Com esta frase, Ellul vê
neste selo, não uma descontinuidade com o grupo definido de quatro cavalos. Para
ele, o clamor dos mártires não é um elemento solto, desconexo, que se situa
noutro plano e noutro nível, antes algo bem concatenado e relacionado. Para
ele, o quinto selo é parte integrante da história. “A oração dos mártires é um fator decisivo(…)
Podemos conceber a história independentemente da ação espiritual provocada pela
oração e pelo testemunho?”[2]
A oração destes mártires,
homens que deram suas vidas pelo testemunho do Evangelho, torna-se um elemento
vital no processo da história, por esta razão, torna-se um dos selos que
determinam o sentido da história. Sua ação parece acelerar o curso da história,
seus movimentos.
A oração é uma das forças
motrizes da história. Esta é uma das bases e uma das razões pelas quais a
igreja deve orar. Orações dos justos, e especialmente dos mártires,
desencadeiam reações nos céus. Ap. 5:8; 8:3-6. O clamor e as orações do povo de
Deus trazem o juízo de Deus, o acerto de contas. O Cordeiro revela sua ira
contra todos aqueles que se opuseram ao testemunho da verdade. O texto revela
que este juízo segue em duas direções, que são reveladas no sexto selo.
1. Tragédias
sobre a natureza - Após o clamor dos
mártires, várias manifestações se dão na terra: Um grande terremoto, o sol se
enegrecendo, a lua se transformando como em sangue, as estrelas caindo por
terra e o céu se recolhendo como um pergaminho.
2. A
reação dos homens diante do juízo – Seguindo-se às orações dos mártires e às
tragédias, é-nos revelado a reação pavorosa e angustiante dos homens, que já
não temem a morte, mas algo mais pavoroso que a própria morte, isto é, o Grande
dia da ira do Cordeiro.
Estas testemunhas são o pivô
da história, e elas pedem que o tempo desta história seja acelerado, mas Deus
lhes responde que elas continuem em repouso, até que seu número seja completo,
isto é, até que o testemunho da Palavra seja totalmente realizado no mundo. 6.11
O que representam estes mártires que dão testemunho?
A testemunha é sempre aquela
que é chamada a depor numa determinada situação. Ela vem de fora dos tribunais,
para relatar o que presenciou. A testemunha é o fiador de alguma coisa. A
testemunha de um crime é alguém que viu algo, ouviu algo, ou sabe de algo
relacionado a este fato e pode relatar isto. A testemunha revela fatos, traz a
tona fatos desconhecidos, mostra aspectos não percebidos, traz um fato
inesperado e modifica o processo.
Aqui, há quatro cavalos e as
testemunhas que aparecem, que intervém. As testemunhas apesar de não serem um
elemento de dentro das forças, serve de ligação para o inexplicável,
desconhecido, novo.
A testemunha é alguém que
denuncia a força dos poderosos, a força destes cavalos implacáveis. A
testemunha não entra em nenhum jogo, nem político nem econômico, como aponta
Ellul, mas exprime o que está no exterior, atualizando o fato, tornando-o atual
e presente. Este quinto selo é aquele que rompe o autoritarismo e dá lugar para
a verdade e a liberdade se expressarem. Ellul afirma que o quinto selo é a
liberdade do homem, de ser aquilo que Deus quis que ele fosse, e que mesmo em
meio a ameaças e à própria morte, não deixa de se revelar, de dizer o que
aconteceu, de mostrar as verdades.
Este texto suscita algumas
questões teológicas, vamos nos deter rapidamente nelas, para em seguida, dar o
desfecho do simbolismo deste quinto selo.
Os
problemas do texto:
i.
O destino final dos mortos - Segundo os judeus do séc. I a.C, as almas dos
justos são guardadas sobre o trono da glória divina, encontrando-se num estado
intermediário, da espera (Na teologia judaica mais antiga, após a morte existia
o aniquilamento, a pessoa simplesmente deixava de existir). Deste texto vão
surgir muitas heresias, sobre a imortalidade da alma afirmando que existe uma
vida intermediária no limbo, ou num salão de espera para se ingressar no céu. Este
conceito influenciou profundamente a teologia do adventismo do sétimo dia, que
é fortemente judaica (com o conceito do sábado, por exemplo).[3] Vários textos nas Escrituras
falam dos crentes gozando uma vida de comunhão com Deus imediatamente após a
morte. (ver nota de rodapé).
ii.
O desejo de vingança dos mártires - O julgamento que o mundo pronunciou contra estes
mártires é o julgamento que o mundo faz de si mesmo. A acusação deles se torna
o seu próprio veredicto. Os mártires não desejam uma vingança pessoal, não
reclamam a sua própria dor. O que importa para os mártires é o triunfo da
justiça de Deus, quando o mal será vencido. Para Ellul, este mal não é apenas a
transgressão de preceitos morais, mas de realidades muito mais fundamentais: da ruptura com Deus, ao condenarem a testemunha da sua Palavra; e do mal que
é feito aos homens, a prova é a condenação
à morte destes homens[4]. É um mal com dupla face, já
que tem a ver com a iniqüidade do homem e sua atitude em rejeitar o testemunho
de Deus, e a sua perversão em apagar a vida daqueles que dão testemunho da
presença de Deus na terra. A vingança que se busca aqui é da condenação
definitiva do mal e do estabelecimento de uma presença que exerça a justiça na
terra.
iii. O número dos conservos a serem
mortos - Como
explicar Esta idéia? O conceito aqui é de que a igreja de Cristo sempre terá os
seus mártires. O Século XX é o século no qual foram executados mais mártires na
história. Os historiadores cristãos admitem que mais mártires morreram neste
século que todos os mártires dos outros séculos colocados juntos. O comunismo
com sua cortina de ferro na Rússia e a cortina de bambu, na China executou
milhares de irmãos. Muitos cristãos têm sido perseguidos e martirizados por
guerrilhas, outros tantos debaixo de regimes islâmicos. São muitos os que ainda
morrem por testemunharem a Palavra de Deus. O Número de mártires ainda não se
completou, outros ainda virão, até o fim.
As orações dos mártires são
poderosas forças da história. O seu clamor e suas orações têm um efeito
profundo diante do trono de Deus. E o clamor de seu sangue chega ao altar do
Senhor, movimentando aquele que está centrado no trono, do qual procedem todas
as decisões. O clamor dos mártires chega a Deus, que tem o poder da história,
que é o Senhor da história.
Debaixo do altar:
Onde se encontram estes
mártires? “debaixo do altar”. A alma
daqueles que foram martirizados, encontram-se debaixo do altar, isto quer dizer
que o sangue destes homens foi derramado no altar como uma oferta e um
sacrifício a Deus.
No tempo dos Macabeus, os
judeus sofreram tremendamente por sua fé. Conta-nos a história que uma mulher,
mãe de 7 filhos foi ameaçada de morte pela sua inflexibilidade e lealdade aos
ensinamentos judaicos. Quando ameaçaram seus filhos ela não retrocedeu, ela
lhes disse que Abraão não se recusara em oferecer Isaque e
quando seus filhos chegassem ao céu eles poderiam dizer a Abraão que ele tinha
construído um altar de sacrifício, mas sua família tinha construído sete.[5] Quando Inácio de Antioquia foi levado a Roma para ser
queimado, sua oração é que ele fosse para Deus um sacrifício agradável.[6]
Conclusão: O valor do martírio para Deus:
Bonhoeffer, um dos mais
conhecidos mártires cristãos de nosso século, que se opôs fortemente ao sistema
do III Reich, era um pastor e teólogo, que foi executado, uma semana antes da
queda de Hitler, diz: “O sofrimento mesmo o mais oculto que lhes
for causado, tem a promessa de um dia vir à luz para juízo dos perseguidores e
para glorificação dos mensageiros. Igualmente o testemunho dos mensageiros não
permanecerá na obscuridade, mas virá a público”. [7]
Uma das cenas mais marcantes
da história da Igreja Cristã é a morte de Ridley, um reformador Inglês, e seu
discípulo, Latimer. Na hora da morte, em agonia, o discípulo volta-se para seu
mestre, sendo queimado junto e diz: “Coragem mestre Ridley, acenderemos neste
dia uma luz tão grande na Inglaterra, pela graça de Deus, que ninguém poderá
apagar”. O historiador Nichols afirma. “Isto foi realmente uma profecia. A
maioria dos ingleses rejeitou esta forma de religião que oferecia semelhantes
espetáculos de selvageria, em nome de Cristo. A Inglaterra tornou-se
consideravelmente muito mais protestante, após a morte da rainha Maria”. [8]
[1] Ellul, Jacques - Apocalipse, arquitetura em movimento, São Paulo, ed. Paulinas,
1979, pg. 172
[2] Ellul, (1979) op. Cit. Pg. 172,173
[3] Sobre
o destino dos mortos:
(a) - O termo “sono” usado após a morte, seria um
eufemismo, podendo ser uma afirmação de consolo para suavizar a dor, mais que
uma declaração doutrinária. A morte é vista como descanso dos afazeres
terrenos.
(b) - Vários textos nas Escrituras falam dos crentes
gozando uma vida de comunhão com Deus imediatamente após a morte: Lc. 16:19-31;
23:43; II Co. 5:8; Fp. 1:23; Ap. 6:9;
7:9; 20:4; At. 7:59
(c) - O dia do juízo não é necessário para se chegar
à decisão final, pode ser usado apenas como o anúncio de um veredicto, ou, o
anúncio solene da sentença.
(d)
- Ler II Co. 12:4
A posição reformada é a
seguinte:
a)-
Jesus afirma para o ladrão na cruz, que naquele mesmo dia encontrar-se-ia com
ele; Lc. 23:43
b)- Após a morte de Lázaro e o homem rico da
parábola, ambos experimentaram uma realidade imediata e permanente na
existência - Lc. 16:19-31
c)- Estevão, na sua morte vê o Filho de Deus à
direita do Pai, e entrega o seu espírito ao Filho - At.7:54-60
d)- Paulo via a morte como o caminho para o encontro
imediato com Cristo- Fp. 1:23
[4] .Ellul (1979) op. Cit. 173
[5]
Barclay, William - The Revelation
of John, II, Edinburgh ,
The Saint Andrew Press, 2a. Edição, 1962, pg. 13.
[6]
Barclay, (1962), op. Cit. 14
[7]
Bonhoeffer, Dietrich - Discipulado .
São Leopoldo, Ed. Sinodal, 1980, pg. 132
[8] .
Nichols, Roberto Hasting – História da
Igreja Cristã, Casa Editora Presbiteriana, S. Paulo, 1978, pg. 177.
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