segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Ef 2.19-22 Fotografias do povo de Deus

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Em todo este capítulo, Paulo demonstra o contraste entre a vida com Cristo e a vida sem Cristo. Em Ef 2.1-3, ele fala da nossa condição sem Jesus, vivendo sob o poder de três forças: O mundo (sistema); o diabo (forças espirituais); e a carne (desejos, inclinações e pensamentos). A conjunção adversativa “mas”, que surge no vs 4 muda todo quadro espiritual. Agora fomos perdoados, ressuscitados, perdoados. Em Ef 2.11-13 ele fala novamente da condição humana sem Deus: “outrora”, separados da comunidade de Israel, sem esperança, sem Deus no mundo, alijados das promessas de Deus. O vs 14, porém, afirma: “mas agora fostes aproximados pelo sangue”. A obra de Cristo mudou nossa realidade, identidade e status. Não mais separação entre judeus e gentios. Não mais distância entre o Deus santo e nós. A palavra chave aqui é reconciliação.

Nos próximos versículos (Ef 2.19-22) Paulo vai descrever qual é a realidade do povo de Deus. Três figuras são colocadas no texto, dando-nos uma descrição de quem é este povo, e que papel ele exerce diante de Deus e do mundo.

Três retratos:

1. Reino – “Não mais estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos” (Ef 2.19). Ele está falando da cidadania neste novo reino ao qual fomos chamados e fazemos parte.

A Bíblia fala de dois reinos espirituais: trevas e luz. a vida em Cristo implica numa ruptura com os compromissos deste reino das trevas e Jesus nos resgata deste domínio para nos trazer ao seu reino. “Ele nos libertou do império das trevas e nos trouxe para o reino do filho do seu amor” (Col 2.13). Jesus disse a Pilatos: “o meu reino não é deste mundo” (Jo 18.36,37). O apóstolo Pedro afirma que somos “uma nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus” (1 Pe 2.19).

É curiosa a afirmação deste texto quando diz: “Não mais estrangeiros e peregrinos”, o que nos dá a impressão de que podemos, eventualmente, até visitar e andar sob este domínio, mas não fazermos parte dele.

O que é um peregrino e um estrangeiro?

Peregrinos
Penso nesta figura como a de um turista. Ele não sabe muito daquele país, mas está ali como visitante. Ele não conhece sua cultura, modos, hábitos, educação. Ele não conhece as leis deste país nem seu funcionamento. Ele é um turista.
Quando minha esposa lecionava numa escola americana em Boston, sua chefe saiu de férias, comprou um pacote para Guiné-Bissau, e quando retornou lhe contou que tinha visitado este país, mas não sabia onde ficava geograficamente e pediu para que ela indicasse no mapa, onde ele se encontrava. Sara ficou assustada com a declaração daquela mulher, e imediatamente mostrou onde ficava. Ela era forasteira, turista. Nem sequer sabia geograficamente onde ficava este país, que língua falava. Fui direto para um resort e ali permaneceu durante uma semana e retornou. 

Estrangeiros

O estrangeiro é aquele que mora noutro país, por razões históricas, financeiras ou por trabalho. Ele possui o green card, mas na primeira dificuldade de enfrentarem, deixam aquele país e retornam às suas origens, porque não pertencem àquele povo. Podem até falar sua língua, mas não possui vínculos de coração, envolvimento e participação. 
Morei muito tempo fora do Brasil e foi uma experiência muito interessante. Tinha boas amizades, respeito, pagava meus impostos por trabalhar, mas depois de quase 9 anos decidi voltar apesar de estar vivendo num país de primeiro mundo. Eu tinha saudades da terra, do povo, da comida, da família, e não gostava de pensar em envelhecer naquele lugar, apesar de estar tudo arrumado. Tinha sempre um senso de inadequação e de que estava vivendo no fundo do quintal de outra pessoa. 
Tanto a figura de peregrinos como de estrangeiros nos levam a pensar em muitos frequentadores de igreja. Eles não são parte da comunidade, eles não se envolvem com ela, não falam sua língua e agenda, ainda que gostem de desfrutar do lugar, e na primeira crise, se afastam, porque não tem nenhum compromisso. Paulo afirma que éramos assim, forasteiros, turistas. Nosso reino não era o de Cristo, estávamos alheios aos pactos, leis e promessas.

Cidadãos do reino
Cidadania possui uma outra dimensão.
O cidadão possui vínculos afetivos com o povo, governo, a terra e a história daquele país.
Ele tem privilégios e responsabilidades.

Privilégios da cidadania

Uma das primeiras coisas é que ele possui a proteção do seu governo, ou de seu rei.
Em 2014 um terremoto de grandes proporções afetou o Tibet. Muitos brasileiros estavam por lá, e o governo brasileiro, preocupado com a situação dos brasileiros que ali residiam, disponibilizaram um avião da FAB para tirar os brasileiros de lá e trazê-los de volta, porque a situação do país era calamitosa. 

Outra benção é seu vínculo histórico com o povo
O cidadão faz parte integrante de todo movimento de uma nação. É comum você encontrar brasileiros nos EUA, que apesar de estarem vivendo anos naquele país como imigrantes, não deixam de assinar o canal de TV, o Globo, para ter acesso às notícias do país. O mesmo se dá com os americanos que moram aqui. Normalmente possuem CNN em casa para receberem notícias do que está acontecendo em “sua” nação. Eles possuem um relacionamento de identidade. 


Responsabilidades da cidadania 
Em contrapartida, cidadãos possuem deveres. Um deles é de se submeterem à lei deste país. Existem exigências que não podem ser desobedecidas. Lamentavelmente, quando há um governo tirânico, isto se torna muito dolorido. As pessoas sofrem muito, eventualmente por desobedecerem uma lei que é contra o bom senso e contra a humanidade. 
Os cidadãos também devem honra às autoridades e aos símbolos de um país. Não podem estabelecer sua própria lei e viverem de forma anárquica e irresponsável. 
Outro dever do cidadão é sustentar seu governo com impostos e taxas. Nem sempre isto é confortável, mas um país possui um senso de “comunidade”, na qual todos devem participar do processo e construção. Há necessidades de se construir escolas, providenciar saúde, segurança, estradas, infraestrutura, água, esgoto, eletricidade. O povo precisa sustentar isto. Isto é cidadania. 

2. Família – “Sois da família de Deus”. (Ef 2.19).
Não mais pessoas estranhas, mas vinculados consanguineamente, por uma instituição que nos protege, cuida, ajuda no crescimento. 
O apóstolo João registra este sentimento da seguinte forma: “Vede que grande amor nos tem concedido o Pai, a ponto de sermos chamados filhos de Deus” (1 Jo 3.1). Para ele, ser filho amado do Pai é a maior benção da vida. 

Família traz alguns privilégios:

Identidade – Este é o primeiro deles. Tenho nome de uma família, tenho relacionamento de amor. Temos colo, cuidado, nutrição. É dentro de uma família que nos desenvolvemos física, emocional e espiritualmente. Deus, quando quis se encarnar, escolheu uma família para si. 

Pertencimento – Sou parte de um clã. Tenho um grupo ao qual estou vinculado. Não sou órfão, mas filho. Mesmo quando coisas difíceis acontecem numa família eu sei que tenho vínculos que vão muito além da superficialidade. Quando um problema maior acontece, mesmo estando distantes, estamos juntos. 

Propriedade – Eu faço parte de uma família e tenho senso de que preciso cuidar dela. É como cuidar de si mesmo. Minha sogra agora está idosa, estamos tentando trazê-la para morar conosco porque sentimos que ela está frágil e precisa de cuidados. Esta é nossa tarefa e responsabilidade. Estamos cuidando de nós mesmos, é nosso sangue. Ela “nos pertence”, e devemos protegê-la. 

Quando vejo pessoas afirmando que creem em Cristo, mas não possuem comunhão com uma igreja local, visível, tangível e concreto, sei que algo de muito errado está acontecendo. Paulo afirma que “(em Cristo), todos fomos batizados em um corpo” (1 Co 12.13). Tornar-se cristão é fazer parte de um povo. O conceito de “believers, but not belongers”, (creio, mas não pertenço), é absolutamente estranho às Escrituras Sagradas. Paulo afirma que nem mesmo podemos participar da ceia de Cristo, pois quem come e bebe sem discernir o corpo, come e bebe juízo para si. Isto é sério. Eu não são capaz de perceber o outro, eu quero viver e cultivar minha fé separado de vínculos comunitários. Este tipo de fé, pode ter uma forma de espiritualidade, mas não de espiritualidade bíblica e cristã. 

Por esta razão a Bíblia fala tanto de “pacto geracional”, de “povo da aliança”. Os filhos eram trazidos para a circuncisão porque fazem parte de um pacto, estão vinculados a um povo. O conceito do batismo infantil nas igrejas reformadas tem a mesma ideia: os filhos pertencem ao povo de Deus. Membros da igreja local são os comungantes (que podem participar da ceia por já terem suas faculdades espirituais) e os não-comungantes, que embora sejam menores, já são contados entre o povo de Deus.

3. Edifício – “Edifício de Deus sois vós” (1 Co 3.9). 

Alguns princípios são estabelecidos quando pensamos em edifício. 

3.1. Ele precisa de base sólida e referencial – “Edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular” (Ef 3.20). Os antigos não possuem GPS, nem faziam um projeto para construir uma casa, mas tinham experiência suficiente para fazer um edifício seguro, que pudesse se manter firme durante os vendavais e chuvas. A partir da “pedra de esquina”, todas as demais pedras eram organizadas. Era uma pedra grande, sobre a qual as casas eram construídas. 

Paulo afirma: “Segundo a graça que me foi dada, lancei o fundamento como prudente construtor; e outro edifica sobre ele. Porém cada um veja como edifica. Porque ninguém pode lançar outro fundamento, além do que foi posto, o qual é Jesus Cristo” (1 Co 3.10,11).

Jesus é a base deste edifício.
Alguns anos atrás o Pr. Ricardo Barbosa foi convidado a participar da programação da celebração do congresso de Edinburgo, Escócia, que aconteceu em 1910 e foi um marco para as igrejas protestantes no mundo inteiro. Nas rodadas de discussão sobre os temas, agenda, programação, preletores, a ala liberal propôs que se fizesse um congresso no qual o nome de Jesus não aparecesse, porque a pessoa de Cristo distancia outros grupos religiosos, felizmente a ala evangelical prevaleceu e o congresso foi realizado com o nome de Cristo na chamada central.

Historicamente o nome de Cristo, a pedra fundamental, tem sido muitas vezes minimizado, esquecido, esvaziado e negado. Mas é bom lembrar, que só existe uma pedra angular, Jesus Cristo, fora deste alicerce o edifício não consegue se erguer.

3.2 Um edifício deve ser construído com muitos tijolos – “Edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular” (Ef 3.20). Este texto nos afirma que os apóstolos e profetas são o fundamento que se firma na rocha. Jesus primeiro, fundamento, base e referência, os apóstolos e profetas em seguida. A igreja precisa ser apostólica na sua fonte.

No Concílio de Cartago (395), a Igreja de Cristo se reuniu para tomar uma posição radical quanto às Escrituras Sagradas. Quais livros devem fazer parte do cânon? Quantos são? Que critérios devemos estabelecer para aceitar sua inspiração? As discussões certamente foram muito pesadas. Finalmente a Igreja tomou as seguintes posições.

Um livro para ser canônico precisava passar pelos seguintes crivos:
a. Deveria ter sido escrito pelos apóstolos ou seus discípulos imediatos;
b. Deveria ser aceito pelo senso comum. As comunidades já os aceitavam, sem reservas, que fossem inspirados;
c. Não poderia conter nem aberrações ou contradições. Isto porque, já eram inúmeros os textos que reivindicavam serem inspirados, alguns com graves distorções gnósticas ou montanistas. 

Depois de todas as discussões, aceitou-se 39 livros do AT, que já faziam parte do cânon hebraico, e os 27 livros do NT, como atualmente temos. 
O fato de termos um único livro orientando, cria a unidade e homogeneidade de pensamento, evitando distorções. Anos depois, na Reforma Protestante do Século XVI, muitas especulações já circulavam na igreja como sendo verdadeiras. Para discernir isto, os reformadores decidiram se ater às Escrituras, daí o conhecido princípio de Sola Scriptura, que até hoje tem sido adotadas pelas igrejas reformadas. Toda questão doutrinaria se estabelece na Bíblia, conferindo texto com texto, analisando-a na sua linguagem original, adotando o simples princípio de interpretação chamado de histórico gramatical. O que o texto afirma (observação); O que o texto quer dizer (interpretação) e qual a importância disto para nossa vida (aplicação). 

Por isto, antes de chegarmos até este ponto da história, muitas pessoas sustentaram a fé que uma vez foi dada. Primeiro os apóstolos, depois os apologetas, os pais do deserto, os reformadores, os movimentos missionários, chegando até os nossos dias. Como pedras vivas fomos inseridos neste edifício. “Também vós mesmos, como pedras que vem, sois edificados casa espiritual para serdes sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo” (1 Pe 2.5). 

E quanto à igreja do futuro?

Nós somos as pedras vivas sobre as quais, outras pedras serão superpostas. “O que ouvimos e aprendemos, o que nos contaram nossos pais, não encobriremos aos nossos filhos. Contaremos às vindouras gerações, os louvores do Senhor, o seu poder, e as maravilhas que fez” (Sl 78.1,2). A partir de nós, outras pessoas estão chegando, ouvindo nossa pregação, testemunho, estilo de vida e aprendendo a amar este Deus, sendo atraídos pela forma como nos colocamos à disposição da obra de Deus. 

Portanto, estamos ainda no meio desta edificação.

Os que aqui estiveram antes de nós. Pastores e lideres fieis, igreja fiel, pessoas que sustentaram a igreja com suas vidas e seus recursos, a agora inseridos neste edifício nos tornamos a base de outras pedras vivas que continuam sendo erguidas sobre nós.









Que Deus nos ajude nesta honrosa missão.

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