A história de libertação espiritual deste rapaz é de tirar o fôlego. Ele era considerado um louco, só que não destes tipos de loucos engraçados, ele era pavoroso. O Pastor José Nobre afirma que conheceu uma pessoa desajustada no Mato Grosso que gostava de repetir: “todo maluco tem razão!”.
Este personagem bíblico era muito mais que um louco.
Ele era dominado por forças espirituais, possuído por espíritos malignos. Vivia entre os sepulcros, afligido por intensa dor, controlado por demônios, alijado da sociedade e afastado da família. Sua história é permeada de dor e angústia. Quando foi libertado por Jesus, depois de anos de esmagadora angústia, sua primeira reação foi de nunca mais sair de perto daquele homem, e ele pede suplicando a Jesus que o deixe acompanhar, mas Jesus não o permitiu, antes deu-lhe uma ordem: “vai para a tua casa, para os teus” (Mc 5.19).
Por que Jesus não o deixa ir consigo?
Por que Jesus o envia para sua casa, lugar de antagonismos e reações, e não o leva para Israel?
A verdade é que Jesus o libertou para transformá-lo num missionário. Que transformação. De possesso à pregador. Pode existir alguma coisa mais transformadora e revolucionária que esta?
Certamente existe nesta atitude de Jesus alguns valores inegociavelmente presentes:
1. Jesus entende que o lar é o campo missionário mais urgente e desafiador por isto diz: “Volta pra tua casa e para os teus!”(Mc 5.19).
A mensagem do Evangelho não se propõe a apenas redimir uma vida, mas restaurar um sistema.
Por isto lemos em Malaquias 4.5-6
“Eis que vos enviarei o grande profeta Elias, antes que venha o grande temível dia do Senhor, e ele converterá o coração dos pais aos filhos e dos filhos aos seus pais, para que eu não venha e fira a terra com maldição”. Deus precisa agir nos lares, trazendo saúde e relacionamentos curados, para que a sociedade não seja ferida. O grande desafio social com as drogas, assassinato de jovens, criminalidade, tem a ver com sistemas. Ficamos tentando recuperar jovens, mas o grande desafio é restaurar famílias, trazer conversão de pais a filhos. A sociedade está ferida porque falta cura de afetos e emoções. A psique da juventude está perigosamente ferida por falta de conversões entre pais e filhos.
Quando Jesus age em uma família, ele quer fazer uma mudança não apenas de um individuo, mas de famílias. Existem doenças sistêmicas que só o Evangelho pode tangenciar, lares desestruturados que apenas a graça de Jesus pode resgatar, existem forças malignas agindo nos filhos, e lares que só poderão ser transformados quando o valente, que domina estruturas familiares, forem expulsos.
A mulher siro fenícia, que procura desesperada e incansavelmente a Jesus, embora não tivesse um background judaico, foi capaz de perceber que algo de espiritual e maligno pairava sobre sua casa, de forma direta em sua filha, que precisava de urgente libertação. “Senhor, socorre-me, minha filha está horrivelmente endemoninhada”. Esta expressão é interessante, porque Satanás, literalmente, tinha feito um ninho dentro de sua casa.
Nossos lares precisam ser evangelizados, redimidos, resgatados. “Volta pra tua casa e para os teus!” (Mc 5.19).
2. Jesus enxerga a família, como estruturas que precisam ser transformadas.
Existem culturas, modelos e ambientes familiares que são propícios ao florescimento do mal, são campos férteis para proliferação de gestos malignos. Por isto o irreverente dramaturgo Nelson Rodrigues afirmou que, “família, na melhor das hipóteses, só serve para enriquecer a indústria farmacêutica e dar emprego para psiquiatras”. São estruturas profundamente danificados no seu núcleo básico.
Jesus recupera o rapaz para transformá-lo em agente de resgate. Não apenas para auto satisfação e paz interior, mas para transformá-lo em um missionário.
Estudos demonstram que quando uma criança é resgatada de um ambiente hostil, tem oportunidade de estudar, de quebrar o ciclo negativo de heranças e comportamentos destrutivos de uma família, não apenas ele é resgatado, mas ele tem o poder de impactar sua família, e toda a posteridade sua será impactada. Por ter acesso a novos modelos familiares, novas realidades, consegue fazer leituras mais amplas e restauradoras, por isto melhora a renda familiar, encoraja novas atitudes, e cria um novo paradigma na família.
Foi exatamente isto que Jesus fez.
A volta deste rapaz antes endemoninhado, cujos sintomas eram similares ao de um esquizofrênico ou bipolar, mas que agora está refeito e em perfeito juízo, vai impactar toda família, e a sociedade onde ele vive. O grande chamado de Cristo não é para segui-lo a despeito da família, mas segui-lo, reintegrando-se à família e trazendo redenção à família.
Por muitos anos, ele estava distanciado da família e retornar à casa não parecia muito interessante. Na condição de possesso já era conhecido de muitos, e causara certamente muito constrangimento à família. No entanto, Jesus recomenda que ele volte e seja reintegrado à família. O encontro com Cristo move o convertido à restauração do seu ambiente e de relacionamentos quebrados.
3. Jesus sabe que sua volta vai impactar a sociedade.
O que ele faz quando retorna?
“Então, ele foi e começou a proclamar em Decápolis, tudo o que Jesus lhe fizera; e todos se admiravam” (Mc 5.20).
Isto aponta para algo subversivo. Quem foi o primeiro missionário cristão entre os gentios? Não foi Filipe que em Atos 8 sai anunciando o evangelho por toda Samaria, nem Pedro com toda sua resistência inicial conforme Atos 10, nem mesmo Paulo que se auto intitula apóstolo dos gentios. O primeiro missionário foi este Gadareno. Ele vai para aquela região gentílica, conhecida como Decápolis, isto significa, um complexo de dez cidades, e vai a todas elas proclamando o poder de Jesus.
Enquanto a igreja institucionalmente iria lutar em concílio (Atos 15), em grandes debates para saber se os gentios seriam incorporados à mensagem cristã, este simples homem, com sua experiência grandiosa de libertação, já estava anunciando Jesus entre os pagãos. Não precisava da aprovação de um concilio, apenas o forte testemunho de alguém transformado pela maravilhosa graça de Jesus.
O conteúdo de sua mensagem é bem simples, mas profundamente eficaz:
i. Anunciava a compaixão de Cristo – (Mc 5.19)
ii. “Começou a proclamar tudo o que Jesus fizera” (Mc 5.20)
O resultado?
“Todos se admiravam” (Mc 5.20).
Disto podemos tirar algumas conclusões:
A. Família e missões são temas profundamente interligados. Quando era seminarista, ficava hospedado na casa de Eleny Vassão, por dois anos, todos os finais de semana, compartilhei da vida desta família, ao lado de seus admiráveis filhos. Eram quatro. Se o pai resolvesse ir para o gol, tinham um time de futebol de salão. Eles irradiavam saúde e alegria, e eram sempre uma fonte de contentamento para o meu coração. Um dia, ela expressou a dificuldade de conciliar seu grande desejo de ser capelã, com as exigências domésticas, naquela ocasião afirmei que se ela transformasse seus quatro inteligentes e vibrantes filhos, em missionários, São Paulo seria pequeno para o impacto que eles causariam naquela metrópole. Não é exatamente assim?
A verdade é que nenhum esforço vale, em termos de vida espiritual, se meus filhos e netos não forem atingidos.
B. O maior e mais desafiador campo missionário é a família. Nenhum é tão urgente e necessário. Famílias redimidas geram benção, graça e alegria. Famílias disfuncionais, danificam a psique e atiram os filhos nas drogas, criminalidade, mas sutilmente gera outros desequilíbrios que nem sempre são mensuráveis como depressão, falta de sentido, melancolia, e se forem famílias cristãs desequilibradas, geram incredulidade e apostasia.
C. Lares precisam ser alcançados – A Bíblia afirma que quando Davi pediu ajuda a Nabal, recebeu uma resposta que o enfureceu. O relatório que o empregado dá a Abigail sobre a atitude de seu marido revela como lares podem estar fortemente contaminados e afetados pelo mal. “Agora, pois, considera e vê o que hás de fazer, porque já o mal está, de fato, determinado contra o nosso senhor e contra toda sua casa, e ele é filho de Belial, e não há quem lhe possa falar” (1 Sm 25.17). Observe a linguagem: “O mal está, de fato, determinado”. Muitos lares estão sob este pesado veredito. É só uma questão de tempo até que as tinhosas manifestações do mal se revelem.
Fundamentos precisam ser restaurados. As bases precisam ser reconstruídas. Jesus quer tratar disto, caso contrario, não faria qualquer sentido remetê-lo novamente às suas origens.
Um exemplo impressionante de como um homem cuida de sua casa encontramos em Jó. “Decorrido o turno de seus banquetes, chamava Jó a seus filhos e os santificava; levantava-se de madrugada e oferecia holocaustos segundo o numero de todos eles, pois dizia: Talvez tenham pecado os meus filhos e blasfemado contra Deus em seu coração. Assim o fazia Jó continuamente” (Jó 1.5).
Veja a dinâmica de Jó para santificar seus filhos:
a. Era intencional – “Chamava Jó a seus filhos”.
b. Investia tempo – “Levantava-se de madrugada”
c. Investia dinheiro – “oferecia holocaustos segundo o número de todos eles”
d. Tratava a alma de cada um, individualmente – “segundo o número de todos eles”
e. Era perseverante – “Assim o fazia Jó, continuamente”.
D. O Evangelho se relaciona com famílias, pressupõe um ato missionário intencional e consciente em relação os filhos .
Desde o chamado de Abraaão, Deus reiteradamente está reforçando a ideia de que salvação não é para um individuo, mas para a família. Isto é chamado em teologia de “Pacto geracional”(Susan Hunt), Groniken fala da “família do pacto”. Uma doutrina bíblica esquecida e sublimada nos púlpitos evangélicos. O pacto Abrâmico afirma exatamente isto: “Abençoarei a ti a teus descendentes. Em ti serão benditos todas as famílias da terra”, e para demonstrar a seriedade deste pacto, exigia que o seu povo circuncidasse todo macho, ao oitavo dia. Um sinal simbólico, que deveria estar presente no órgão reprodutor dos homens, porque neste pacto, “os filhos pertencem a Deus”.
Parece que esta mesma ideia é também presente no Novo Testamento. Quando o carcereiro de Filipos faz a pergunta mais relevante que um ser humano pode fazer: “Que devo fazer para ser salvo?” Apesar de sua pergunta ser formulado no singular, Paulo e Silas respondem no plural: “Crê no Senhor Jesus e serás salvo, tu e tua casa”(At 16.31). Deus está fazendo promessas não apenas para os pais, mas para os filhos, Deus não quer apenas indivíduos, mas famílias. Este era o seu projeto em Abraão e continua sendo seu projeto para os lares.
“Voltar para casa” é uma ordem de Deus a todos àqueles que se desencontraram na vida, mas que foram impactados por Deus e transformados pelo seu poder.
Famílias ainda se constituem num enorme campo missionário. Lares precisam de Deus, porque na sua maioria ainda são controlados por forcas satânicas e espíritos de demônios.
“Vai para tua casa”, para abençoar, testemunhar, para que o testemunho do amor de Deus em sua vida, cause admiração e gere transformação em muitos que ainda se encontram oprimidos pelo diabo. Precisamos ir para casa.
“Vai para tua casa e para os teus e anuncia-lhes tudo o que o
Senhor te fez, e como teve compaixão de ti”.
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