terça-feira, 9 de agosto de 2016

Ef 3.1 Paulo, prisioneiro de Cristo


Este texto possui uma estranha afirmação: “Paulo, prisioneiro de Cristo”. Ele se declara prisioneiro de Cristo. Não deveria ser de Roma ou dos judeus?
Quando estudamos a história de Paulo em Atos, vemos como o drama se desenrolou. Ele foi tirado do templo (At 21.30) acusado de sacrilégio, porque supostamente teria introduzido Trófimo, o efésio, no templo. Pecado mortal, qualquer gentio que fizesse isto seria morto. Paulo é arrastado para fora do templo e é salvo do linchamento porque o comandante romano chegou ao local e dispersou a balburdia.
Levado para a cadeia, Paulo ainda continua sob ameaça. Os romanos querem açoitá-lo, mas Paulo reivindica sua cidadania romana e é poupado. Sabedores de que os judeus queriam fazer um motim e assassiná-lo Cláudio Lisias o envia para Cesaréia, para ser julgado pelo governador Félix, e fora do ambiente fundamentalista dos judeus em Jerusalém. O processo tanto se arrastou que se passaram dois anos e Félix foi substituído por Pórcio Festo (At 24.27) e assim que assumiu o posto, uma comitiva veio de Jerusalém para pedir a morte de Paulo. Festo aproveita a visita do rei Agripa e Berenice para ouvi-lo e ajuda-lo na questão, não tendo assim que assumir o ônus de julgar sozinho um um cidadão romano. Quando Paulo percebe a manobra e a dificuldade da justiça tomar uma decisão, apela para César, e desta forma torna-se por lei obrigado a ser enviado ao tribunal superior de Roma.
Ao chegar em roma, Paulo é colocado numa cadeia.
Quais os motivos?
Inveja dos judeus e manobra populesca dos romanos que não queriam correr o risco de perder a popularidade entre um povo cuja história era, por natureza rebelde.
Se foram os romanos quem o prenderam, por que então, Paulo afirma ser prisioneiro de Cristo?
Isto se deu porque ele vê a vida na perspectiva de Jesus. Ele não vê a vida como resultado fortuito de ações humanas, religiosas ou políticas, mas vê a vida na perspectiva de Deus. Isto reorienta toda a sua história.

O que nos orienta? O que nos controla?
Todos somos dirigidos por algo externo a nós, embora digamos orgulhosamente o contrário. Varias são as forças que nos orientam.

Medo – Podemos viver uma vida orientada pelos medos. Medo de rejeição, de ficar velho, de adoecer, de falência, de ficar pobre (muitos vão dizer que não temem isto porque já são pobres...). estas forças podem ser tão fortes que passam a nos controlar.

Culpa – Um sem número de pessoas é controlado por culpa. Real ou imaginária. Por coisas que fizeram ou que acharam que fizeram, ou deixaram de fazer.  Movidos pela culpa, vivem um processo de auto destruição, amargura, dor física e mental. Prisioneiros de uma consciência adoecida, não perdoada.

Ansiedade – Outros são controlados por preocupações quanto ao futuro. Ou pré-ocupações. Isto literalmente significa preocupar-se antecipadamente com algo que possa acontecer.
Certa mulher de 90 anos andava muito preocupada quanto ao seu futuro financeiro, até que seu filho resolveu demonstrar que se ela continuasse mantendo suas despesas nas mesmas condições, poderia viver despreocupadamente mais 15 anos. Aí veio a surpresa. Ela disse ao filho: “Isto mesmo. Eu estou preocupada é com o que virá depois disto...

Circunstâncias – Muitos ainda dependem de situações favoráveis. Vivem à mercê dos eventos. Fatos que fogem ao controle, e que desestabilizam profundamente. Elas precisam ter o controle constante das coisas e das pessoas ao seu redor, qualquer instabilidade as levam a murmurar e a perder a paz. O problema, porém, é que ninguém pode controlar o vento, o clima, a variação da bolsa e do dólar, a bolsa de emprego, a doença, o acidente, a dor e o luto.

Pessoas – Alguns dependem da aprovação dos outros. Se recebem críticas, o seu mundo interior desmorona. Qualquer frustração pode ser devastadora, porque precisam constantemente de serem apreciadas, admiradas. Precisam de popularidade. Jesus percebeu isto no coração das pessoas que amavam mais a aprovação dos homens que de Deus.

Quem controla a sua vida?
Paulo afirma que Jesus estava no controle. Tudo estava sob o controle dele, e não das pessoas. O que podemos dizer sobre nós mesmos?

Esta visão espiritual altera profundamente o nosso estilo de vida:

A.    Muda completamente nosso humor

Ter a perspectiva de Deus detrás dos eventos muda radicalmente a forma de enxergar a vida. Não somos pessoas que vivem acidentalmente o dia a dia, mas estamos nas mãos de um Deus sábio, amoroso, soberano. Isto muda interiormente os movimentos de alegria ou tristeza. É fácil se entristecer quando não vemos qualquer propósito ou sentido na vida e a realidade é dura.

B.    Muda radicalmente a forma de interpretar a vida

Perceber Deus por detrás da história significa dizer que estou neste lugar, fazendo o que estou fazendo, porque Deus quis que assim acontecesse. Mesmo os acontecimentos ruins, não se tornam catastróficos, apesar de muitas vezes desanimadores e desencorajadores.  
O primeiro axioma da missiologia é que o próprio Deus inicia a obra missionária. O Deus da Bíblia é um Deus missionário, por isto mandou seu filho realizar seu projeto missionário entre nós. O segundo axioma é igualmente importante: Deus antecede o missionário no campo. Em outras palavras, quando alguém se sente chamado para uma obra, é porque Deus já estava lá antes dele. O amor e a compaixão de Deus pelas ovelhas perdidas é que move o nosso coração para a obra, e como servos, somos impulsionados a obedecer  e realizar o seu projeto, como afirmou Agostinho: “Quando Deus se agita, o homem se levanta.
Deus se antecipa a nós. Nada acontece por acaso. Tudo que acontece é plano dele. Nenhum pardal morre sem ordem de Deus, e não cai nenhum fio de nossa cabeça sem que isto passe pelo crivo de sua soberania (para desespero daqueles que estão ficando carecas).

C.    Ajuda a manter o olhar e a perspectiva correta

Recentemente conversei com um jovem que perdera o emprego. Um acontecimento destes em uma situação normal já é ruim, mas em épocas de crise se torna um problema ainda mais agudo. Fiquei feliz em ouvi-lo dizer que, apesar da situação, ele sabia que tudo estava nas mãos de Deus, e que estava confiante. Elogiei sua fé e testemunho de firmeza em Cristo. Reforcei nele a necessidade de manter a perspectiva, considerando que não estamos nas mãos das circunstâncias nem do acaso. Mas antes que eu ficasse animado demais com a firmeza de sua fé, ele me respondeu: “É... hoje estou bem seguro, mas amanhã não sei...”

Paulo não era prisioneiro de Roma, nem dos judeus, ele era servo de Cristo, a serviço de Cristo, pela vontade de Cristo, anunciando Cristo. Sua perspectiva trouxe alguns resultados positivos para sua vida.
Ele sabia que a história segue um propósito divino, ou, como bem afirmou M. L . Jones: A história está sob controle divino, segue um plano divino, um horário divino e está ligada ao reino divino. Por isto, “precisamos julgar todo acontecimento à luz do Eterno e do glorioso propósito de Deus” (Do temor à fé).

D.    Livra-nos da uma vida de amargura.

Quando perdemos a perspectiva de Deus, e as coisas saem do controle o resultado é raiva e ressentimento contra o Eterno. Outros efeitos colaterais também são percebidos como raiva da vida, vitimismo e amargura. Alguns vão além: blasfemam e acusam Deus de “não ser justo”, querem saber porque as coisas acontecem “apenas” com eles, ignorando que muitos outros sofrem ao redor do mundo. Sem perspectiva da soberania uma existência marcada pela ira passa a nos dominar. Não foi isto que aconteceu com Jonas? Quando as coisas saíram do seu domínio ele se tornou irritadiço e raivoso. Por isto, por duas vezes, Deus lhe pergunta: “É razoável esta tua ira?” (Jn 4.4,11). Na segunda vez ele diz: “’É razoável minha ira até a morte!” Em outras palavras. Ele se achava no pleno direito de dizer que tinha razão, até quando Deus queria lhe mostrar o contrário.
Paulo poderia ter agido assim. Afinal, ele estava no pleno exercício de seu abençoado ministério, tantas pessoas estavam sendo alcançadas com a pregação, então, porque Deus permitiu que homens que conspiravam contra o Evangelho, tivessem aparentemente o controle sobre sua vida e o levassem para ser esquecido nos gelados porões de uma cadeia?

E.    Nos capacita a sempre dar graças a Deus

As dificuldades da vida ou nos tornam rebeldes ou nos amadurecem. Se o coração se tornar amargurado, o resultado será rebelião e murmuração, se o coração aprofundar na compreensão de Deus, o resultado será gratidão. Foi ainda na prisão que Paulo escreveu a carta aos Filipenses, na qual ele afirma constantemente: “Alegrai-vos sempre no Senhor”. Muitos se tornaram santos em época de martírio e tribulação, outros se transformaram em céticos e cínicos.
É bom lembrar que não damos graças a Deus pelas coisas tristes, nem pela dor em si mesmo. Não somos do tipo que diz: “Aleluia, estou com câncer!”, mas, apesar de não entendermos nem estarmos felizes com a situação de perda, somos ainda assim, capazes de dizer a Deus: “Senhor, eu não entendo nada do que está acontecendo, e as coisas estão realmente difíceis, mas eu sei que o Senhor me ama, e controla todas as coisas, e por isto, quero te glorificar”.
Posso viver uma vida de dependência e de adoração, mesmo diante de fatos contrários, porque não estou nas mãos do acaso. Não preciso ter uma vida de hostilidade e raiva contra Deus.

F.    Nos capacita a sermos produtivos nas crises

Se temos a perspectiva correta, de que Deus tem o controle de toda situação, ao passarmos por crises, não nos afundamos na depressão nem diminuímos o potencial de criatividade. Não é isto que nos ensina a Palavra de Deus:

“Bem aventurado é o homem cuja força está em ti,
em cujo coração se encontram os caminhos aplanados,
o qual, passando pelo vale árido, faz dele um manancial.
De bençãos o cobre a primeira chuva.
Vão indo de força em força, cada um deles aparece diante de Deus em Sião”
(Sl 84.5-7)

Homens de Deus transformam ambientes hostis em jardins. Quando passam pelo vale árido, são capazes de provocar impacto. O lugar árido se torna um manancial e as bênçãos os seguem, e caminham assim, de força e força para se apresentar diante de Deus.
Paulo tornou-se mais e mais efetivo apesar de toda oposição. Algemado, aproveitou a oportunidade para testemunhar de Jesus aos soldados que faziam a ronda, e isto foi tão eficaz que alguns jovens que eram da casa de César, o Imperador, rapazes da guarda pretoriana, que haviam sido criados em ambientes palacianos se converteram por causa de seu testemunho (Fp 4.22). Além disto, ele aproveitou este tempo para escrever cartas, e estes textos bíblicos que orientam a doutrina da igreja cristã hoje em dia, foram produzidos quando ele esteve preso. É isto que chamamos de “reação em cadeia!” Isto significa discernir Deus em lugares inesperados. A oposição se transforma em oportunidade.
Paulo sabia que Deus nunca era pego de surpreso, e que os céus nunca se surpreendiam.

Conclusão: O que faz diferença?
 A palavra que parece definir isto é perspectiva.
Colocar os olhos no lugar certo e na pessoa certa mudam a forma de perceber os eventos ordinários ou incomuns da vida.

Paulo via Deus em todos os momentos da vida. Ele pertencia a Deus. Ele era filho amado de Deus. Ele era servo de Cristo. Os homens nem as situações tinham o controle de sua vida, porque ele era de Cristo. Era prisioneiro de Cristo. Isto o fazia pairar acima das adversidades.

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