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paz
Introdução:
O livro “O Contrato Social”, publicado em 1762, é um clássico da literatura mundial. Jean Jacques Rousseau, filósofo e teórico político influenciador dos ideais iluministas, afirma: “O homem é um ser livre, mas por toda parte encontra-se acorrentado”. Para Rousseau, o homem não tem direito de escolher, porque a sociedade dirige seus negócios e suas relações pessoais, e ao acordar o homem já levanta com várias obrigações. Pelas imposições sociais, o homem tem cerceado sua liberdade, e encontra-se preso pelas regras impostas pela própria sociedade. A grande liberdade seria encontrada quando o homem pudesse viver o “estado de natureza”, onde há igualdade.
Rick Warren faz uma pergunta intrigante: O que dirige sua vida? Ele afirma que todo e qualquer individuo tem sua vida dirigida por algo. Pode ser um problema, uma pressão, uma memória dolorosa, uma crença inconsciente. O ser humano pode ser dirigido por culpa, pelo ódio e raiva, pelo medo, pelo materialismo e dinheiro ou pela necessidade de aprovação.
A verdade é que existem forças inconscientes ou conscientes que controlam as nossas vidas.
Este texto nos revela exatamente isto.
É o dia do aniversário de Herodes, não é mais aquele das matanças dos inocentes, que era Herodes o Grande. Este era Herodes Antipas, que governava nos dias do julgamento de Cristo. Como todo homem poderoso e vaidoso, ele fez uma festa glamorosa para celebrar seu aniversário. Os homens mais importantes na hierarquia judaica, assim como os líderes romanos, participavam deste evento. A filha de Herodias, fez uma apresentação de gala numa dança, e ele empolgado e alterado pelo vinho, disse que ela poderia pedir o que quisesse e ele lhe daria. A adolescente, indaga a mãe, que cheia de rancor contra João Batista, pede que lhe traga numa bandeja, a cabeça do profeta.
Neste texto, vemos como três poderosas forças dirigirão a vida das pessoas presentes naquela festa de aniversário.
Primeiro, a força da culpa
Os primeiros versículos deste texto revelam isto.
“Por aquele tempo, ouviu o tetrarca Herodes a fama de Jesus e disse aos que o serviam: Este é João Batista; ele ressuscitou dos mortos, e, por isso, nele operam forças miraculosas. Porque Herodes, havendo prendido e atado a João, o metera no cárcere, por causa de Herodias, mulher de Filipe, seu irmão; pois João lhe dizia: Não te é lícito possuí-la.” (Mt 14.1-4)
Herodes vivia com um fantasma na mente.
Quando ouviu falar que havia um profeta na região, e que nele operavam forças miraculosas, amedrontado disse: “É João Batista. Ele ressuscitou dos mortos e nele operam forças miraculosas”. Como Herodes chegou a esta precipitada e equivocada leitura? Seu temor e culpa. Herodes estava assombrado.
Depois da morte de João Batista, Herodes vivia debaixo de um fantasma, e não era para menos. O que ele fez excedeu todos os limites de crueldade. No dia do seu aniversário executar João Batista para satisfazer sua insaciável e frívola mulher?
Um dos maiores tormentos do ser humano é viver dominado pela culpa.
No famoso livro de Gabriel Garcia Marques, Cem anos de solidão, o personagem
José Arcadio Buendia, depois de uma briga com Prudêncio Aguilar, numa rinha, o mata com uma lança. Um dia, a mulher saiu para beber água no quintal, e viu Prudêncio junto à tina, estava lívido, com uma expressão triste, tentando tapar com uma atadura de esparto, o buraco da garganta. Voltou ao quarto, contou ao esposo o que tinha visto, mas ele não ligou e respondeu: “Os mortos não saem, o que acontece é que não aguentamos com o peso da consciência” (Pg. 21).
Pessoas marcadas pela culpa, estão condenadas a viverem sob tormento. Muitos anos atrás conversei com um homem que havia assassinado alguém. Ele me disse: “todos os dias, quando eu sirvo o meu prato de comida, a primeira coisa que vejo é o rosto daquele homem”. A Bíblia diz: “O homem carregado do sangue de outrem fugirá até à cova; ninguém o detenha” (Pv 28.17).
Viver fugindo de seus próprios fantasmas é angustiante. Para resolver o problema da culpa, precisamos admitir que erramos, mas precisamos também do perdão de Deus. “O Sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado...Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar o pecado e nos purificar de toda injustiça”. (1 Jo 1.7,9).
O sangue de Jesus nos purifica, nos lava, nos torna limpos. Podemos ser perdoados pelo seu sacrifício. Esta é uma noticia maravilhosa. Não precisamos ser condenados a pecados cometidos. Podemos ser absolvidos. Venha para Cristo.
Segundo,
a força do ódio
Herodias é uma mulher dominada pelo ódio e desejo de vingança.
Ela era irmã de Herodes Agripa I, rei da Judeia. Casou-se com Herodes Filipe, com quem teve uma filha, e o deixou para casar-se com Herodes Antipas, que se divorciou de sua primeira esposa, Fasélia. A união se tornou um escândalo palaciano. Na festa do aniversário de Herodes Antipas, Salomé fez uma apresentação que o entusiasmou e ele prometeu dar-lhe o que ela quisesse. Salomé deveria ser uma adolescente, certamente tinha muitos sonhos, mas ao consultar a mãe, lhe foi sugerido que pedisse a cabeça de João Baptista num prato. A contragosto, Herodes Antipas atendeu ao pedido.
A história relata que, mais tarde, seu marido foi exilado por ter sido acusado de conspiração contra o Imperador Calígula. Herodias tinha a possibilidade de não ser exilada, mas preferiu acompanhar seu marido e morreram isolados numa região remota no sul da França.
João Batista fez a denúncia pública da atitude do rei, na porta do palácio denunciava que o rei estava ferindo a lei de Deus. João Batista foi preso e Herodias o odiava. Seu ódio obsessivo desejava a morte do profeta. Por isto não teve escrúpulo algum em pedir sua cabeça num dia de festa.
Ela estragou a festa do seu marido. Mas o ódio era maior. Não poderia perder uma oportunidade daquela.
Ela estragou o coração de sua filha: O que uma filha adolescente pode ter sentido ao atender ao pedido tão bizarro desta mãe doente? Que marcas isto teria trazido para esta jovem? Quantos desastres trazemos para dentro de nossa casa, por causa da atitude de ódio e mágoa.
Pessoas dominadas pelo ódio, se retroalimentam do rancor, da ira, da raiva.
Isto penetra suas veias, domina suas mentes, impacta a família, atinge gerações. Cai criando raízes, atingindo as pessoas ao redor, deixando marcas horríveis e cheiro de morte. O ódio é destrutivo, rancoroso, fétido, amargo e cruel.
Acima de tudo, o ódio é mau conselheiro. Ele animaliza, torna o homem estúpido, o distancia do bom senso. Se você estiver controlado pelo ódio, certamente se tornará obsessivo e vingativo. Dominado por esta estranha força. Nada mais importa a não ser saciar sua gana e raiva.
Rubem Alves afirma: “O ódio não suporta a ideia de ver o outro voando livre, para longe... o ódio segura, para que o outro não seja feliz. O ódio gruda mais que o amor, porque o amor deixa o outro voar... R. Alves, Amor, ed. Papirus, Campinas, ano 2000, pg. 19
O Rabino Nilton Konder diz que “Nada atormenta mais o ser humano do que seus ódios” (Rabino Nilton Konder, em Tirando os Sapatos, pg 132
Não deixe sua vida ser dominada pelo ódio. Ele é mau conselheiro.
Terceiro, a força do desejo de popularidade e aceitação.
Que pedido estranho, incomum, bizarro. Por que Herodes o atendeu? Ele mesmo não concordava com isto. Por que o fez?
Herodes, assim como homens públicos em geral, se tornam vítimas de sua projeção pública. Começam a viver para satisfazer a opinião dos outros. Vivem dependendo da aceitação e aplauso dos homens.
O pedido era visivelmente doentio. Herodes não queria fazer isto. Ele deveria estar bêbado, mas ainda lúcido suficientemente para saber que o que fazia estava fora da linha do bom senso. “Entristeceu-se o rei, mas, por causa do juramento e dos que estavam com ele à mesa, determinou que lha dessem” (Mt 14.9).
Sua popularidade estava em baixa. Por causa deste relacionamento truncado havia caído em desgraça. Afinal, ele havia tomado a mulher de seu meio irmão Filipe, a população religiosa de Jerusalém não havia aceitado sua atitude. Isto quebrava os padrões morais sociais, até mesmo de quem não era religioso. Seria, na verdade, um escândalo até nos dias de hoje, mesmo numa moral tão frouxa quanto à nossa.
Herodes queria melhorar sua popularidade...precisava de aplauso.
Muitos jovens estão aprisionados por causa disto. Precisam ser aceitos pelo grupo, precisam ser populares, então, cedem quando pressionados. Veja o comportamento típico de um jovem numa festa onde todos estão bebendo e tendo outros comportamentos que ele não teria por causa de valores pessoais. Ele pode não gostar daquilo, mas os amigos pressionam, e o jovem faze aquilo que ele mesmo não concorda, porque está debaixo da pressão de pessoas a quem ele tem dificuldade de dizer não.
Quem nunca tomou uma decisão pressionado por aceitação dos outros?
Herodes queria aprovação e não pede a cabeça de João Batista porque achava que aquilo era bom. Aliás, o texto diz que ele ficou triste. O ódio de sua mulher estava contaminando tudo e estragando sua festa de aniversário.
Reputação é idolátrica.
Todos queremos deixar boa impressão. Mas não transforme sua obsessão em um ídolo. Não transforme a aceitação popular em um deus para sua vida. Não faça as coisas porque os outros acham que você deve fazer, ou pressionado pela opinião dos outros.
Muitos deixaram de seguir a Cristo por causa do desejo de serem aplaudidos pelos homens. A Bíblia afirma: “Apesar disso, muitos dentre as próprias autoridades acreditaram nele, mas devido aos fariseus, não declaravam sua fé, para não serem excluídos da sinagoga; 43pois amaram mais a honra dos homens do que a glória de Deus.” (J 12.43).
Conclusão
Imediatamente, após sairmos desta narrativa, o foco da Bíblia se volta para a atitude de Jesus. É muito importante observarmos como Jesus age nesta situação.
A. Jesus busca a solidão.
Mt 14.13 diz: “Jesus, ouvindo isto, retirou-se dali num barco, para um lugar deserto, à parte”.
A noticia foi dura para os discípulos, especialmente para Jesus, pois João Batista era seu precursor e primo, fazia parte de sua família. Jesus não faz de conta que não doeu, ele enfrenta a dor, reconhece a gravidade do momento.
Muitas vezes quando somos esmurrados pela triste realidade, ignoramos ou negamos nossa dor. O cristianismo não é romântico. A dor é real, ele é democrática, acontece a todos. Precisamos aprender a enfrentar a dor com coragem.
Um dos textos mais interessantes que li sobre a dor, foi escrito por Leonardo Boff: Cuidar do luto e das perdas, por Leonardo Boff, teólogo e professor de filosofia da UERJ.
Ninguém sai do luto como entrou. A pessoa amadurece forçosamente e se dá conta de que toda perda não precisa ser total; ela traz sempre algum ganho existencial. Pertencem, inexoravelmente, à condição humana as perdas e o luto. Todos somos submetidos à férrea lei da entropia: tudo vai lentamente se desgastando; o corpo enfraquece, os anos deixam marcas, as doenças vão nos tirando irrefreavelmente nosso capital vital. Essa é a lei da vida que inclui a morte.
Mas há também rupturas que quebram esse fluir natural. São as perdas que significam eventos traumáticos, como a traição do amigo, a perda do emprego, a perda da pessoa amada pelo divórcio ou pela morte repentina. Surge a tragédia, também parte da vida.
Representa grande desafio pessoal trabalhar as perdas e alimentar a resiliência, vale dizer, o aprendizado com os choques existenciais e com as crises. Especialmente dolorosa é a vivência do luto, pois mostra todo o peso do Negativo. O luto possui uma exigência intrínseca: ele cobra ser sofrido, atravessado e, por fim, superado positivamente.
Há muitos estudos especializados sobre o luto. Segundo o famoso casal alemão Kübler-Ross, há vários passos de sua vivência e superação.
O primeiro é a recusa: face ao fato paralisante, a pessoa, naturalmente, exclama: “Não pode ser”; ” é mentira”. Irrompe o choro desconsolado que palavra nenhuma pode sustar.
O segundo passo é a raiva que se expressa: “Por que exatamente comigo? Não é justo o que ocorreu”. É o momento em que a pessoa percebe os limites incontroláveis da vida e reluta em reconhecê-los. Não raro, ela se culpa pela perda, por não ter feito o que devia ou deixado de fazer.
O terceiro passo se caracteriza pela depressão e pelo vazio existencial. Fechamo-nos em nosso próprio casulo e nos apiedamos de nós mesmos. Resistimos a nos refazer. Aqui todo abraço caloroso e toda palavra de consolação, mesmo soando convencional, ganha um sentido insuspeitado. É o anseio da alma de ouvir que há sentido e que as estrelas-guias apenas se obscureceram e não desapareceram.
O quarto é o autofortalecimento mediante uma espécie de negociação coma dor da perda: “Não posso sucumbir nem afundar totalmente; preciso aguentar esta dilaceração, garantir meu trabalho e cuidar de minha família”.
Um ponto de luz se anuncia no meio da noite escura. O quinto se apresenta como uma aceitação resignada e serena do fato incontornável. Acabamos por incorporar na trajetória de nossa existência essa ferida que deixa cicatrizes. Ninguém sai do luto como entrou. A pessoa amadurece forçosamente e se dá conta de que toda perda não precisa ser total; ela traz sempre algum ganho existencial.
O luto significa uma travessia dolorosa. Por isso precisa ser cuidado. Permito-me um exemplo autobiográfico que aclara melhor anecessidade de cuidar do luto.
Em 1981 perdi uma irmã com a qual tinha especial afinidade. Era a última das irmãs de 11 irmãos. Como professora, por volta das 10 horas, diante dos alunos, deu um imenso brado e caiu morta. Misteriosamente, aos 33 anos, rompera-se a aorta.
Todos da família vindos de várias partes do país, ficamos desorientados pelo choque fatal. Choramos copiosas lágrimas. Passamos dois dias vendo fotos e recordando, pesarosos, fatos engraçados davida da irmãzinha querida. Eles puderam cuidar do luto e da perda. Eu tive que partir logo após para o Chile, onde tinha palestras para frades de todo o Cone Sul. Fui com o coração partido. Cada palestra era um exercício de autossuperação. Do Chile emendei para a Itália, onde tinha palestras de renovação da vida religiosa para toda uma congregação.
A perda da irmã querida me atormentava como um absurdo insuportável. Comecei a desmaiar duas a três vezes ao dia sem uma razão física manifesta. Tive que ser levado ao médico. Contei-lhe o drama por que estava passando. Ele logo intuiu e disse: “Você não enterrou ainda sua irmã nem guardou o luto necessário; enquanto não a sepultar e cuidar de seu luto, você não melhorará; algo de você morreu com ela e precisa ser ressuscitado”.
Cancelei todos os demais programas. No silêncio e na oração cuidei do luto. Na volta, num restaurante, enquanto lembrávamos a irmã querida, meu irmão também teólogo, Clodovis, e eu escrevemos num guardanapo de papel o que colocamos no santinho de sua memória:
“Foram trinta e três anos, como os anos da idade de Jesus/
Anos de muito trabalho e sofrimento/
Mas também de muito fruto/
Ela carregava a dor dos outros/
Em seu próprio coração, como resgate/
Era límpida como a fonte da montanha/
Amável e terna como a flor do campo/
Teceu, ponto por ponto, e no silêncio/
Um brocado precioso /
Deixou dois pequenos, robustos e belos/
E um marido, cheio de orgulho dela /
Feliz você, Cláudia, pois o Senhor voltando/
Te encontrou de pé, no trabalho/
Lâmpada acesa/
Foi então que caíste em seu regaço/
Para o abraço infinito da Paz”.
Entre seus papéis encontramos a frase: “Há sempre um sentido de Deus em todos os eventos humanos: importa descobri-lo”. Até hoje estamos procurando esse sentido que somente na fé o suspeitamos.
B. Jesus busca a companhia de amigos verdadeiros e próximos.
No livro de Marcos, temos este texto correlato de Mateus.. O evangelista Marcos registra um aspecto que Mateus não registra, mas que é importantíssimo:
“E ele lhes disse: Vinde repousar um pouco, à parte, num lugar deserto; porque eles não tinham tempo nem para comer, visto serem numerosos os que iam e vinham” (Mc 6.31).
O que Jesus propõe é parar! Era hora de sossegarem. Não era momento de fazerem! O ativismo não substitui a dor, não resolve o problema do sofrimento.
Tragédias propõem tempo de reflexão. Sempre haverá pessoas demandando seu tempo e atenção, quanto mais você ocupa posição de destaque, mais as pessoas exigem do seu tempo.
Wayne Cordeiro sugere que nossa agenda deve ser feita a partir das nossas folgas. Ao fazer a agenda anual, devemos colocar nossas férias, e as demais atividades acontecerão em torno das suas férias, caso contrário você não terá tempo para sair de férias.
Jesus precisava deste tempo com seus companheiros. Aquela experiência tinha sido dolorida demais. O impacto da morte prematura de João Batista foi um grave ato de violência. Jesus precisava de amigos, os seus discípulos precisavam de Jesus. Hora de repousar um pouco, parar as atividades, diminuir a agenda.