Introdução:
No ano de 1999, um
estranho acidente de avião abalou os Estados Unidos. Payne Stewart, campeão de
golfe, homem respeitado, famoso e rico saiu de Orlando no seu jatinho
particular para o centro do país. No vôo, o avião se desgovernou, indo cair no
estado de Wisconsin. O acidente surpreendeu porque não houve nenhum alarde,
nenhuma comunicação entre a torre e o piloto, nenhum registro negativo na caixa
preta. Provavelmente um problema no sistema elétrico do avião causou a
despressurização e seus passageiros morreram sem perceber. Antes do avião cair,
vendo que eles estavam indo a uma direção não prevista no plano de vôo, e
incapazes de se comunicar com o piloto, dois aviões da Força aérea americana
foram designados para ver o que de errado estava acontecendo com aquele vôo, já
que não havia resposta. Eles perceberam que o avião estava com os vidros embaçados,
sinal de que alguma coisa errada acontecera dentro dele, no entanto, com o
piloto automático, o avião voou até acabar o combustível. Antes do avião cair,
porém, seus passageiros já tinham morrido por falta de ar. O avião continuava
voando, mas não havia mais vida dentro dele.
Apesar da tragédia do
acontecimento, esta é uma boa ilustração desta Igreja de Sardes. Ela tinha
aparência de quem estava viva, continuava suas atividades litúrgicas, seus
programas de culto, e até pensava que estava viva, mas o veredicto do Senhor
Jesus é: “tens nome de que vives, e estás morto!”. Aquela igreja parecia viva,
mas sua vida era aparente, na verdade ela estava morta interiormente. Ela
pensava estar fazendo aquilo para o qual for a designada, mas, fazia uma falsa
análise de si mesma. Era morta, mas pensava estar viva!
Qual é a base que Deus
usa para avaliar esta igreja? Qual é a regra que ele usa para medi-la? Isto não
sabemos, mas o seu veredicto é: Tens nome, mas estás morta!
Uma questão imediata
veio a minha mente? Quando a igreja parece estar viva, mas está morta?
1.
Morte é melhor definida, pela ausência de vida. Sabemos
que alguém está morto, quando já não emite sinais de vida. Quais são os sinais
mais óbvios: Ausência de batimentos cardíacos, temperatura do corpo, Ausência
de respiração, do fôlego da vida, e embaçamento dos olhos (apatia). A pessoa é
declarada morta, quando ela não apresenta sinais de vida.
Como discernir entre a
igreja viva da igreja morta? Calvino
definia a igreja verdadeira pelos seguintes pontos:
i.
Pregação correta da Palavra de Deus;
ii.
Correta aplicação da disciplina;
iii. Correta
ministração dos sacramentos,
Quais são os critérios
que Deus usa para avaliar sua igreja? Para
diagnosticar o nível espiritual de sua própria comunidade, de seu corpo?
2.
Muitas vezes definimos a vida da igreja pela estrutura
da igreja, pelo poder da igreja, pelo dinheiro da igreja, pela capacidade
administrativa da igreja. Sardes era uma cidade respeitável. Tinha sido capital
do reino da Lídia (Séc. VI a.C.), e, posteriormente, um centro do governo
persa. Nos dias de João, a cidade já se tornara pouco relevante. A sua
localização, junto a um importante entroncamento de estradas, dinamizava a sua
indústria e comércio de lã e tinturaria. A vida social de Sardes era
acentuadamente luxuosa, dissoluta e secularizada. Seus habitantes eram
orgulhosos, arrogantes, demasiadamente confiantes. Ao contrário de Tiatira, era
uma igreja, provavelmente, com grande poder financeiro.
O problema desta
igreja era a hipocrisia. O que ela apresentava não correspondia à realidade. Apenas
tinha nome! Estava praticamente morta (vv.1,2). Esta igreja é o retrato de
muitas outras hoje que causam ótima impressão, mas cuja realidade espiritual é
péssima. Tinha boa reputação, mas diante de Deus estava morta. Sardes era uma
igreja tranqüila, não enfrentava os conflitos que Pérgamo e Tiatira
enfrentavam, não era molestada nem pelos judeus nem pelos gentios, gozava uma
aparente paz. “Paz de cemitério”[1]
O que se faz com o
morto? Morto precisa ser ressuscitado. Isto
só acontece com avivamento espiritual. Um derramamento poderoso do Espírito
Santo, uma nova consagração e intensidade de busca. Ellul chama a atenção para
o fato de que apesar da morte certa, ela é ainda uma igreja… apesar de sua
morte, há ainda uma realidade da Igreja que pode reviver.
Os imperativos da Igreja de Cristo: A
Igreja tem quatro decisões a tomar, quatro compromissos a assumir de acordo com
Jesus.
1.
Sê vigilante!
- Vs. 2 Vigilância aqui, num contexto de morte é uma advertência. Traz a idéia
de que as coisas estavam sendo feitas sem muito cuidado, sem muita atenção. Existem
inimigos ao redor, existem setas apontadas contra a igreja. Ela precisa ser
atenta, estar mais alerta, deixar de ser displicente e preguiçosa. Vigilância
espiritual é fundamental. Muitos perdem sua vida porque se descuidam dos
perigos e das ameaças que existem ao redor. A advertência de Jesus é séria
quanto à falta de vigilância. “Se não vigiares, virei como ladrão, e não
conhecerás de modo algum em que hora virei contra ti”. 3:3 Gente descuidada
é sempre surpreendida. Ora pelo diabo, ora pelo Senhor!
Orar e vigiar são
ordens rigorosas para a espera do Senhor. Estamos no fim dos tempos, e
vigilância é essencial. “Assim como o
relâmpago sai do Ocidente e se mostra no Oriente, assim há de ser a vinda do
Filho do Homem”. “Num instante, num
abrir e fechar de olhos, a trombeta há de ressoar nos céus, e os mortos em
Cristo ressuscitarão primeiro, e depois nós os vivos, os que ficarmos, seremos
juntamente arrebatados com ele, e estaremos para sempre com o Senhor”. Não
dá para relaxar. “Guarda o que tens para
que ninguém tome a tua coroa!”. “Se
não velares, virei a ti como ladrão, e não sabes em que hora venho a ti”. Mt. 24:43, 44
No caso desta igreja,
suas lâmpadas estavam quase apagadas, iluminando cada vez menos. Se não
tomassem cuidado, logo se apagaria por completo, “porque suas obras não foram
achadas perfeitas diante de Deus”. As cerimônias, os costumes religiosos, as
tradições, os cultos, tudo continuava a funcionar, mas faltava a essência. As
cerimônias eram vazias!
Esta igreja não tem
ataque nem de fora nem de dentro. Não sofre nem por heresias, nem por
perseguições externas. O problema desta igreja é sua preguiça, sua
indisposição. Quando uma igreja perde a sua força vital, passa não ser nem
sequer digna de ataque. Uma igreja viva está sempre sendo atacada. Uma igreja
viva sempre gera reações de oposição.
“Sê vigilante! Nenhum
mandamento aparece tão freqüentemente no Novo Testamento que o mandamento de
estar alerta”.[2] É tempo de acordarmos do sono. Rm. 13:11 Existe um
ditado que diz: “Eterna vigilância é o
preço da liberdade!” Neste caso, eterna vigilância é o preço da salvação. A
Bíblia nos adverte a sermos vigilantes contra:
i.
O diabo
- I Pd. 5:8 “Sê vigilante, o diabo vosso
adversário, rugindo como leão, procurando alguém para devorar!”. Existem
sempre forças satânicas tentando seduzir a igreja de sua lealdade a Cristo.
ii.
As tentações
- “Vigiai e orai para que não entreis em tentação. O Espírito
na verdade é forte, mas a carne é fraca!” Mt. 26:41 Tentação aguarda o
momento em que nos descuidamos para nos atingir. Um momento de paixão acontece
quando relaxamos a dependência. Um tempo de grande autoconfiança pode redundar em ruína. Vida cristã
deve ser sempre uma incessante vigilância contra tentação.
iii. A
vinda de nosso Senhor - Várias vezes a Bíblia repete para estarmos atentos
quanto à volta do Senhor. “Vigiai,
portanto, porque não sabeis a hora que o Senhor vem”. (Mt. 24:42) “Assim, pois, não durmamos, como os demais!”. (I
Ts. 5:6) Nenhum homem sabe o dia nem a hora em que a
eternidade invadirá o tempo para si. Agostinho disse: “O último dia é secreto,
portanto, todo homem deve ser vigilante!”. O homem deve viver todo dia como se
este fosse o último dia de sua vida!”.
2.
Consolida o resto que estava para
morrer - Vs. 2 Não deixe que a chama que ainda fumega seja
apagada. A ordem aqui é preservar o calor, preservar a graça, preservar e
consolidar. A preservação implica em avançar, porque consolidar alguma coisa
traz em si mesmo a idéia de avanço. O Reino de Deus não pode ser detido. E a
ordem de Jesus à Igreja é para que a obra seja consolidada. Existe muita coisa
ainda para ser feita, não dá para parar agora. Consolidar aqui também traz a
idéia de corrigir os rumos: “Porque não
tenho achado íntegras as tuas obras na presença de meu Deus”.
3.
Lembra-te do que tens recebido e
ouvido Vs. 3 Aqui vale a pensa salientar a importância da
memória. Nem sempre temos uma relação imediata (não mediatizada com Deus). Aqueles
que tiveram encontros pessoais com Deus, experiências significativas,
intervenções de Deus em sua história precisam sempre estar se lembrando disto,
trazendo isto à memória. “Quero trazer a
memória o que pode me dar esperança… As misericórdias do Senhor são a causa de
não sermos consumidos, porque as suas misericórdias se renovam a cada manhã”.
Lam. 3:22-23 O momento de nossa conversão, uma experiência de revestimento
espiritual, uma luta espiritual na qual vimos a intervenção de Deus, situações
catastróficas que Deus mudou drasticamente em nossas vidas. Tudo isto precisa
ser lembrado, arquivado e evocado em nossa memória Lembra-te! A nossa lembrança é o nosso passado atualizado. Estas
coisas nos fortalecem espiritual e nos fazem agradecidos. Gratidão é o amor
relembrando o passado. O povo cristão é um povo que tem memória. Lembra-te oh Israel! A memória dos fatos
é essencial para nos fazer viver com esperança. Quanta coisa boa já recebemos e
ouvimos? Quantas experiências boas já participamos, lições preciosas da palavra
de Deus já recebemos? Lembra-te! Nas
horas de aflição e tentação, Jesus usava a Palavra de Deus: “Está escrito!”. O salmista afirma:
“Guardo no coração as tuas palavras, para não pecar contra ti!”
Guarda o depósito da
fé, diz Paulo a Timóteo. Conservar a Palavra, não é colocá-la em formol, ou
guardá-la num museu, como peça decorativa. Não significa pô-la em conserva. Não tem
aqui nenhum sentido de guardá-la dos confrontos que ela traz. Não é conservá-la
no sentido de impedi-la de ser ativa, antes respeitá-la, não violar o que foi
recebido, não dissipar, não dispersar o testemunho que foi dado. Com
facilidade, a palavra de Deus tem sofrido interpretações que são criadas para
dissipar o poder de sua eficácia. É isto que tem acontecido com os modernos
exegetas e hermeneutas em contato com a palavra de Deus. Muitas teologias que
surgiram no final do século passado e dos dias atuais. Na tentativa de
encontrar um novo sentido da palavra, temos perdido, dispersado e destruído o
sentido original da Palavra. Se a igreja não guarda esta palavra, pode estar
certa de que vai perder seu sentido de identidade e missão. A igreja deve se
lembrar da obra de Cristo na cruz e no túmulo. Recordar o sacrifício de Cristo
e o que ele fez por nós.
4.
Arrepende-te
- vs. 3 Mudança de direção. Alguma coisa está errada na rota da igreja, no rumo
que ela vem assumindo, alguma coisa precisa mudar. Deus precisa restaurar sua
igreja; Curiosamente existem aqui no texto, dois elementos complementares. De
um lado o Senhor revela a sua igreja morta, condena e exorta. De outro ordena
que seja vigilante. Que volte a viver! “O tema desta carta é: Tu estás morto,
volta a vida…”[3] Neste caso, o imperativo no grego é um aoristo, que
descreve uma ação definida. Na vida cristã deve existir um momento decisivo
quando um homem resolve abandonar o velho caminho e iniciar uma nova jornada. Quando
ele muda sua rota de vida e volta-se para Cristo. Toda pessoa deve se lembrar
que o cristianismo não admite procrastinação, não se pode adiar uma decisão que
deve ser feita agora.
Conclusão:
O que pode sustentar
uma igreja diante de situações como estas? “Tens, contudo, em Sardes, umas poucas
pessoas”. 3:4 A Igreja continua firme por estes “poucos”. Há nesta igreja
um grupo de alguns homens, fiéis, como havia sempre, mesmo nas piores crises,
um resto em Israel, e a partir deste resto, tudo pode ser reconstruído,
fortificado, edificado. “[4]
Gente que no meio do comodismo continua inquieta, no meio da apatia continua
vigilante, no meio da aparente morte, está repleta de vida. É gente que “não contaminou as suas vestiduras”. 3.4
É curioso que a
esperança daquela igreja resida agora em poucos. Não é um grande grupo, é um pequeno grupo
de guerreiros, intercessores, gente fiel, apaixonada por Jesus, que não mede
esforços para sustentar a obra do Senhor. Eu tenho aprendido na minha vida que
são sempre poucos que oram perseverante, que contribuem generosamente, que se
sacrificam espontaneamente, que se preocupam profundamente, que realmente amam
intensamente a obra do Senhor e o Senhor da obra. A Igreja de Cristo é
sustentada sempre por estes poucos.
Deus está procurando
pacientemente estes poucos fiéis, e seus olhos estão colocados sobre eles. “Tenho em Israel sete mil que não se
curvaram diante de Baal”. Deus disse a Elias quando ele estava desanimado.
É sobre este grupo que Deus coloca toda sua experiência de que a igreja seja
sustentada e mantida.
Três promessas para aqueles poucos que se mantém fiel:
1.
Serão
vestidos de roupas brancas – 3.5 No VT os sacerdotes
tinham que se apresentar diante de Deus com roupas limpas. Na parábola das
festas de casamento, um homem foi encontrado com vestiduras sujas e foi jogado
fora, impedido de participar das festividades por causa de roupas
inapropriadas. Apocalipse fala muito destas vestes (Ap19.8). No mundo antigo,
as roupas eram usadas para festas importantes e para celebrações de vitória. No
dia em que os romanos celebravam uma vitória sobre outro povo, a cidade inteira
se vestia de branco e a cidade era chamada de urbs candida que significa, a cidade de branco. Branca era
a cor daqueles que obtinham vitória.
2. Seus nomes serão mantidos no livro
da Vida – 3.5 Desde Moisés este conceito sobre o livro da vida é
expresso.. Gn 32.32,33. Daniel fala que no juízo final todos aqueles que forem
achados escritos no livro da vida serão salvos. Dn12.1 e Apocalipse revela que
aqueles que não forem achados escritos no livro da vida serão lançados fora, no
lago de fogo. Ap 20.15 Somente aqueles
que forem achados escritos no livro da vida do Cordeiro poderão entrar na Nova
Jerusalém. Ap 21.27
3. Jesus confessará seus nomes diante
do Pai e de seus anjos- (3.5) Esta foi uma promessa dada por Jesus aos seus
discípulos, que se alguém o confessasse diante dos homens, também Jesus os
confessaria diante do Pai. Mt 10.32
Neste caso, Jesus revela que cristianismo autêntico implica em confissão
pública. Não existe cristão “agente secreto”. Não pode existir seguidor velado
de Cristo. Vida cristã tem que ser assumida publicamente tem que ser
escancarada.
Apesar de todas estas promessas
Jesus faz uma afirmação séria: Estas coisas são para quem tem ouvidos! 3.6
“Quem tem ouvidos ouça o que o Espírito diz às igrejas”. Você tem ouvidos para ouvir, ou seus ouvidos
estão prestando atenção em outras coisas? Existe sensibilidade nos seus ouvidos
para pensar, refletir e guardar o que o Espírito tem dito às igrejas?
Medford, USA
21/04/00 12:47
Pregado na I. Cristo Rei
Cambridge, USA
Jan 2001
Pregado em Anapolis, 12.05. 2013
Samuel Vieira
[1] . Hendriksen, W., - Mas que vencedores, Grand Rapids , Michigan ,
1975, pg. 83
[2] . Barclay, W., The revelation of John., Saint Andrew Press, Edinburgh, 2a. Impressão,
1962
[3] Ellul, Jacques - Apocalipse: Arquitetura em movimento, S. Paulo, ed. Paulinas, 1979,
pg. 151
[4] .
Idem pg. 148,149
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