Salomão é um dos homens mais paradoxais na Bíblia.
A. O homem mais sábio – que se perde na sua sabedoria e se torna pessimista e amargurado;
B. O homem com extravagante vida com Deus – que posteriormente assume uma fé sincrética e idolátrica;
C. O homem mais admirado na política externa – Que se revela um tolo no final da vida;
D. O homem que impressiona os súditos – No final se torna mulherengo, e sofre críticas severas do seu próprio povo.
E. O homem com o reino unificado e admirado que e deixa o legado de reino dividido para seu filho Roboão.
Qual é o pecado básico de Salomão?
i. Luxúria?
ii. Vaidade?
iii. Idolatria?
iv. Arrogância?
Tais pecados são evidentes, mas a vaidade se torna o problema central na sua vida. Salomão precisa de holofotes. Scott Peck, psiquiatra renomado nos EUA, afirma que o diabo é um ser da penumbra e das trevas, e só é descoberto, porque é “show-off”, gosta de se aparecer, não quer deixar de ficar em evidência. Quando coloca um pedaço de sua face na luz, é denunciado.
Salomão escreveu muito sobre a vaidade no seu livro de Eclesiastes. Aliás, apenas num versículo deste livro, que é o título, ele fala cinco vezes disto: “Vaidade de vaidades, diz o pregador, vaidade de vaidades, tudo é vaidade”. (Ec 1.2).
No entanto, a vaidade que ele descreve ali, não era exatamente a mesma vaidade que o consumiria. A palavra do hebraico para vaidade é hebhel, e significa, bolha de sabão, isto é, a vida não tem consistência. Seu livro é proto-existencialista do existencialismo moderno. O que Nietzsche, Camus, Jaspers e Sartre dizem tem profunda relação com o conteúdo de Eclesiastes. Por exemplo, o primeiro capitulo de Eclesiastes fala da falta de objetividade na vida, e como ela se repete. Esta é a mesma tese do eterno retorno de Niestsche, que posteriormente será explorada no livro “a insustentável leveza do ser”, de Milan Kundera.
A vaidade destrói Salomão. Poder, fama, popularidade e glória o mataram, afinal “vaidade é o pecado predileto” para Satanás.
Salomão: Um homem obcecado pela sua imagem
Não é fácil seguir uma lenda. Salomão teve que calçar os sapatos de seu pai que era um herói. Assumiu o trono em meio a tensões familiares e com muitas disputas no reino e era ainda novo e inexperiente em questões políticas (1 Cr 29.1). Ele tinha sobre si uma sombra pesada, ela era filho de uma mulher estigmatizada em Israel pelo escândalo público que causou ao se envolver com Davi numa relação adulterina, provocando a morte de seu marido. Apesar de ter sido chamado por Deus para construir o templo, quem fez o projeto foi o seu pai e ele desejava fazer bem mais que seu pai (Ec 2.4-8). Sua vida se tornou uma tentativa de auto afirmação (Ec 2.9-10). Tornou-se maior na sua mente que em sua vida. Taxou severamente seus súditos ao ponto de exaustão por causa de seus caprichos e decidiu se casar com outras mulheres gentias para ampliar seu reino, apesar da ordem explicita na Palavra do Senhor sobre este assunto (Dt 17.16-17). Sua imagem era mais importante que obediência. Na meia idade encontrou-se com seu lado negro.
O que vemos em Salomão?
1. Salomão iniciou seu reinado com a benção de Deus – (2 Cr 1.1,7);
2. Salomão iniciou seu reinado com devoção, humildade e piedade – (2 Cr 1.9-12);
3. Salomão iniciou seu reinado colocando Deus em primeiro lugar – “Resolveu Salomão” (2 Cr 2.1). Seu amor por Deus no início de sua vida era extravagante. Nos sacrifícios para a consagração do templo não poupava esforços. Sacrificou 22 mil bois e 120 mil ovelhas (2 Cr 8.63). Já pararam para considerar a grandeza destes números?
4. Salomão começou seu reinado colocando a glória de Deus como primazia – (2 Cr 2.5). A construção do templo ocupa completamente os primeiros capítulos do segundo livro das crônicas.
5. Salomão colocou os olhos dos seus liderados no Deus de Israel. Ele fazia questão de unir o povo num culto comunitário, para celebrar o nome do Deus de Israel. Veja quantas vezes aparece o termo “todos” apenas nestes 4 versos (2 Cr 5.2-6)
6. Deus demonstra seu prazer na atitude de Salomão.
i. Deus se manifesta no templo - 2 Cr. 5.13-14
ii. Deus se manifesta a Salomão – 2 Cr 7.12
7. Salomão se torna uma referência de sabedoria dentro do seu governo. (1 Rs 3.16-28).
8. Salomão se torna uma referência na política externa – Pessoas de várias partes do mundo vinham se encontrar com ele. Certamente a mais famosa foi a rainha de Sabá (que historiadores afirmam ser a atual Etiópia, que naqueles dias era uma potência militar). “Todo mundo procurava ir ter com ele para ouvir a sabedoria que Deus lhe pusera no coração” (1 Rs 10.24).
9. Salomão deixou um legado de obras escritas em seus dias, Salomão deixou um legado de obras escritas em seus dias, sobre os temas mais variados como botânica, répteis, peixes, zoologia, escreveu 3000 provérbios e 1005 cânticos. Deixou um legado acadêmico (1 Rs 4.29-34).
10. Sua glória, poder e sabedoria se tornaram superlativas – “Excedeu a todos os reis do mundo, tanto em riqueza como em sabedoria”.
12. Salomão se tornou poderoso financeiramente – 1 Rs 10.14.
Seu reinado era opulento e ostensivo – Todas as taças com que se servia o rei eram de ouro. Sua riqueza impressionava (1 Rs 10.4-6).
Como começou a derrocada de Salomão?
Apesar de todo a glória inicial, Salomão não terminou bem sua vida e reinado. O primeiro livro dos Reis, no capítulo 11, registra o início do seu fracasso.
O que deu errado?
Primeiro, Salomão relativizou princípios básicos da Lei de Deus
Bem antes de Israel se tornar uma monarquia, Deus já havia estabelecido as “Normas dos futuros reis”. O livro de Deuteronômio já instruía que quando Israel tivesse um rei, ele deveria seguir 4 princípios ou diretrizes:
• Não devia ter muitos cavalos
• Não devia fazer o povo voltar ao Egito
• Não devia ter muitas mulheres
• Não devia possuir muita prata e ouro
Estas normas estão registradas em Dt 17.14-17
No entanto, o que fez Salomão? Ele quebrou todos os princípios estipulados. Ele obstinadamente quebrou todos os quatro valores estabelecidos por Deus para os reis de Israel. Isto é rebeldia.
Deus havia instruído seu povo a não se casar com mulheres pagãs e a contrair casamentos mistos
Os filhos de Israel não deveriam se envolver com mulheres estrangeiras (Dt 12.2; 1 Rs 11.1-2).
Segundo, Salomão construiu um harém para demonstrar seu poder e luxo
A palavra de Deus registra em 1 Rs 11.1-3:
“Ora, além da filha de Faraó, amou Salomão muitas mulheres estrangeiras: moabitas, amonitas, edomitas, sidonias e heteias. Mulheres das nações de que havia o Senhor dito aos filhos de Israel: Não caseis com elas, nem casem elas convosco, pois vos perverteriam o coração, para seguirdes os seus deuses. A estas se apegou Salomão pelo amor. Tinha setecentas mulheres, princesas e trezentas concubinas; e suas mulheres lhe perverteram o coração” (1 Rs 11.1-3)
O texto afirma que tais mulheres lhe perverteram o seu coração, mas não é difícil pensar que sua atitude já demonstrava a tendência de um coração que se pervertia na luxúria e sexo desenfreado. Poderíamos até afirmar: “Por causa da perversão do seu coração, construiu harém para mil mulheres”. Salomão não é vítima. O texto bíblico não quer dar esta impressão.
Terceiro,
A vaidade de seu coração se tornou idolátrica. Lutero afirmava que a idolatria é o pecado detrás de todos os demais pecados. No caso de Salomão, sua vaidade o induziu a dividir a atenção na adoração ao Deus único (1 Rs 11-5-8). Salomão se tornou decadente na sua espiritualidade. Seu narcisismo o destruiu. O livro de Eclesiastes, de sua autoria, é auto biográfico, e fala da grave consequência do homem quando se distancia de Deus. Seu livro é cínico e pessimista, revela uma amargura e uma falta de sentido sem par. Aliás a palavra “vaidade” seria melhor traduzida no texto como “falta de sentido”, porque ela vem do hebraico “hebhel”, que pode ser traduzido como “fôlego”, ou “bolha de sabão”. Muito brilho, mas nenhum conteúdo, afinal, “tudo que é sólido se desmancha no ar”. Ou como Vinicius definiu a vida na música “Aquarela”, afirmando que “O futuro é uma astronave, que devemos pilotar, não tem tempo, nem piedade, nem tem hora de chegar. Pinto um barco a vela, branco navegando, que no fim de tudo, se descolorirá”.
Quando a imagem é tudo
Para pessoas narcisistas, o eixo do mundo gira em torno deles. A órbita do universo está girando ao seu redor. Tornam-se auto-absorvidas, apresentam intensa ambição, grandes fantasias, sentimentos de inferioridade e dependência excessiva de admiração externa e aclamação pública. Por causa de sua insegurança, colocam outros para promoverem sua auto-imagem. Possuem um sentimento inflacionado de valor para suas organizações, e uma necessidade exibicionista por constante admiração e atenção dos outros. A despeito de serem conduzidos por este desejo de aclamação, raramente são satisfeitos. Por esta razão, apesar dos impostos já estarem estratosféricos, Salomão sobretaxou-os para financiar seus projetos de auto promoção.
Narcisistas tendem a valorizar excessivamente suas próprias conquistas e habilidades, e encontram dificuldade de reconhecer estas mesmas características em outros, porque fazer isto os ameaça. Usam outros para alcançar seus objetivos.
Narcisismo é uma palavra que procede da lenda grega de Narciso. Ele era um jovem lindíssimo, usava a mais perfeita pérola nos seus cordões e por causa de sua beleza, muitas mulheres eram atraídas a ele, mas não podiam se aproximar porque ele não se interessava por nenhuma delas. Ele se apaixonou pela própria imagem quando um dia olhou para o rio e viu seu rosto refletido nele. Narciso não podia amar ninguém mais, ou responder a qualquer amor. Na medida em que o tempo passava, Narciso gastava mais e mais tempo se contemplando, até que não conseguiu mais sair de perto do reflexo, foi absorvido pela terra e se tornou uma flor.
O conhecido tele-evangelista Jim Bakker é um exemplo clássico da vítima de uma desordem narcisista de personalidade. Sua visão de grandeza surgia de seu profundo senso de inferioridade e inadequação. Ele sempre fazia as coisas para mostrar que era digno de ser aprovado. Por isto não conseguia interromper nada, por mais pecaminoso que fosse, para receber aprovação. Muitas igrejas têm sido destruídas pela vaidade de seus líderes. Muitos usam a igreja para plataforma de exaltação do ego com pouca preocupação com o povo de Deus ou com Deus.
Quando pastores estão constantemente iniciando novos projetos mesmo quando os atuais não estão funcionando bem, isto pode ser um sinal de narcisismo e muitos seguem tais lideres pensando que tais atividades surgiram no coração de Deus.
Quarto, Salomão atraiu a ira de Deus sobre sua vida
Isto causou uma divisão em Israel Deus, que só não aconteceu nos dias de Salomão, por causa de Davi, mas reverberou no seu filho e netos. Nos dias de Salomão, o profeta afirma que Aías trouxe uma dura palavra profética, de denúncia, por causa de sua atitude pagã:
“Sucedeu, pois, naquele tempo que, saindo Jeroboão de Jerusalém, o profeta Aías, o silonita, o encontrou no caminho, e ele estava vestido com uma roupa nova, e os dois estavam sós no campo. E Aías pegou na roupa nova que tinha sobre si, e a rasgou em doze pedaços.
E disse a Jeroboão: Toma para ti os dez pedaços, porque assim diz o Senhor Deus de Israel: Eis que rasgarei o reino da mão de Salomão, e a ti darei as dez tribos. Porém ele terá uma tribo, por amor de Davi, meu servo, e por amor de Jerusalém, a cidade que escolhi de todas as tribos de Israel. Porque me deixaram, e se encurvaram a Astarote, deusa dos sidônios, a Quemós, deus dos moabitas, e a Milcom, deus dos filhos de Amom; e não andaram pelos meus caminhos, para fazerem o que é reto aos meus olhos, a saber, os meus estatutos e os meus juízos, como Davi, seu pai. Porém não tomarei nada deste reino da sua mão; mas por príncipe o ponho por todos os dias da sua vida, por amor de Davi, meu servo, a quem escolhi, o qual guardou os meus mandamentos e os meus estatutos. Mas da mão de seu filho tomarei o reino, e darei a ti, as dez tribos dele” (1 Rs 11.29-35). Qual a causa desta divisão? “Porque Salomão me deixou” (1 Rs 11.33).
Sua infidelidade trouxe sérias consequências para o povo de Deus e graves implicações sobre o governo de seu filho. 10 nações abandonaram o reinado de Roboão e passaram a seguir outro rei, quando Roboão decide guerrear contra o grupo dissidente Deus os proíbe, dizendo: “...Eu é que fiz isto!” (1 Rs12.24)
Conclusão:
A história de Salomão nos ensina várias lições:
A. Salomão se perdeu na sua trajetória e assumiu uma atitude de apostasia – O apóstolo Paulo nos exorta a nos examinarmos a avaliar nossa vida espiritual: “Examinai-vos a vós mesmos, se permaneceis na fé; provai-vos a vós mesmos. Ou não sabeis quanto a vós mesmos, que Jesus Cristo está em vós? Se não é que já estais reprovados” (2 Co 13.5). É essencial continuar firme.
B. Salomão não se afastou de Deus repentinamente – Heresia e apostasia se constroem em longos períodos da vida, cumprem processos e seguem certos protocolos. Lentamente a alma se esfria, perde-se o vigor espiritual, abandona a vida da igreja, as orações, a leitura contemplativa da palavra, o sustento financeiro da obra do Senhor. É um processo letal e lento.
Salomão se envolve com a filha de Faraó. Egito era um grande reino. Isto dava status e reconhecimento, e o protegia politicamente, mas era desobediência. Sua vaidade, porém, o atraia mais que todas as coisas. Salomão se envolve com outras mulheres pagãs, numa clara desobediência a um preceito conhecido em Israel, que o povo de Deus não deveria se casar com pessoas que adorassem outros deuses. Salomão, para ser agradável e popular (característica daqueles que estão sendo engolidos pela vaidade), chega ao cúmulo de construir templos pagãos para homenagear suas mulheres. Inclusive altares a deuses que exigiam sacrifícios de crianças, e finalmente, Salomão comparece e toma parte nestes rituais pagãos.
C. As escolhas pecaminosas de Salomão demonstram como o pecado pode se tornar cada vez mais dominante . A Bíblia fala de “laços de iniquidade”. Iniquidade tem o poder de nos aprisionar, tirar o nosso coração do Senhor. Perder a primazia de Deus em nossa vida. Isto pode se dar por preguiça espiritual, desejo de popularidade, concessão às ofertas de Satanás, desejo por poder e dinheiro.
D. Salomão terminou seus dias com alma em profundo desespero e vazio. O Livro de Eclesiastes, escrito no final de sua vida, é autobiográfico. Ed René Kivitz afirma que é o livro “mais mau humorado da bíblia”. Nele Salomão extravasa toda sua desorientação espiritual e crise de alma. Torna-se ácido, pessimista e vazio.
E. A história de Salomão nos ensina que, não importa como a gente começa, e sim como terminamos a caminhada com Deus.
Por isto a Bíblia afirma que “aquele que perseverar até o fim, este será salvo”. Vida cristã não é uma corrida de 100 metros rasos, não é velocidade, mas maratona, corrida longa e perseverante, na qual o atleta muitas vezes sente-se cansado e com desejo de entregar os pontos.
Certa pessoa afirmou: “na medida em que envelheço tenho me tornado mais cético, cínico e grosso”. É possível terminar mau os dias, mesmo para aqueles que começam bem. Mas a Bíblia diz que “não somos dos que retrocedem para a perdição”. É preciso terminar bem, amando a Deus, honrando o Senhor.
Se nosso coração se desviar e seguir outros deuses, ou se perder na vaidade e na luxúria, é importante voltar, admitir o equívoco, pedir graça e poder e voltar ao primeiro amor, confessar os pecados, admitir nossa impotência, buscar e clamar ao Senhor.
Davi era um homem segundo o coração de Deus. Cometeu muitos equívocos, mas não continuava sua caminhada sem Deus. Seu filho Salomão, pecou contra Deus, e não há na bíblia registro de seu arrependimento e volta ao Senhor.
Davi não ficou longe de Deus. Salomão se acomodou longe de Deus. A distância do senhor, sua luxuria, vaidade, idolatria, narcisismo não o levaram ao choro.
Que Deus nos ajude a enfrentar estes monstros da alma e voltar para Aquele que é rico em perdoar, e que não tem prazer na morte do ímpio, mas enseja a todos que nos voltemos, em arrependimento, para que sejamos curados, tratados, perdoados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário