uma só carne”(Mc 10.8). Temos perdido esta dimensão do mistério do casamento. O termo mistério, extraído de Ef 5.32, deu ensejo para muita discussão entre os interpretes católicos e protestantes. Por causa desta expressão paulina, traduzida por Jerônimo na Vulgata Latina como sacramentum, a Igreja católica considera o casamento um dos 7 sacramentos da igreja. A Reforma tem posição contrária, e adota apenas 2 sacramentos: O Batismo e a Santa Ceia.
Não posso, contudo, deixar de compreender, porém, que o casamento manifesta a graça de Deus para minha vida. Desfrutar o outro ensina-me muito sobre Deus. Uma só carne, mistério, onde o afeto e a paixão se manifestam. O casamento fala-nos da realidade invisível de Cristo, desta linguagem subjetiva, onde podemos nos maravilhar. Onde nos aproximamos e participamos da presença de Deus. O divorcio quebra esta unidade.
Quando Jesus fala de uma só carne, refere-se a este mistério. Divorciar é como pegar duas folhas coladas uma à outra e separá-las. É uma tentativa de separar o inseparável. “O que Deus ajuntou, não o separe o homem!”.
3. O Fator coração – Jesus demonstra ainda que divórcio é acima de tudo, um problema do coração. Divórcio quebra a dimensão do mistério de Deus. Jesus afirma que “Por causa da dureza do vosso coração, ele vos deixou escrito este mandamento”(Mc 10.5). Onde houver divórcio, podemos diagnosticar ali a dureza do homem, da mulher, ou de ambos.
Por ser um problema de nosso interior divórcio é um amargo purgante que tomamos para resolver a crise de nossa diverticulite emocional, popularmente conhecido como “nó na tripa”. É o coração duro do homem que aponta para o divórcio: O temperamento azedo, a grosseria, a indisposição de perdoar, o adultério e a infidelidade, a promiscuidade.
Divórcio não é questão de licitude ou de lei, divórcio tem a ver com a alma.
O contrário do coração endurecido é o arrependimento, o quebrantamento, a confissão, o perdão, o dialogo, a rendição, a abertura de mão de direitos pessoais para a reconciliação. Com a dureza de coração, tais atitudes se tornam impossíveis. Divorciamos porque não queremos lidar com o nosso endurecimento.
Talvez estas palavras soem duras para algumas pessoas, mas esta é a instrução da palavra de Deus.
Talvez você que já se divorciou sinta-se incomodado com estas palavras, mas já parou para pensar como seu casamento acabou? Quanta inflexibilidade, falta de cortesia e de respeito teve que existir para o sonho de vocês se tornar um pesadelo?
A carta de divórcio é legal. Do ponto de vista jurídico, e do ponto de vista da lei, mas não resolve o problema mais profundo que tem a ver com o coração.
Conclusão:
A. Divórcio não é a opção para casais que estão passando por crises, antes o arrependimento, o quebrantamento, o perdão e a reconciliação. “Precisamos nos converter um ao outro”. Nosso coração precisa ser tocado pelo poder de Deus. Deus pode transformar você, sua esposa (o), e sua casa, se o Evangelho aprofundar em sua vida.
B. Crises no casamento são oportunidades de aprendizado, construção e maturidade.
C. Crises provocam amadurecimento psicológico: Ou amadurecemos ou apodrecemos. Diante dos embates temos que lidar com o endurecimento de nosso coração. Não há casamento sem crises. a diferença é que em um deles as pessoas aprendem a perdoar, no outro, se tornam mais obtusos e fechados. É bom lembrar que não há crise que não possa ser tratada de forma direta por Deus.
D. Divórcio não é o pecado, mas revela o problema mais sério do nosso coração pecaminoso. Divórcio aponta para algo mais sério. Aponta para o trágico fato de que o evangelho, que é o poder de Deus, não está fazendo efeito em nossa vida.
Muitos argumentam: "Ah! mas o que fazer se o outro adulterou? Adultério não seria uma razão justa para o divórcio?" Não! Se o ofensor demonstra arrependimento e desejar mudança, um coração movido por Deus tem capacidade de perdoar. Mas se não houver perdão, o divórcio vai prevalecer. A dureza prevalece!
E. Divórcio não é o propósito de Deus, nem seu desejo original para o casamento. Afinal, “o que Deus ajuntou não o separe o homem” (Mc 10.9).
Se você perguntar: “Divórcio é a vontade de Deus?” a resposta sempre será não. Deus não tem prazer no divórcio.
Quando Jesus conclui sua resposta, os discípulos disseram: “Se essa é a condição do homem relativamente à sua mulher, não convém casar”(Mt 19.10). Os discípulos acharam a regra de Jesus pesada. E Jesus não amenizou: “nem todos são aptos para receber este conceito, mas apenas aqueles a quem é dado”(Mt 10.11). Em outras palavras: Você pode fazer o que quiser, mas Deus não muda seus princípios por causa de seu capricho ou porque você considera difícil o padrão que ele estabeleceu.
Neste texto somos confrontados com a necessidade de Deus em nossa vida. Divórcio não é pecado imperdoável, mas uma quebra de princípios resultante da dureza de nosso coração. Divórcio sempre existirá, enquanto a mensagem do evangelho não se aprofundar em nossa alma. Deus deixa claro que o divórcio não é o pecado, mas o sintoma de um grave problema nas nossas coronárias. Existe um enrijecimento e endurecimento que só o Espírito Santo poderá resolver.
Se você já passou pelo divórcio, não tenho nenhuma dificuldade em dizer que isto aconteceu por causa da dureza de seu coração ou do seu cônjuge, ou de ambos. Fique atento com o seu coração.
Se você está pensando em se divorciar, considere a possibilidade da gaca de Deus em sua vida. O vinho novo é melhor. Deus pode restaurar seus sonhos e trazer um milagre em sua vida. Na essência é disto que o Evangelho trata: tirar coração de pedra e colocar coração de carne.
Em última instância, a questão não é o divórcio é ou não licito (legal), mas se Deus tem prazer nisto.
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