segunda-feira, 24 de junho de 2013

Ap 6.9-11 O Desenrolar da História


 “O quinto selo é o quinto componente da História”[1]

Com esta frase, Ellul vê neste selo, não uma descontinuidade com o grupo definido de quatro cavalos. Para ele, o clamor dos mártires não é um elemento solto, desconexo, que se situa noutro plano e noutro nível, antes algo bem concatenado e relacionado. Para ele, o quinto selo é parte integrante da história.  “A oração dos mártires é um fator decisivo(…) Podemos conceber a história independentemente da ação espiritual provocada pela oração e pelo testemunho?[2]
A oração destes mártires, homens que deram suas vidas pelo testemunho do Evangelho, torna-se um elemento vital no processo da história, por esta razão, torna-se um dos selos que determinam o sentido da história. Sua ação parece acelerar o curso da história, seus movimentos.
A oração é uma das forças motrizes da história. Esta é uma das bases e uma das razões pelas quais a igreja deve orar. Orações dos justos, e especialmente dos mártires, desencadeiam reações nos céus. Ap. 5:8; 8:3-6. O clamor e as orações do povo de Deus trazem o juízo de Deus, o acerto de contas. O Cordeiro revela sua ira contra todos aqueles que se opuseram ao testemunho da verdade. O texto revela que este juízo segue em duas direções, que são reveladas no sexto selo.

1.   Tragédias sobre a natureza  - Após o clamor dos mártires, várias manifestações se dão na terra: Um grande terremoto, o sol se enegrecendo, a lua se transformando como em sangue, as estrelas caindo por terra e o céu se recolhendo como um pergaminho.

2.   A reação dos homens diante do juízo – Seguindo-se às orações dos mártires e às tragédias, é-nos revelado a reação pavorosa e angustiante dos homens, que já não temem a morte, mas algo mais pavoroso que a própria morte, isto é, o Grande dia da ira do Cordeiro.

Estas testemunhas são o pivô da história, e elas pedem que o tempo desta história seja acelerado, mas Deus lhes responde que elas continuem em repouso, até que seu número seja completo, isto é, até que o testemunho da Palavra seja totalmente realizado no mundo. 6.11

O que representam estes mártires que dão testemunho?
A testemunha é sempre aquela que é chamada a depor numa determinada situação. Ela vem de fora dos tribunais, para relatar o que presenciou. A testemunha é o fiador de alguma coisa. A testemunha de um crime é alguém que viu algo, ouviu algo, ou sabe de algo relacionado a este fato e pode relatar isto. A testemunha revela fatos, traz a tona fatos desconhecidos, mostra aspectos não percebidos, traz um fato inesperado e modifica o processo.
Aqui, há quatro cavalos e as testemunhas que aparecem, que intervém. As testemunhas apesar de não serem um elemento de dentro das forças, serve de ligação para o inexplicável, desconhecido, novo.
A testemunha é alguém que denuncia a força dos poderosos, a força destes cavalos implacáveis. A testemunha não entra em nenhum jogo, nem político nem econômico, como aponta Ellul, mas exprime o que está no exterior, atualizando o fato, tornando-o atual e presente. Este quinto selo é aquele que rompe o autoritarismo e dá lugar para a verdade e a liberdade se expressarem. Ellul afirma que o quinto selo é a liberdade do homem, de ser aquilo que Deus quis que ele fosse, e que mesmo em meio a ameaças e à própria morte, não deixa de se revelar, de dizer o que aconteceu, de mostrar as verdades.

Este texto suscita algumas questões teológicas, vamos nos deter rapidamente nelas, para em seguida, dar o desfecho do simbolismo deste quinto selo.

Os problemas do texto:
i.     O destino final dos mortos - Segundo os judeus do séc. I a.C, as almas dos justos são guardadas sobre o trono da glória divina, encontrando-se num estado intermediário, da espera (Na teologia judaica mais antiga, após a morte existia o aniquilamento, a pessoa simplesmente deixava de existir). Deste texto vão surgir muitas heresias, sobre a imortalidade da alma afirmando que existe uma vida intermediária no limbo, ou num salão de espera para se ingressar no céu. Este conceito influenciou profundamente a teologia do adventismo do sétimo dia, que é fortemente judaica (com o conceito do sábado, por exemplo).[3] Vários textos nas Escrituras falam dos crentes gozando uma vida de comunhão com Deus imediatamente após a morte. (ver nota de rodapé).
ii.   O desejo de vingança dos mártires - O julgamento que o mundo pronunciou contra estes mártires é o julgamento que o mundo faz de si mesmo. A acusação deles se torna o seu próprio veredicto. Os mártires não desejam uma vingança pessoal, não reclamam a sua própria dor. O que importa para os mártires é o triunfo da justiça de Deus, quando o mal será vencido. Para Ellul, este mal não é apenas a transgressão de preceitos morais, mas de realidades muito mais fundamentais: da ruptura com Deus, ao condenarem a testemunha da sua Palavra; e do mal que é feito aos homens, a prova é a condenação à morte destes homens[4]. É um mal com dupla face, já que tem a ver com a iniqüidade do homem e sua atitude em rejeitar o testemunho de Deus, e a sua perversão em apagar a vida daqueles que dão testemunho da presença de Deus na terra. A vingança que se busca aqui é da condenação definitiva do mal e do estabelecimento de uma presença que exerça a justiça na terra.
iii. O número dos conservos a serem mortos - Como explicar Esta idéia? O conceito aqui é de que a igreja de Cristo sempre terá os seus mártires. O Século XX é o século no qual foram executados mais mártires na história. Os historiadores cristãos admitem que mais mártires morreram neste século que todos os mártires dos outros séculos colocados juntos. O comunismo com sua cortina de ferro na Rússia e a cortina de bambu, na China executou milhares de irmãos. Muitos cristãos têm sido perseguidos e martirizados por guerrilhas, outros tantos debaixo de regimes islâmicos. São muitos os que ainda morrem por testemunharem a Palavra de Deus. O Número de mártires ainda não se completou, outros ainda virão, até o fim.

As orações dos mártires são poderosas forças da história. O seu clamor e suas orações têm um efeito profundo diante do trono de Deus. E o clamor de seu sangue chega ao altar do Senhor, movimentando aquele que está centrado no trono, do qual procedem todas as decisões. O clamor dos mártires chega a Deus, que tem o poder da história, que é o Senhor da história.

Debaixo do altar:
Onde se encontram estes mártires? “debaixo do altar”. A alma daqueles que foram martirizados, encontram-se debaixo do altar, isto quer dizer que o sangue destes homens foi derramado no altar como uma oferta e um sacrifício a Deus.
No tempo dos Macabeus, os judeus sofreram tremendamente por sua fé. Conta-nos a história que uma mulher, mãe de 7 filhos foi ameaçada de morte pela sua inflexibilidade e lealdade aos ensinamentos judaicos. Quando ameaçaram seus filhos ela não retrocedeu, ela lhes disse que Abraão não se recusara em oferecer Isaque e quando seus filhos chegassem ao céu eles poderiam dizer a Abraão que ele tinha construído um altar de sacrifício, mas sua família tinha construído sete.[5] Quando Inácio de Antioquia foi levado a Roma para ser queimado, sua oração é que ele fosse para Deus um sacrifício agradável.[6]

Conclusão: O valor do martírio para Deus:
Bonhoeffer, um dos mais conhecidos mártires cristãos de nosso século, que se opôs fortemente ao sistema do III Reich, era um pastor e teólogo, que foi executado, uma semana antes da queda de Hitler, diz:  “O sofrimento mesmo o mais oculto que lhes for causado, tem a promessa de um dia vir à luz para juízo dos perseguidores e para glorificação dos mensageiros. Igualmente o testemunho dos mensageiros não permanecerá na obscuridade, mas virá a público”. [7]
Uma das cenas mais marcantes da história da Igreja Cristã é a morte de Ridley, um reformador Inglês, e seu discípulo, Latimer. Na hora da morte, em agonia, o discípulo volta-se para seu mestre, sendo queimado junto e diz: “Coragem mestre Ridley, acenderemos neste dia uma luz tão grande na Inglaterra, pela graça de Deus, que ninguém poderá apagar”. O historiador Nichols afirma. “Isto foi realmente uma profecia. A maioria dos ingleses rejeitou esta forma de religião que oferecia semelhantes espetáculos de selvageria, em nome de Cristo. A Inglaterra tornou-se consideravelmente muito mais protestante, após a morte da rainha Maria”. [8]




[1]  Ellul, Jacques - Apocalipse, arquitetura em movimento, São Paulo, ed. Paulinas, 1979, pg. 172
[2]  Ellul, (1979) op. Cit. Pg. 172,173
[3]  Sobre o destino dos mortos:
(a) -  O termo “sono” usado após a morte, seria um eufemismo, podendo ser uma afirmação de consolo para suavizar a dor, mais que uma declaração doutrinária. A morte é vista como descanso dos afazeres terrenos.
                (b) - Vários textos nas Escrituras falam dos crentes gozando uma vida de comunhão com Deus imediatamente após a morte: Lc. 16:19-31; 23:43;  II Co. 5:8; Fp. 1:23; Ap. 6:9; 7:9; 20:4; At. 7:59
                (c) - O dia do juízo não é necessário para se chegar à decisão final, pode ser usado apenas como o anúncio de um veredicto, ou, o anúncio solene da sentença.
(d)  - Ler II Co. 12:4
A posição reformada é a seguinte:
a)- Jesus afirma para o ladrão na cruz, que naquele mesmo dia encontrar-se-ia com ele; Lc. 23:43
                b)- Após a morte de Lázaro e o homem rico da parábola, ambos experimentaram uma realidade imediata e permanente na existência - Lc. 16:19-31
                c)- Estevão, na sua morte vê o Filho de Deus à direita do Pai, e entrega o seu espírito ao Filho - At.7:54-60
                d)- Paulo via a morte como o caminho para o encontro imediato com Cristo- Fp. 1:23


[4] .Ellul (1979) op. Cit. 173
[5]  Barclay, William - The Revelation of John, II, Edinburgh, The Saint Andrew Press, 2a. Edição, 1962, pg. 13.
[6] Barclay, (1962), op. Cit. 14
[7] Bonhoeffer, Dietrich - Discipulado . São Leopoldo, Ed. Sinodal, 1980, pg. 132
[8] . Nichols, Roberto Hasting – História da Igreja Cristã, Casa Editora Presbiteriana, S. Paulo, 1978, pg. 177.

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