Introdução:
A história de Jonas é
apaixonante. Dentre todas as razoes possíveis para se entender o que aconteceu,
encontra-se o fato de que Jonas é pedagógico, paradigmático.
Jonas representa uma nação. O
povo judeu que se perdeu no seu chamado e não conseguia olhar além dos seus
limites políticos e de sua geografia, apesar do chamado para abençoar “todas as
famílias da terra”, o povo judeu se fechou na sua xenofobia e etnocentrismo,
perdendo a perspectiva maior de anunciar um Deus para todas as nações.
Jonas representa os missionários
no campo. Confusos em relação ao chamado, em relação ao Deus que eles anunciam,
em relação ao propósito de Deus para suas vidas.
Jonas representa a igreja, que
não entende quem Deus é, que não consegue entender a forma como Deus age e se
revolta quando Deus é misericordioso e bom, e ainda se preocupa com gente
quebrada, violenta e perdida.
Jonas representa milhões de
pastores, bem sucedidos quanto ao seu ministério, mas mal resolvidos quanto ao
seu coração. Que não consegue se aproximar da mente de Deus e de seus
propósitos, e insiste em defender sua espiritualidade a partir do que acha, e
não a partir de quem Deus é. Jonas é o sucesso do fracasso.
Jonas é apaixonante, antes de tudo,
porque todos nos vemos nele. Na sua forma passional, ambígua, contraditória.
Apesar de sermos amados por Deus, estamos em crise ele. Somos pessoas em crise
com o Deus em quem anunciamos crer.
O que levou jonas a afastar o seu
coração de Deus?
Por que seu coração não
acompanhou sua missão?
1. Divergência – O coração não estava atrelado ao
coração de Deus.
O problema de Jonas não era ser
profeta, mas ser profeta em Nínive. Jonas exerceu fielmente seu ministério nos
dias de Jeroboão II, que foi o 13º rei de Israel,
sucedendo a seu pai, o rei Joás
e que reinou durante 41 anos sobre Israel. Em seu reinado o profeta exerceu seu
ministério trazendo uma mensagem de restituição dos territórios de Israel
anteriormente perdidos.
“No décimo quinto ano de Amazias, filho de Joás, rei de Judá, começou a
reinar em Samaria, Jeroboão, filho de Jeoás, rei de Israel, e reinou quarenta e
um anos. E fez o que era mau aos olhos do Senhor; nunca se apartou de nenhum
dos pecados de Jeroboão, filho de Nebate, com que fez pecar a Israel. Também
este restituiu os termos de Israel, desde a entrada de Hamate, até ao mar da
planície; conforme a palavra do Senhor Deus de Israel, a qual falara pelo
ministério de seu servo Jonas, filho do profeta Amitai, o qual era de
Gate-Hefer”. (2 Rs 14.23-25).
Jonas divergia quanto ao seu
olhar missionário. Deus via de uma forma e ele via de outra. O mesmo cenário se
repetiria com o apóstolo Pedro, a quem Deus trata de forma contundente para
entender que ele podia considerar puro aquilo que Deus já havia purificado, mas
sua teologia e formação pessoal não permitia ver aquilo que Deus estava
tentando comunicar.
Jonas é assim. Deus está olhando
numa direção e ele olha para outra. O problema de jonas não era ser profeta,
mas profetizar para uma cidade perversa, gentílica e violenta quanto era
Nínive.
Ele era profeta, mas seu coração
não estava alinhado ao coração de Deus.
2. Escapismo – O coração anseia por outro lugar
e não o lugar de Deus.
O coração de Jonas segue uma
geografia diferente da geografia divina. Basta olhar para o mapa que ficaremos
impressionados com sua atitude. Nínive fica na Babilônia, ele vai para a
Europa. Nínive podia ser uma caminhada a pé, ou parcialmente de navio, mas ele
decide pegar um navio e se dirigir para Társis.
Ora, esta cidade para onde ele
vai fica no Sul da Espanha. Portanto, ele vai para a Europa. Társis era
conhecida por sua belas praias. Jonas segue atrás do seu Shangri-lá, este lugar
que não existe mas para onde todos desejamos ir. Jonas quer fugir de conflitos,
sua missão era perigosa, e ele não sabia o que Deus poderia fazer com ele, nem
qual seria a reação dos ninivitas, e mesmo que a reação deles fosse positiva,
como foi, com quebrantamento e arrependimento, ele não estava interessado na
conversão daquele povo. Ele preferia que eles fossem exterminados e destruídos
por tanta maldade que praticavam.
Jonas se evade. Foge do conflito.
Você nunca pensou em fazer isto?
Elias fez exatamente isto. Logo
depois da grande vitória contra os profetas de Baal, assustado com as ameaças
de Jezabel, ele sai do reino do Norte, atravessa praticamente todo reino do
sul, cerca de 300 kms, e vai para Berseba, que já era a saída para o deserto e
caminho de fuga para o Egito. Jonas abandona o seu campo. Ele larga o
ministério. Ele foge. Ele quer morrer.
Evasão da missão é uma grande tentação.
Jonas decide ir para Társis em
busca deste lugar sem conflito, sem ameaças. Este lugar que ocupa o nosso
imaginário mas não existe.
3. Indiferença – “O que os olhos não vê, coração
não sente”
O terceiro fator que revela que o
coração de Jonas não acompanhou a missão que ele faz, é que para ele, pouco
importa a vida das pessoas. A bem da verdade, ele desejaria a morte que a
redenção. Aliás, este foi o ponto forte de controvérsia entre Deus e ele. Sua
raiva interior se opõe ao comportamento amoroso de Deus. Ele não gosta de um
Deus bom, compassivo, perdoador. Se Deus ao menos fosse mais zangado...
O coração do obreiro não
acompanha a missão quando ele se torna indiferente. Já se sentiu assim?
Quando estava pastoreando uma
comunidade brasileira em Boston (EUA), eu estava tão desanimado com o trabalho,
num determinado momento de minha vida, que eu sabia o que devia fazer, e como
deveria fazer, mas eu não queria fazer. Talvez eu não tivesse forças para fazer
ou empolgação para fazer. Naquele momento eu entendi que não podia ficar mais ali,
porque dali para a frente, eu poderia ser um obstáculo ao crescimento da igreja
e avanço da obra na região, e apesar de estar numa posição financeira muito
boa, era a hora de entender o que Deus queria fazer de minha vida em outro
lugar.
Muitos ministérios são conduzidos
na base da apatia ministerial. Não culpo meus colegas porque já me vi nesta
situação algumas vezes. O problema da indiferença é que ela nos leva a perder a
empolgação na obra do Senhor. Ai passamos a fazer as coisas no automático, sem
sonhos, sem mesmo crer que Deus pode fazer algo relevante em nossa vida, pela
sua maravilhosa graça. Perdemos o brilho nos olhos, deixamos de ter “sangue nos
olhos”.
O coração só segue a missão
quando há entusiasmo.
4. Negligência – Falta de cuidado
espiritual
Esta é a quarta coisa que
observamos na vida de Jonas. Ele não sabia, não conseguia ou não queria orar:
§ Jonas não ora para viajar para
Társis – Seria que adiantaria? Ele estava fugindo de Deus.
§ Jonas não ora na tempestade – Ele
está desautorizado.
§ Jonas não ora quando todos oram –
Aqui temos uma situação inusitada. Os pagãos oram, mas o profeta não oram.
Gente que não conhece o Deus verdadeiro clama, mas quem conhece a Deus não se
importa. Temos aqui pagãos com o coração mais inclinado para Deus que o profeta
Jonas.
§ Jonas vê a oração como último
recurso. Ele só ora quando todos seus esforços pessoais não funcionam mais.
Oração é descartada da vida deste profeta.
Quando o coração não segue a
missão, não conseguimos orar...
5. Displicência – Dificuldade para pregar o que
Deus ordena pregar.
Uma pergunta hermenêutica que
surge no texto é a seguinte: Jonas pregou o que Deus lhe mandou pregar?
Deus lhe disse: “Dispõe-te, vai à grande cidade de Nínive e
clama contra ela, porque a sua malícia subiu até mim” (Jn 1.2). Qual foi a
mensagem que Jonas pregou? “Ainda
quarenta dias e Nínive será subvertida” (Jn 3.4). Seria esta a mensagem que
Deus deu a Jonas para pregar? Alguns acham que sim, que a mensagem era de
juízo, mas textualmente não podemos afirmar com segurança que sim.
A mensagem de juízo de Jonas tem
uma sentença e um prazo. Deus mandou Jonas falar assim?
Este tema possui uma grande
relevância em nossos dias.
O que estamos pregando e o que
Deus nos mandou pregar?
David Nicholas, conhecido pastor
no Sul da Flórida, fez uma pesquisa independente para saber o que estava sendo
pregado nas igrejas da região e o que ele descobriu é alarmante. As igrejas
pregavam palestras motivacionais, legalismo, comportamento, auto ajuda,
teologia da prosperidade, mas ninguém estava anunciando o evangelho. 80% dos
pregadores não explicava o plano da salvação, não falava do evangelho, não
anunciava Cristo, não se referia à questão da graça, não anunciava a cruz nem o
sangue de Cristo. Os pastores estavam “perdendo o evangelho”, dentro de suas
igrejas.
Precisamos voltar ao evangelho.
Precisamos repensar a doutrina da
graça, da justificação pela fé, da obra expiatória de Cristo, de arrependimento
e de conversão. As pessoas precisam ouvir o plano maravilhoso de Deus que foi
realizado em Cristo, a deixaram de crer na salvação pelas obras ou pela justiça
própria, e a colocarem sua confiança apenas em Cristo para sua salvação.
6. Resistência - Falta de entusiasmo com a salvação dos
pecadores.
Jonas é o pregador mais bem
sucedido da história. Você já ouviu falar de um pregador que, em quarenta dias
de anúncio de uma mensagem a um mundo totalmente paganizado, pudesse causar um
impacto tão grande na vida das pessoas, atingindo até mesmo os palácios, como
foi Jonas?
O grande problema de Jonas não
foi o seu sucesso, foi o seu coração.
Seu coração não acompanhava sua
missão.
Sempre me impressiono com a
descrição bíblica sobre Barnabé, ao ver o que Deus estava fazendo em Antioquia.
“Tendo ele chegado e, vendo a graça de
Deus, alegrou-se e exortava a todos a que, com firmeza de coração,
permanecessem no Senhor” (At 11.20). Barnabé estava entusiasmado em ver a
obra maravilhosa do Espírito Santo na vida das pessoas. Jonas estava zangado
com Deus por causa da conversão dos pecadores.
São atitudes muito diferentes.
O grande problema do povo de Deus
ainda hoje é que temos pouco entusiasmo na pregação, pouco alegria no
crescimento da igreja, nenhuma sensibilidade para com a obra missionária, pouco
investimento na evangelização e discipulado. A vida espiritual das pessoas realmente
não nos importa muito.
O coração de Jonas não acompanha
a missão...
7. Irritabilidade – O coração
controlado pela raiva.
O coração não acompanha a missão
quando ele está dominado pela raiva. Esta raiva pode ser sutil e se ocultar
bem: raiva contra a vida, pouca gratidão pelas coisas que temos, raiva e
hostilidade contra Deus. Podemos ser controlados e dominados por uma raiva,
insatisfação e descontentamento primal que domina todo nosso ser.
Deus se dirige a Jonas para
conversar sobre este assunto por duas vezes:
ü “E disse o Senhor: é razoável esta tua ira?” (Jn 4.4)
ü “Então perguntou Deus a Jonas: É razoável esta tua ira?” (Jn 4.9)
Alguém já afirmou que “ira é um pecado de superfície”,
portanto, ela é apenas o termômetro que revela que algo não vai bem no coração.
Como um submarino que ao ser atingido por um torpedo, deixa surgir as marcas de
óleo na superfície do mar.
Nosso coração não acompanha a
missão quando ele é dominado pela ira. Uma raiva inconsciente, não resolvida,
amargura contra Deus.
Jonas é dominado pela ira. Ele se
irava com Deus mas não conseguia se arrepender pelo estado de seu próprio
coração.
Jonas é um missionário em crise
com o Deus das missões.
8. Endurecimento – Incapacidade de
arrependimento.
Podemos dizer que este é o maior
de todos os pecados perceptíveis na vida de Jonas. O livro de Jonas termina de
forma abrupta, e não sabemos o que aconteceu posteriormente com seu coração.
Jonas se deixou tratar?
Jonas percebeu as armadilhas de
seu coração?
Jonas se arrependeu
verdadeiramente?
A verdade é que, cem anos depois,
Deus levanta o profeta Naum para novamente clamar contra a mesma cidade. O
quebrantamento gerado pela mensagem de Jonas, não gerou uma transformação
social permanente. Sua mensagem não teve impacto sobre as próximas gerações.
Jonas não aproveitou a visitação de Deus para implementar um programa que
trouxesse mudanças politicas e sociais permanentes e duradouras.
Jonas mudou?
Seu coração foi transformado?
A Bíblia fala do resultado da
falta de transformação e arrependimento na vida de Esaú.
“Cuidem que ninguém se exclua da graça de Deus. Que nenhuma raiz de
amargura brote e cause perturbação, contaminando a muitos. Não haja nenhum
imoral ou profano, como Esaú, que por uma única refeição vendeu os seus
direitos de herança como filho mais velho. Como vocês sabem, posteriormente,
quando quis herdar a bênção, foi rejeitado; e não teve como alterar a sua
decisão, embora buscasse a bênção com lágrimas”. (Hb 12.15-17).
Este texto é assustador, porque
Esaú, por ser profano e impuro, não conseguiu experimentar mudança em seu
coração por causa de sua dureza. Posteriormente ele até buscou, mas seu coração
estava empedernido demais para experimentar um verdadeiramente arrependimento.
Não é isto que nos diz a Bíblia: “O homem
que muitas vezes repreendido, endurece a sua cerviz, cairá de repente, sem que
haja cura”(Pv 29.1).
O texto não demonstra uma volta
de Jonas ao quebrantamento e uma nova compreensão de seu endurecimento.
Seu coração não acompanhou a
missão...
Conclusão
O grande chamado de Deus para
nossa vida tem a ver com o coração. “Filho
meu, dá-me o teu coração” (Pv 23.23). Deus não pede que façamos algo para
ele, mas que sejamos alguém para ele. Fazer deve ser resultado do ser.
A missão deve ser resultado do
coração.
Na lista das descrições que Deus
faz das qualificações para o presbiterato em 1 Tm 3, temos 23 descrições sobre
o SER, e apenas duas sobre o FAZER. Em outras palavras, o ser precede a ação. Não
importa o quanto façamos, se o coração não vier, isto não fará diferença para Deus.
Ele não está interessado em
pessoas competentes, performáticas, impressionantes, mas está interessado em
corações compungidos e contritos. A estes Deus não desprezará.
Por isto, antes de fazer,
precisamos ser.
Por isto, o coração deve ser a
mola propulsora da missão.