Introdução:
O Livro de Jó tem sempre atraído os
estudiosos. Carl Gustav Jung escreveu um livro chamado “Respostas a Jó”,
tentando analisar a luta espiritual com a dor que Jó enfrentou. Dos 700 sermões
que João Calvino escreveu, 159 foram baseados em Jó.
No estudo anterior analisamos aspectos da
sugestão que Satanás fez a Deus de que nenhum homem o amava por aquilo que ele
era, mas por aquilo que ele dava. Por isto, insinua que se os bens, família e
saúde de Jó fossem tirados, ele o amaldiçoaria. Analisamos os intrigantes
aspectos da espiritualidade luciférica contrastada com a espiritualidade das
Escrituras, de forma especial, da graça
de Deus.
No estudo de hoje vamos encontrar outro dilema
da raça humana: A questão da dor.
Por que sofremos?
Se Deus é poderoso e amoroso, porque ele não
retira o mal definitivamente da face da terra?
Por que prosperam os ímpios e sofre o justo?
Por que coisas boas acontecem a pessoas ruins
e coisas ruins acontecem a pessoas más?
Uma equação perversa foi feita por um filósofo
ateu: “Ou Deus é bom e não é Todo-poderoso, ou é Todo-poderoso, mas não é bom”.
Numa palestra em 1999 proferida na Harvard,
pelo Dr. Billy Graham, e da qual eu pude participar, ele falou deste assunto,
afirmando que apesar de todo progresso humano e todo conhecimento cientifico
que ele tem alcançado, três coisas permanecem sem resposta:
ü O Problema do mal
ü O problema do
sofrimento
ü O problema da dor.
Este capítulo primeiro de Jó, levanta algumas
causas do sofrimento humano. Mostra as causas, mas não resolve o dilema:
- A dor humana
decorre dos atos malignos dos homens – O sofrimento surge por causa
das ambições desenfreadas, do desejo de dominar e possuir a qualquer
preço.
Aqui vemos dois grupos sendo citados: Os
“sabeus” (1.15) e os “caldeus” (1.17). O primeiro é um grupo sem poder, de
homens da região que se agregaram em torno de um líder forte e faziam arrastões
nas periferias e nas fazendas, matando e saqueando. Era uma espécie de figura
subversiva, um cangaceiro “lampião” da região da Judéia. Estes homens vieram
com ímpeto sobre as propriedades de Jó levando os animais e matando os servos
de Jó ao fio da espada. O segundo é um grupo remanescente da forte caldéia,
mais organizado politicamente, mas igualmente cruel. Eles vieram em três
bandos, deram sobre os camelos, os levaram e mataram também os servos de Jó.
Muito sofrimento é decorrente pura e
simplesmente das ações deliberadas de homens perversos. São guerras, assaltos,
seqüestros, latrocínios, balas perdidas, roubos. Eventualmente somos duramente
esmagados por homens malignos. Jesus nos ensina na oração dominical para que
clamemos ao Pai celeste, que nos livre do mal. Certamente o mal tem suas
manifestações em atitudes como estas.
Jesus mesmo foi traído, rejeitado, vilipendiado,
espancado, crucificado. Ele sofreu os efeitos de líderes políticos
inescrupulosos, de um julgamento de farsa num tribunal corrupto. Vivemos num
mundo caído, onde Caim facilmente chama Abel para andar com ele, mas cujo
propósito é maligno em sua alma.
No ano de 2014 ouvimos falar do grupo
terrorista Boko Haram na Nigéria, que seqüestra meninas e as vendem como
escravas; ouvimos falar do “Estado Islâmico”, outro grupo radical fortemente
armado e que extermina toda pessoa que não alinhe seu pensamento ao islamismo;
tivemos o desfecho do mensalão em Brasília, com políticos do primeiro escalão
do governo recebendo milhões em propinas e sendo condenados; em seguida surge outro
rombo ainda maior ligado à Petrobras, quando diretores, empresários e doleiros foram
presos por envolvimentos em quadrilhas assaltando os erários públicos. Além de
tudo isto, às dezenas temos prefeitos inescrupulosos de pequenas cidades que desviam
os recursos da merenda escolar, fazendo transações milionárias, e assim, corruptos
e corruptores se tornam verdadeiras aves de rapina, saqueando e roubando os
recursos que deveriam ser usados para obras sociais e melhorias na
infra-estrutura de nosso país.
Vivemos num caído, violento e eventualmente
somos atingidos de forma brutal.
A Bíblia afirma que tais dores são resultantes
de escolhas morais e porque o homem se afastou de Deus. Por ter se distanciado
do Pai celestial, perdeu suas referências do sagrado, propósito e sentido. Os
caldeus e os sabeus apontam são paradigmas da maldade humana em todas épocas e
aponta para esta dura realidade presente de tantas formas distintas – e iguais.
- A dor surge por causa de fenômenos da
natureza
– O texto relata dois incidentes. “Fogo
caiu do céu” (Jó 1.16) e um forte vento do deserto (Jó 1.19). São
cataclismas que atingem cidades inteiras e até mesmo civilizações.
ü A erupção do Vesúvio
em 79, foi uma das mais conhecidas e catastróficas erupções vulcânicas de todos
os tempos. As cidades de Pompéia, Herculano foram completamente destruídas. O
Vesúvio espalhou uma nuvem mortal de rochas, cinzas e fumaça a uma altura de 30 KM , cuspindo lava e púmice
a uma proporção de 1.5 milhões de toneladas por segundo, liberando uma energia
térmica centenas de milhares de vezes maior do que o bombardeamento de
Hiroshima. Estima-se que 16.000 cidadãos destas cidades morreram.
ü O Furacão Katrina, que
destruiu uma partte dos EUA, uma tempestade tropical que alcançou a categoria
5, com ventos que alcançaram mais de 280 quilômetros por
hora e causaram grandes prejuízos na região metropolitana de New Orleans, em 29
de Agosto de 2005, e cerca de um milhão de pessoas teve que sair às pressas de
suas casa, trazendo prejuízo de 2 bilhões de dólares e causando a morte de
cerca de mil pessoas. nami de proporções inimagináveis matou 240 mil pessoas na
Indonésia.
ü Tsunami 2004. – No dia
24 de Dezembro deste ano, um terremoto de magnitude 9.1, desencadeou um tsunami
no Oceano Índico, na costa da província indonésia de Aceh, causando a morte de
226 mil pessoas na Indonésia, Sri Lanka, Índia, Tailândia e outros nove países.
O impacto foi tão grande que chegou a alterar o eixo da terra. No total foram
226.306 vítimas, 1.8 milhões de desabrigados; 469 mil imóveis danificados ou
destruídos e prejuízo de U$ 10.7 bilhões.
Quando surgem catástrofes, de grandes proporções
como estas, ou pequenas, somos pegos absolutamente indefesos. Num destes
eventos “naturais”, todos os filhos de Jó morrem por causa de um furacão, de
uma só vez.
- O diabo é o causador do mal – Este texto nos
coloca Satanás como agente de todos os males por detrás dos fatos. As
perdas, dores e lutos se deram pela ação maligna. Jó vivia em um ambiente
de alegria com seus filhos e família, e perdeu tudo o que tinha.
A Bíblia descreve Satanás como o adversário de
nossas almas. Ele veio para roubar, matar e destruir. É um ser sem
misericórdia, impiedoso. Ai do homem que estiver ao alcance dele. Na Bíblia, os
termos definem bem o caráter de Lúcifer. Ele é chamado de diabo, ou aquele que divide; de Satanás, ou adversário.
- Deus e mal: Grandes mistérios – Esta é, teológica
e filosoficamente, a mais complicada de todas. Mas o texto afirma que ele
é a causa última de toda dor, embora não como agente direto, pois, na
medida em que ele permite, Satanás tem liberdade de ação. Felizmente ele
só pode agir quando tem permissão, ele não tem liberdade de fazer o que,
quando e como quem quer, o mal, e mesmo quando tem tal permissão, seu
campo de ação é claramente delimitado por Deus.
O Profeta Isaías afirma: “Eu formo a luz e crio as trevas; faço a paz e crio o mal; eu, o Senhor,
faço todas estas coisas” (Is 45.7). Diante do impacto desta declaração, o
profeta faz a seguinte afirmação: “Verdadeiramente,
tu és Deus misterioso, ó Deus de Israel , o Salvador” (Is 45.15). Que tipo
de reação podemos ter ao depararmos com uma declaração tão incisiva do próprio
Deus?
Se você está chegando à conclusão de que Deus
é um “agente do mal”, precisamos repensar tal ideia. O que o texto de Jó tenta
mostrar é que Deus, por alguma razão soberana e suprema, dentro dos seus sábios
e providentes planos, permite a dor e a ação do mal. Isto é o que os teólogos
chamam de “vontade permissiva” de Deus. Deus permite a ação do mal, como fez ao
deixar que Satanás tocasse na família, bens e mesmo a saúde de Jó. Deus não
perdeu o controle da situação, e Satanás só pode agir dentro do limite que o
próprio Deus impôs.
Esta dura realidade certamente nos choca.
O profeta Habacuque entra em crise com Deus,
porque ele ora para que Deus não permita que os assírios invadam Jerusalém, e
Deus lhe afirma que era ele quem estava incitando o povo pagão a vir sobre o
seu próprio povo. O profeta ao ouvir isto, se desestabiliza: “Tu és tão puro de olhos que não podes ver o
mal, e a opressão não podes contemplar. Por que, pois, toleras os que procedem
perfidamente e te calas quando o perverso devora aquele que é mais justo do que
ele?” (HC 1.13)
Por que Deus permite o mal se ele pode impedir
o mal?
Por que Satanás ainda consegue causar tanta
destruição se Deus poderia simplesmente destrui-lo?
Se ele é Santo em todos os seus motivos,
porque permite a injustiça?
O propósito de Deus, em última instância, não
é nos fazer feliz, mas nos tornar santos, parecidos com seu Filho Jesus. Neste
processo, se necessário for, ele vai nos disciplinar, vai causar privação, e
vai permitir que determinadas coisas que não queremos ter, aconteçam conosco.
Nunca se esqueça, porém, que Ele é Santo. Tudo o que Ele faz tem motivos claros
e santos.
Satanás não age livremente, mas precisa da
“permissão” de Deus para praticar o mal, indo até onde Deus permite que ele vá.
Os teólogos chamam isto de “vontade permissiva” ao invés de “vontade
descritiva”, por exemplo, “os dons e a vocação de Deus são irrevogáveis” (Rm
11.29). Isto é, quando ele afirma que algo vai acontecer, não existe força
espiritual ou política que possa impedir que tal plano se cumpra. A vontade
permissiva significa que Deus, por alguma razão, permite que determinado “mal”
se cumpra, para que ele execute seu plano redentivo e amoroso. É neste sentido,
e apenas desta forma, que entenderemos a afirmação do próprio Deus de que ele
forma a luz e cria as trevas; faz a paz e
cria o mal.
Conclusão:
O mal continua sendo um mistério e gerando
indagações.
Sabemos as causas, mas mesmo sabendo de tudo isto, quando ele nos
acomete, somos profundamente feridos e gera muita dor. Por esta razão, ao invés
de tentarmos explicar e dar sentido à dor, precisamos nos assentar
silenciosamente diante daquele que sofre e criarmos uma empatia com seu
sofrimento. Tentar explicar demais, é na maioria das vezes, inútil. Por isto, a
atitude dos amigos de Jó no encontro inicial que tiveram torna-se algo tão
nobre. “Sentaram-se com ele na terra,
sete dias e sete noites; e nenhum lhe dizia palavra alguma, pois viam que a dor
era muito grande” (Jó 2.12-13). O problema é que, posteriormente, tentaram
teologizar sobre a dor do amigo, e o resultado foi caótico. Nem jó recebeu bem
a atitude dos amigos, acusando-os de serem “consoladores
molestos” (Jó 16.1-4); nem Deus, que viu na disposição destes exegetas do
sofrimento do outro, uma afronta ao seu nome.
No final do livro, Deus lhes dirige a Palavra em tons severos: “O meu servo (Jó), orará
por vós; porque dele aceitarei a intercessão, para que não vos trate segundo a
vossa loucura”. Deus ficou tão irado com eles que nem sequer permitiu que
orassem, e o que me assusta nisto tudo, é que muitos de seus discursos e
conceitos são os mesmos que hoje aplicamos diante da dor, e não teríamos
nenhuma dificuldade de ler parte deste discurso em nossas liturgias.
Contemplemos o mal e a dor como mistérios.
Não vamos conseguir explicá-los,
mas com temor e oração, e acima de tudo com a graça de Deus, veremos que o bom
pastor anda conosco no vale da sombra e da morte, lugar sombrio e de trevas, e
que Ele é o Deus que caminha na tempestade e na tormenta. Que Deus nos abencoe!
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