sábado, 25 de setembro de 2021

At 20.17-35 O Grande desafio da Igreja: Conteúdo e Relevância

 



 

 

 

Introdução

 

Estou no ministério há quarenta anos e sei que muitos colegas sofreram bastante no período de pandemia, alguns de forma mais intensa outros mais amena. Eu senti fortemente tais efeitos. Durante todo este período ministerial, nunca tive um sabático, não parei minhas atividades e, graças a Deus, nunca tive problemas de saúde. Os levitas e sacerdotes no Antigo Testamento ficavam no oficio por 20 anos... eu já estou há quarenta... é certo que a expectativa de vida era muito menor, mas agora, neste momento em que somos colocados na expectativa, vem uma pergunta na minha mente: Que nova visão Deus deseja comunicar a mim particularmente, e ao seu povo, de forma geral? Há alguma coisa que preciso mudar?

 

Andrés Garza, Diretor da City to City America Latina, afirma que nestes tempos de pandemia precisamos fazer quatro perguntas que podem orientar e mudar nossa perspectiva.

 

● O que estamos fazendo e o que precisamos parar de fazer?

● O que fazemos e devemos continuar a fazer?

● O que estamos fazendo e precisamos continuar a fazer de novas maneiras?

● O que não estamos fazendo e precisamos começar a fazer?

 

O Hino oficial da Mocidade Presbiteriana, composição de Moacir Bastos, diz o seguinte:

 

Somos jovens no mundo velho, a pregar novos ideais,

Do mesmo evangelho, que pregaram nossos pais.

O mundo muda, mas cristo não.

Importa que preguemos, a salvação.”

 

Nosso mundo está em rápida transformação.

 

Então como manter o essencial, inegociável, permanente, sem nos tornarmos uma instituição anacrônica e retrógada? Como reafirmar a missão em tempos de mudanças? Como ter um ministério relevante sem negociar os princípios do pragmatismo ou da adrenalina, para gerar emoções artificiais nas pessoas, enchendo as pessoas de vãs esperanças e promessas? Como ser bíblico, crendo em verdades absolutas num tempo em que as pessoas insistem no relativismo, pluralismo e subjetivismo?

 

 

 

 

Por um lado temos igrejas ansiosas por relevância. Fazem tudo por holofotes e aplausos humanos. Fazem adaptações, negociam a Palavra a um público cada vez mais ansioso por adrenalina, flexibilizam a ética para atrair “clientes”, e fazem sermões politicamente corretos para um discipulado barato.

 

Por outro lado, igrejas que insistem em usar os mesmos métodos, sem entender as mudanças históricas, sofrendo problemas de adaptação às novas exigências modernas, igrejas com alergia ao novo. Muitos dizem que se mudarmos os métodos, mudamos a essência. Então, confundem acidente com essência, histórico com revelado, temporal com eterno. Sofrem um saudosismo eclesiológico, e querem viver de lembranças.

 

John R. W. Stott afirma que os liberais possuem relevância sem conteúdo, e que os ortodoxos, igrejas bíblicas, possuem conteúdo sem relevância. Como manter o equilíbrio sem correr o risco de polarizações?

 

Estudar o livro de Atos é uma experiência sobrenatural. Ray Stedman afirma que toda igreja em crise deveria humildemente reler o livro de Atos, com devoção e desejo de ser transformada. Na medida em que estudamos o livro, observamos como era a dinâmica da igreja, a dinâmica das missões, o treinamento e a estratégia dos apóstolos, como eram acolhidos os novos membros e como o reino avançava. Por isto, estudar o livro de Atos é fundamental quando falamos de plantação e revitalização de igrejas.

 

Apenas no capítulo vinte, numa observação superficial, encontramos no mínimo, quatorze fundamentos para a obra ministerial e a ação da igreja, obviamente não temos tempo para estudar cada um deles, mas espero que possamos refletir sobre alguns pontos para abranger o tema: Reafirmando a missão em tempos de mudanças.

 

1.     Estratégia diversificada – Jamais deixando de vos anunciar coisa alguma proveitosa e de vo-la ensinar publicamente e também de casa em casa” (At 20.20).

 

Em Atos 20, Paulo fala de três abordagens que adotava na pregação do Evangelho.

 

A.   Publicamente – “Exposição da Palavra”. (At 20.20) – Isto pode ser percebido nitidamente na quantidade de horas empregadas para pregar e treinar os novos convertidos.

 

B.    Domesticamente – “De casa em casa” (At 20.20). Paulo visitava as pessoas e se reunia em suas casas para compartilhar o evangelho em pequenos grupos. Esta estratégia se mostrou extremamente eficaz em muitos ambientes, na forma de cultos familiares, e ainda hoje pode ser estratégica na formação de pequenos grupos.

 

C.    Individualmente“A cada um” (At 20.31). Certamente Paulo gastou tempo com discipulado, assentando-se com pessoas diferentes, tirando dúvidas e transmitindo as verdades do evangelho e os conceitos cristãos.

 

A igreja precisa usar métodos diferentes para ocasiões e públicos diferentes. “Mais da mesma coisa nos leva para o mesmo lugar”, como bem afirmou Hans Burke. Muitas vezes a deficiência do ministério consiste na insistência em usar uma única estratégia, quando deveríamos usar todas. A inflexibilidade nos métodos pode limitar o poder de influência e alcance da mensagem. Paulo usava todas as oportunidades.

 

2.     Ministração a grupos heterogêneos – “testificando a judeus e gregos” (At 20.21). É bem mais fácil comunicar a grupos homogêneos. Pregar a diferentes públicos exige maior sensibilidade, principalmente quando a mensagem precisa ser transcultural.

 

Isto pode ser percebido nas diferentes abordagens usadas por Paulo. Quando ele pregava aos judeus o ponto de partida era as Escrituras. Em Tessalônica, “Paulo, segundo o seu costume, foi procurá-los (os judeus) e, por três sábados, arrazoou com eles acerca das Escrituras” (At 17.2). O ponto de partida, portanto, era o Antigo Testamento, a Lei e os profetas.

 

Contudo, quando foi pregar aos habitantes de Listra, ele partiu da perspectiva religiosa daqueles homens, abordando o tema da criação, e assim refletiu sobre o governo de Deus (At 14.15-17). Ao se dirigir aos atenienses, sem nenhum contato com as Escrituras judaicas, ele não citou, sequer uma vez, os textos sagrados, e também partiu da criação, para anunciar o Deus verdadeiro (At 17.24-25). Nestas duas situações, ele usou a cosmovisão, a compreensão de determinadas verdades aceitas entre estas duas diferentes culturas, para comunicar a verdade sobre o Deus que fez todas as coisas pelo eu poder.

 

Como alcançar os diferentes segmentos que temos em nossa sociedade? Pessoas de comunidades ricas e pobres? Como adentrar condomínios ou favelas com uma mensagem que seja relevante para diferentes grupos? Como ser eficiente na comunicação do evangelho aos diferentes grupos sociais, como alcançar os alternativos, os de esquerda e de direita, os grupos minoritários?  Será que deveríamos adotar o princípio da unidade homogênea defendido por Rick Warren, ou deveríamos tentar mesclar diferentes grupos para dar demonstrar o poder do evangelho nesta cultura, como defende Mark Dever?

 

3.     Mensagem imutável – “...para testemunhar o evangelho da graça de Deus” (At 20.24).

 

Observando com mais atenção este texto de Atos 20, é possível perceber o conteúdo da pregação de Paulo. Em nenhum momento ele prega autoajuda ou teologia da prosperidade, nem mesmo milagres e cura (apesar de ser uma característica de seu ministério, este não era o foco de sua mensagem). Sua mensagem nunca variava, mas possuía a mesma ênfase. Mesmo quando lidava com diferentes grupos e aplicasse uma estratégia diversificada, o conteúdo era o mesmo, sempre. A metodologia, abordagem e estratégia poderiam mudar, mas não a mensagem.

 

O que Paulo pregava?

 

A.   O Evangelho da graça de Deus (At 20.24). O evangelho consiste não em algo que fazemos, mas em algo que Deus fez, por isto são boas novas, e é gratuito. O evangelho foca na obra exclusiva e poderosa de Cristo, para tirar o perdido das trevas e dar direção.

 

A igreja vive numa grave crise em relação à mensagem do evangelho. Os púlpitos não falam mais de arrependimento, cruz, mensagem da salvação. O evangelho puro e simples no qual Jesus convida os pecadores para se arrependerem de seus pecados e colocarem sua confiança apenas na obra de Cristo, e não em seus esforços pessoais ou méritos.

 

O Evangelho nos aponta para a graça, o favor não merecido que recebemos de Deus, acessível a todos que creem no nome de Jesus. A graça se contrapõe aos méritos pessoais. Se você é salvo pela graça, você não tem méritos; e se você acha que tem méritos para salvação eterna, então não sente necessidade da graça. O evangelho da graça nos ensina que não fazemos as coisas para sermos agradáveis a Deus, mas fazemos tudo em gratidão ao amor unilateral que ele demonstrou para nós. Não fazemos barganha com Deus. Não damos para receber, mas por termos recebidos, liberalmente damos.

 

B.    O reino de Deus – “...em cujo meio passei pregando o reino” (At 20.25). Sua mensagem tinha como centro a soberania de Deus sobre todas as coisas.

 

O reino de Deus se revela na pessoa de Cristo. O reino nos informa que o mundo está sob o controle do Eterno Deus e não dos homens. Deus tem o governo da história, faz a história e é Senhor da história. A revelação deste reino é visível na vinda de Cristo, o Filho de Deus, iniciando um novo tempo através de sua morte e ressurreição. Pregar o reino significa anunciar que há um rei sobre todas as coisas, que "Não há um único centímetro quadrado, em todos os domínios de nossa existência, sobre os quais Cristo, que é soberano sobre tudo, não clame: É meu!" como bem afirmou Abraham Kuyper

 

C.    Todo desígnio de Deus – “Porque jamais deixei de vos anunciar todo o desígnio de Deus” (At 20.27).

 

Paulo não se esquivava de temas controvertidos, mas queria ser fiel às verdades bíblicas e proféticas. Podemos correr o risco de nos tornarmos interessados em apenas alguns temas das Escrituras e só pregarmos o que achamos interessante. Quando agimos assim, deixamos de demonstrar outras verdades preciosas da Palavra de Deus. Por isto devemos pregar toda mensagem e a mensagem toda, a todos os homens, para fugirmos do risco de pregarmos “o evangelho dos santos evangélicos”, como afirmou Juan Carlos Ortiz.

 

4.     Integridade irrefutável – De ninguém cobicei prata, nem ouro, nem vestes” (At 20.33).

 

Integridade não é acessório na vida cristã, mas a essência. Não é algo periférico, mas central.

Na escolha de líderes para sua equipe, Bill Hybels sugere quatro elementos:

A.   Caráter

B.    Competência

C.    Cultura

D.   Química (em inglês Chemistry).

 

Veja como o caráter aparece em primeiro lugar.

Obviamente não basta ter caráter para ser aprovado. Muitos tem caráter mas possuem competência para determinadas funções. Muitos tem caráter mas não possuem a cultura da instituição e não entendem a filosofia da comunidade, muitos não possuem a química do time e por isto não é aprovado, mas caráter deve ser o primeiro item.

 

O que Paulo afirma é que nunca permitiu que qualquer motivo espúrio contaminasse sua liderança. As pessoas sabiam como ele se conduzia entre elas, desde o primeiro dia, e ele jamais deu ensejo para que alguém pudesse julgá-lo moralmente. Podemos ser julgados pelo nosso estilo de liderança, pelos métodos que temos, e eventualmente desagradar alguns pela direção que damos ao ministério, mas nunca podemos permitir que sejamos julgados por falha de caráter. Que o Senhor nos preserve!

 

Conclusão

 

Diante disto, gostaria de fazer algumas aplicações:

 

1.     Valores são inegociáveis, métodos devem ser permanentemente avaliados. A palavra “método” vem do grego “odos”, que significa “caminho”.

 

Portanto, estratégias e métodos devem ser mudados tantas vezes quantas forem necessárias.

 

2.     Os tempos mudam, a mensagem eterna permanece.

 

A Bíblia afirma duas coisas:

 

A.   No sermão escatológico em Mt 24: “Passará o céu e a terra, porém as minhas palavras não passarão”. A palavra de Deus nunca perdeu sua relevância, nunca caducou ou envelheceu.

 

B.    Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e o será para sempre” (Hb 13.8). Este texto fala de Jesus, sua natureza imutável. Ele é Eterno, não sofre os impactos da variação da história, da política e da bolsa de valores. Ele não existe porque afirmamos sua existência ou cremos nele. Ele não é menos ou mais se alguém fala contra ele. Ele é o mesmo!

 

3.     Os tempos mudam, a missão da igreja permanece. Precisamos sempre indagar porque existimos enquanto igreja.  Qual é o nosso papel na história. Por que Deus nos plantou neste lugar, neste tempo?

 

Para muitos, a missão da igreja é fazer missão. Esta frase é impactante e de grandes efeitos, embora não possamos afirmar que ela não seja verdadeira, ao mesmo tempo, podemos esquecer que ela não é a essência, nem traduz a realidade daquilo que fomos chamados a fazer.

 

Dois textos nos ajudam nesta compreensão:

 

A.   Is 43.21: “Ao povo que criei para mim, para celebrar o meu louvor”. Quando fazemos missão glorificamos a Deus, mas o propósito último não é fazer missão. Fazer missão é obediência. Nossa missão essencial é dar glória a Deus. Se cuidarmos dos pobres, plantarmos igrejas, enviar missionários ao redor do mundo, mas isto não for para a glória de Deus, estamos perdendo a razão essencial de nossa existência.

 

B.    Pe 2.9: “Vós, porém, sois raça eleita, nação santa, sacerdócio real, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz.” Existimos para o louvor do Senhor. Para anunciar a sua glória.

 

O grande desafio da igreja continua o mesmo: Dar glória a Deus!

 

Certo garoto se destacou na sua escola como bom violonista. Seu professor o indicou para uma apresentou no teatro da cidade para representar a escola. Ele ficou inseguro e animado ao mesmo tempo. Seu professor lhe garantiu que daria todas as instruções para que ele fizesse uma boa apresentação. Ele se preparou bastante até que chegou o dia tão esperado.

 

Sua apresentação de fato foi muito boa. Ele conseguiu fazer tudo aparentemente certo, e o público o aplaudiu efusivamente. Entretanto, o garoto inexplicavelmente correu para os bastidores e o mestre de cerimonia foi busca-lo dizendo que ele deveria voltar ao palco, porque as pessoas ainda o estavam aplaudindo, mas ele disse que não voltaria.

 

Então foi indagado da razão. E ele disse: Vocë viu aquele homem assentado na terceira fila do teatro? E ele disse: “claro que sim”.  E o aluno respondeu: -“Ele não me aplaudiu”. O mestre de cerimonia disse: - “mas todos os demais estão aplaudindo, não perca este momento por causa de um bobo prepotente que não quis reconhecer seus talentos”. Mas ele respondeu: - “Sabe quem é aquele homem? Ele é meu professor de violino.”

 

Esta é a grande verdade. Se tivermos o aplauso de todos, menos de Deus, nada  vale. Nós precisamos de aplausos de Deus, não de homens. O desafio dos desafios, é glorificar a Deus que nos chamou para sua obra.

 

 

 

 

 

Ex 1.15-22 Deus abençoa a mentira?

 



 

 

 

 

Introdução

 

Algumas pessoas já me procuraram para comentar este texto de Êxodo indagando: “Pastor, as parteiras egípcias mentiram e ainda assim Deus as abençoou”. Como explicar isto? Bem... vamos devagar...

 

Naturalmente existem divergências sobre a questão de como a verdade deve ser contada, até mesmo entre cristãos que são considerados ortodoxos e bíblicos. O Hierarquismo ético, por exemplo, afirma que há muitas normas universais, mas nem todas são iguais na sua importância intrínseca. Contar a verdade é bom, mas não a nível de se sacrificar a vida do outro. E que este seria o caso do texto.

 

Apesar de atraente, esta não é a posição que adotamos. Cremos na verdade absoluta, e que mentir é sempre errado. Quando relativizamos a verdade, muitas exceções podem ser criadas por causa de nossa natureza pecaminosa e dai a pouco não saberemos se a verdade é algo importante. Desta forma, sempre se pode contar a verdade sem que a vida tenha que ser tirada, um ponto de vista ético não conflitaria com outro. Outrossim, a verdade deve ser contada, mesmo quando a vida é tirada. Podemos dizer a verdade e assumir o preço, e podemos dizer a verdade confiando na providência divina.

 

O princípio é que “toda verdade é verdade de Deus!” Portanto, quando afirmamos a verdade, estamos nos identificando com aquele que que é o Pai das luzes, como afirma Tiago: “Toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vem do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação.”  (Tg 1.17) Onde Deus está, há graça, verdade, clareza. Onde estiver o diabo, teremos penumbra, sombras e mentira. Afinal, ele “jamais se firmou na verdade, porque nele não há verdade. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira” (Jo 8.44), como bem afirmou Jesus.

 

Vivemos numa época de muito relativismo, onde a verdade não é mais aquilo que é, como defendeu Sócrates, mas a verdade é o que você acha que é. Perdemos a noção de absoluto e em certa medida, esta defesa do relativismo se torna ridícula. Quando alguém afirma, “tudo é relativo!”, na verdade, sem perceber, está fazendo uma afirmação absoluta. Se “tudo é relativo”, esta afirmação também não pode ser verdade, já que assumiu que há um absoluto ao afirmar que “tudo é relativo!”

 

Precisamos de fundamentos claros para nossa fé. A fé cristã é conceitual. Ela afirma que determinados princípios não podem ser negociados e transcendem épocas e culturas. Valores, princípios, ética e espiritualidade não são relativos nem alteram o conteúdo da verdade, como bem afirmou Schaeffer: “A velha moralidade nada mais é que a antiga imoralidade”.

 

Diante disto, vamos retornar ao texto lido no início, para não corrermos o risco de usarmos os três argumentos mais ardilosos que um pregador pode cometer: “Ler o texto, sair do texto e nunca mais voltar ao texto”. Vamos lá.

 

Primeiro: Deus não abençoou as parteiras porque mentiram. Deus as abençoou a despeito da mentira, por terem considerado a vida como valor maior.

 

Este é um princípio ético fundamental para os cristãos: Coloque-se a favor da vida.

 

Onde estiver a anti-vida. Seja na causa do aborto, da eutanásia, da violência, seremos contrários. Por isto não usamos a força para defender causas religiosas. O Islamismo não hesita em praticar o Jihad, e matar os ímpios em nome de Deus. O cristianismo não pode defender tal bandeira porque não é isto que aprendemos nas Escrituras. Apesar das cruzadas terem sido praticadas em nome da fé na época medieval, nós não a entendemos como algo correto.

 

O cristão deve ser a favor da vida. Devemos lutar ardorosamente contra toda expressão ou ideologia que defenda a morte. Deus certamente abençoou a vida destas parteiras porque, mesmo vivendo sob forte pressão, consideraram a vida como algo precioso. Em tempos de polarização política e ideológica, precisamos tomar muito cuidado. Existem cristãos quase defendendo a pena de morte aos homossexuais, aos comunistas e aos islâmicos. Alguns defendendo a pena de morte para o STF. Mas o princípio bíblico fundamental que encontraremos neste texto é que as mulheres foram abençoadas porque lutaram a favor da vida.

 

A Bíblia Sagrada é a fonte da orientação cristã e Jesus o modelo ético. Sua ética é humanizadora, tendo o amor em nível de superioridade a todos cumprimentos de responsabilidades e de códigos religiosos. Sua ética é pautada na defesa da dignidade de todos os seres humanos. Jesus não inaugurou um código moral para condenar os impuros e pecadores. Ele acolheu os grupos mais vulneráveis e excluídos da sociedade por esta razão sua ética fundamenta-se no cuidado com a vida.

 

Assim ensinam as Sagradas Escrituras: “Se vocês tivessem compreendido o que significa: misericórdia é o que eu quero, não o sacrifício, não condenariam inocentes” (Mt 12.7). A compaixão é um dos grandes pilares da ética de Jesus. A misericórdia, é uma “reação visceral” ao sofrimento do outro. O cristianismo não pode ser uma religião de acusadores enraivecidos.

 

Deus não abençoou as parteiras porque mentiram. Deus as abençoou por terem considerado a vida como valor maior. Aquelas crianças não passavam de filhos de escravos, que aos olhos dos governantes, despontavam como uma futura ameaça aos interesses econômicos da nação. Mesmo diante de toda esta condição desfavorável, de crianças indefesas e filhos de escravos, as parteiras valorizaram a vida e viram dignidade onde outros viam morte. Elas consideraram a vida como algo pelo qual se deve lutar.


Esta foi a razão de terem sido abençoadas por Deus.

 

Segundo Princípio: Deus abençoou as parteiras, pela coragem que tiveram de estar a favor dos vulneráveis.

 

Por isto, quando as pessoas colocam ênfase na mentira das parteiras, estão perdendo o foco da mensagem. O centro da mensagem não é a mentira, ou a ocultação da informação aos agentes egípcios, mas sim o enfrentamento, a coragem de, destemidamente, saírem em defesa dos fracos. Quantos de nós teríamos coragem de nos colocar a favor de crianças indefesas filhas de escravos, sabendo que isto poderia ser uma sentença de morte?

 

Milhares de cristãos na história já assumiram posições radicais a favor da vida, e muitos morreram por defenderem os fracos, e se colocarem ao lado da justiça. Um dos grandes problemas da Igreja na Alemanha, na época de Hitler, foi o fato da igreja não ter se colocado ao lado daqueles que estavam sendo exterminados, (não eram apenas os judeus), e se silenciarem diante do mal. Anna Arendt, filósofa alemã escreveu um livro muito sério sobre o assunto, falando sobre a “banalização do mal”, mostrando que muitas vezes o mal se apresenta e homens de bem, respeitáveis, não se colocam a favor dos oprimidos e violentados.

 

M. Luther King Jr afirma: “Deus vai julgar não apenas a maldade dos maus, mas o silêncio dos bons”. Será que temos coragem de defender a vida como estas parteiras fizeram?

 

O centro da lição é a intrepidez destas mulheres. A Bíblia, na verdade, faz um elogio quando chama duas, dentre muitas, de Sifrá e Puá, que significam, respectivamente, beleza e esplendor. São títulos que enfatizam seu ato de coragem, muito mais do que nomes próprios.

 

Elas decidiram se colocar ao lado da vida. Elas garantiram a sobrevivência daquelas crianças. A ordem do Faraó foi contra o valor mais elementar , ele ordena que onde a vida surgisse houvesse morte. A ordem para matar vem do caráter anônimo e impessoal do privilégio e do poder, tantas vezes manifesto na história humana.

 

Precisamos de gente que se coloque corajosamente contra o comércio que estimula meninas a se comportarem como mulheres, perdendo sua infância; contra o abuso e a mercantilização das mulheres; contra o mercado que venda crianças à beira de estradas em nosso país; contra o sexo que se banaliza, no qual meninas pré-adolescentes acham normal fazerem nudes, expondo seus corpos como se fosse mercadoria numa geração cada vez mais precocemente erotizada. Faraó triunfa quando isso acontece, o sistema perverso de morte se instala. É necessário que outros se levantem e digam não àquilo que agride a vida. 

 

As parteiras se comprometeram. Isto é coragem. Assumem o risco de perder suas vidas. Ao nosso redor também impera a lei da morte. Faraó está solto. É a força da anti-vida. Jesus disse: “O ladrão vem somente para roubar, matar e destruir. Eu vim para que tenham vida e vida em abundância” (Jo 10.10). É preciso compromisso com a vida, para denunciar, mobilizar, educar e transformar, se colocar ao lado de quem não tem defesa. As parteiras tinham a função de ajudar a surgir a vida e se mantiveram fieis ao seu chamado.

 

3. Deus as abençoou por temerem a Deus mais do que os homens. “E Deus fez bem às parteiras; e o povo aumentou e se tornou muito forte. E, porque as parteiras temeram a Deus, ele lhes constituiu família” (Ex 1.21)

 

Elas temeram a Deus, não a Faraó. Esta é a fonte da benção. Deus não apenas as protegeu, mas as abençoou, dando-lhes família. Comentaristas acreditam que as parteiras eram mulheres que não tinham casado, ou que eram estéreis, e agora Deus resolveu dar-lhes família.

 

A coragem dessas mulheres é semelhante a fé dos amigos de Daniel que a beira da fornalha não mostram temor “Se formos atirados na fornalha em chamas, o Deus a quem prestamos culto pode livrar-nos, e ele nos livrará das suas mãos, ó rei. Mas, se ele não nos livrar, saiba, ó rei, que não prestaremos culto aos seus deuses nem adoraremos a imagem de ouro que mandaste erguer”. (Dn 3.17,18).

 

O texto afirma que o motivo de sua arriscada decisão foi o fato de que elas temiam a Deus. O temor a Deus humaniza e promove a vida. Toda a sociedade que se afasta de Deus, desvaloriza a vida humana.

 

É mais importante obedecer a Deus que aos homens. “Todavia, as parteiras temeram a Deus e não obedeceram às ordens do rei do Egito; deixaram viver os meninos.” (Ex 1.17). Quando um sistema pede para atentar contra a vida, a única resposta correta é a desobediência. Sifrá e Puá sabiam disso, elas tinham plena certeza que embora a ordem viesse de faraó ele não era Deus e sua ordem não provinha de Deus, e por isto deveria ser desobedecida. Schaeffer afirma que, em algumas ocasiões, quando as autoridades conspiram contra a vida e as verdades essenciais do Evangelho, não apenas podemos, mas devemos, desobedecer as autoridade, como fizeram os apóstolos ao declarar às autoridades judaicas: "Julgai se é justo, diante de Deus, ouvir-vos antes, a vós outros do que a Deus" (At 4.19). A desobediência civil deve acontecer todas as vezes que as autoridades ultrapassarem a Linha Limite, se interpondo contra a ordem de Deus.  

 

O que nos dá força e ousadia é o temor do Senhor. Quando não tememos a Deus somos capazes de fazer qualquer coisa para livrar a pele, mas quando temos o seu temor no coração, não negociamos convicções e valores. A falta de temor nos leva a quebrar a ética cristã, desrespeitar os valores do evangelho e nos perdermos na nossa vã tentativa de salvar a vida.

 

Jesus afirmou: “Não temais aqueles que podem matar o corpo e não podem matar a alma; temei, antes, aquele que pode fazer perecer no inferno a alma e o corpo” (Mt 10.28). A obediência, a coragem e o cuidado dessas mulheres surpreendem. O temor do Senhor é fonte de sua coragem e enfrentamento.

 

 

 

Conclusão

 

Três observações finais:

 

1.     Tire o olho da questão periférica do texto que é a mentira das parteiras. Deus não abençoou as parteiras porque mentiram. Deus as abençoou a despeito da mentira.

 

É assim a graça de Deus para conosco. Deus não nos abençoa porque fazemos tudo certo, Deus nos abençoa apesar de cometermos muitos erros e eventualmente fazermos tudo errado. É a graça de Deus triunfando sobre o juízo.


Se Deus colocasse seus olhos sobre seus erros, você também jamais receberia bençãos. "Se contares nossos pecados, quem subsistirá?"

 

2.     No processo de abençoar outros, não raramente nos sentimos cansados e até mesmo perguntamos se vale a pena todo esforço.

 

Quem nunca se perguntou, num processo de vitimização: “Quem cuida de mim, quando eu cuido dos outros?” Você já se sentiu assim? Muitas vezes indagamos quando seremos cuidados? Cuidamos dos filhos, cuidamos dos amigos, cuidamos do trabalho, da casa, da igreja, da família, cuidamos, cuidamos e cuidamos…quem cuida de nós?

 

Este texto revela que quando cuidamos dos outros, Deus cuida de nós. Deus abençoa aqueles que o temem mais do que aos homens. Deus abençoa aqueles que se dispõem a enfrentar as ameaças dos homens porque valorizam aquilo que é essencial.

 

Enquanto Sifrá e Puá estavam ocupadas trazendo ao mundo os filhos de outras mulheres, auxiliando o crescimento de suas famílias, livrando os recém-nascidos da morte e evitando que suas mães chorassem sua perda, Deus estava o tempo todo cuidando delas.

 

O rei tinha todos os motivos para matá-las, caso fossem descobertas, mas isto não aconteceu. Deus lhes preservou a vida e permitiu que tivessem suas próprias famílias. Deus as presenteou com aquilo que certamente elas mais desejavam. Não há dúvidas de que é no cuidado com o outro e na demonstração de amor ao próximo que Deus cuida de nós.

 

3.     Olhe para Jesus. A forma como Jesus valorizou a vida deve nos motivar. Mesmo a sua morte conduz à vida, já pararam para refletir sobre isto?

 

Ele vos deu vida estando vós mortos em vossos delitos e pecados”. A vida jorra da cruz. Este é o paradoxo do evangelho. Sua morte não é mera morte, mas aponta para a ressurreição, para a redenção, para a justificação, para todos os processos que fazem surgir a vida. Não é sem razão que Stanley Jones, conhecido missionário metodista afirme que “a palavra central na Bíblia é vida”.

 

A essência do evangelho é o resgate da vida. “Ele vos ressuscitou e vos fez assentar em lugares celestiais”. A cruz, o lugar mais anti-vida, transforma-se no lugar mais transformador e poderoso. Ali se revela a misericórdia e a benção de Deus. Por isto Jesus afirma: “Eu vim para que tenham vida, e vida em abundância.”

 

Se você está sentindo sua vida se esvair, sua esperança se dissipar, está pensando em dar cabo de sua própria vida, considerando que não vale mais a pena viver, considere o fato de que Cristo, o autor da vida, é capaz de livrar sua alma da morte.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

sábado, 18 de setembro de 2021

Ex 4.24-26 Ritos são importantes?




 

 

 

Introdução

 

Esta é uma das cenas mais estranhas das Escrituras Sagradas. Depois de Moisés ter sido chamado para libertar o povo do Egito, quando já estava no caminho para sua missão, Deus resolve matá-lo dentro de uma estalagem. Não é estranho?

 

Não parece paradoxal que Deus o envie e depois o ameace? Muitas vezes não paramos para refletir sobre determinadas passagens, outras vezes paramos mas se sentimos algo desconfortável deixamos para lá e não avançamos para refletir.

 

Este texto é muito desafiador...O que ele ensina?

O que está em discussão aqui é a questão da circuncisão.

 

Quando Deus chamou Abraão, 400 anos antes de Moisés, fez algumas declarações:

 

a.     Deus o chamou para formar uma grande nação – (Gn 12.2)

 

b.     Deus dá a incumbência a esta nação de ser uma fonte de benção para todas as famílias da terra (Gn 12.3).

 

c.     Deus tinha um projeto missiológico para atingir todas as nações através deste povo. Através de Abraão Deus abençoaria o mundo inteiro.

 

d.     Deus afirma que esta aliança com Abraão seria generacional (Gn 17.7), isto é, com toda sua geração. Deus não estava assumindo um pacto apenas com Abraão, mas com sua descendência, para todo sempre.

 

e.     Que esta aliança teria um símbolo: “Todo macho entre vós será circuncidado”(Gn 17.10).

 

Este seria o sinal que todo judeu piedoso teria: Seus filhos deveriam ser circuncidados ao oitavo dia, por todas as gerações. Era o sinal visível de um pacto invisível. Este rito seria a referência de Deus com seu povo, eleito e chamado, para seu propósito.

 

Os anos se passaram, cerca de 400 anos desde a morte de Abraão até o chamado de Moisés. O povo obedecia a Deus e em cada ato de circuncidar o filho, lembrava que este era o sinal de um pacto de Deus com seu pai Abraão. Abraão circuncidou seus filhos e também todos seus escravos. Isaque fez isto em Jacó que por sua vez circuncidou seus filhos. Este era um ato de fé (Deus havia feito uma aliança com este povo), e de esperança (Deus continuaria derramando seu favor sobre a próxima geração).

 

Ao instituir um pacto, Deus deu o seu sinal. Quando Deus fez o pacto com Abraão, foi-lhe dado a circuncisão (Gn 17.9-14), uma cirurgia no órgão genital masculino. Deus afirmou a Abraão: “A minha aliança estará na vossa carne” (Gn 17.13), e deveria ser feito em todos aqueles que nascessem sob o signo desta aliança que Deus fez com este patriarca (Gn 17.9).

 

Mas o povo foi para o Egito e as influências de uma cultura dominante começaram a desviá-lo de seus ritos e compromissos assumidos entre Deus e seu povo. O problema da cultura pode ser bem percebido na vida de Moisés e na sua atitude em relação ao rito da circuncisão. Moisés sempre viveu distante do povo hebreu, passou quarenta anos no palácio e depois quarenta anos ao lado de Jetro, que era Sacerdote de Om, e servia a deuses pagãos. O rito da circuncisão se tornou esquecido e irrelevante para sua vida, quando seus filhos nasceram, ele não se preocupou em fazer a circuncisão de seus filhos, afinal, talvez pensasse: “Isto realmente é importante?”

 

O que levou Moisés a ignorar e não circuncidar seus filhos?

 

a)    Antes de mais nada, a influencia das culturas com as quais conviveu – Ele havia sido educado no palácio de Faraó, e posteriormente influenciado pela religião sincrética do sogro. Convivendo com grupos diferentes, desconsiderou sua herança e provavelmente, até mesmo questionou o sua validade.

 

b)    Outra razão possível: Moisés se esqueceu do valor dos pactos – Esvaziou os ritos de fé, negligenciando-os. Talvez considerasse alguma coisa violenta ou esdrúxula demais, e se, esqueceu das ordenanças de Deus. 

 

O tempo mudou, Moisés foi criado dentro de um palácio e talvez pensasse que este ritual era antiquado, costume dos antigos, e precisava de uma nova formulação, Afinal, ele havia estuando na avançada Universidade de Cairo, a mais importante do mundo antigo.

 

Por outro lado, Zípora era filha de um sacerdote de Mídiã (Ex 2.16), Cresceu numa cultura religiosa alheia ao Deus dos hebreus. A ideia de um Deus tribal, do clã, era ainda muito forte naqueles dias, e naturalmente este pacto não fora aceito pela esposa de Moisés, se é que alguma vez Moisés levantou esta questão com sua esposa (Ex 4.25). Talvez Moisés não tenha se lembrado, ou quem sabe este fato lhe parecesse irrelevante. A verdade é que Moisés não circuncidou seus filhos. Por ser um rito antigo, talvez fosse não parecesse mais fazer sentido. O contacto com culturas diferentes o fez perder a perspectiva dos princípios de Deus.

 

Assim como Moisés corremos o risco de sermos absorvidos por uma cultura de adaptação e desprezarmos o valor dos símbolos e ritos. Somos mais tolerantes com valores morais pervertidos hoje que nossos pais. Abdicamos de determinados compromissos e ritos em nome da modernidade.

 

Por esta razão é tão comum encontrarmos:

  • Pessoas que fazem aliança do casamento, e depois a desprezam.
  • Fazem compromissos como líderes, aceitando os símbolos de fé da igreja, prometendo lutar pela pureza e fidelidade da igreja, mas desprezam seus votos.
  • Fazem compromissos no batismo, ao assumirem sua fé diante de Deus, e se distanciam de Deus
  • Fazem compromissos ao batizarem seus filhos, levando-os a Deus, tendo a igreja como testemunha, mas logo se esquecem dos votos assumidos.

 

Um dia um casal com certa ligação distanciada com a igreja e familiares da nossa comunidade, me procurou pedindo para que eu batizasse seus filhos.

 

Sabendo do seu descompromisso com Deus e com a igreja, expliquei-lhes o valor e a benção do batismo, e as implicações do ato de batizar suas crianças, trazendo-as e consagrando-as a Deus. Eles aparentemente entenderam o significado e a seriedade do rito. Finalmente lhes disse que, antes dos pais trazerem seus filhos, eles devem também assumir a fé, porque caso contrário, fariam votos que não poderiam cumprir, como o de orar por eles e trazê-los à igreja, para que aprendam a amar a igreja de Cristo. Eles disseram que entendiam isto. Ainda temeroso de que, apesar de concordarem comigo, eles pudessem não estar ainda conscientes da seriedade dos votos, lhes disse que batizaria seus filhos, se eles começassem a assumir sua fé, vindo à igreja, e trazendo seus filhos regularmente à igreja. Eles se comprometeram começaram a vir a igreja, não de forma tão regular, mas começaram a participar dos cultos. Diante da resposta, finalmente fizemos o batismo.

 

Pelo que me consta, este foi o último culto que vieram. Responderam sim a todas as questões, fizeram o batismo de seus filhos, mas não cumpriram seus votos. Era apenas uma formalidade religiosa, ou talvez social, já que no dia do batismo, alguns membros da sua família estavam presentes.

 

O que precisamos saber sobre os ritos?

 

1.    Ritos podem ser superficiais e banais na sua compreensão, ou podem ser compromissos sérios, assumidos diante de Deus.

 

Pense no rito da troca da aliança de um casamento.

Uma aliança garante fidelidade e amor? Não! Mas em que sentido ela é importante? Ela nos faz lembrar que um dia, juramos diante de Deus e dos amigos, que estaríamos assumindo o compromisso de cuidar de nossa esposa, na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, até que a morte nos separasse. O anel se tornou um símbolo de um “pertencimento”. Assumimos uma aliança com alguém.

 

Esta aliança não vale nada? Pelo contrário, ela é muito importante.

As pessoas podem desprezar os símbolos e banalizá-los, ou até mesmo ironizá-los, mas um rito espiritual é um rito espiritual. Seu valor não deve ser ignorado.

 

2.    O rito aponta para algo maior.

 

Pense nos ritos costumeiramente realizados em nossa igreja: O Batismo e a Santa Ceia. Sabe qual é a melhor definição de um sacramento? “Sinal visível de uma graça invisível”. O pão e o vinho não são literalmente, corpo e sangue de Cristo, mas eles apontam para algo maior e substancial. A morte de Cristo a nosso favor. A teologia reformada afirma que há uma presença real e espiritual na Santa Ceia, por isto ela é considerada um meio de benção para nossas vidas. Os cristãos não devem ser afastar da Ceia, já que ela nos traz bençãos. 

 

Da mesma forma quanto ao batismo: A água, não tem poder salvífico em si mesmo. Não somos salvos porque colocamos água na cabeça. O batismo não é “ex opera operando”, como afirma a teologia católica, ou seja, eficaz em si mesmos. O símbolo sem o simbolizado nada vale, assim como o significado sem o significante. Batismo e Santa Ceia podem se tornar um sacrilégio, quando brincamos com os ritos e os desprezamos.

 

Entretanto, toda pessoa temente a Deus, que faz seus votos e se batiza sabendo o que está fazendo, com alegria e desejo de um compromisso com Cristo, sente um enorme prazer em fazer isto. Este é o sinal de seu compromisso público com Cristo. A água derramada sobre sua cabeça o faz lembrar da obra maravilhosa e interna do “lavar regenerador e renovador do Espírito Santo” (Tt 3.5). A água é apenas água, mas no ato do batismo, ela nos lembra que Jesus lavou meus pecados, e estamos limpos aos olhos de Deus.

 

3.    Para o mundo espiritual, símbolos não são coisas dispensáveis. O diabo leva a sério os ritos que as pessoas fazem.

 

Já percebi muita influência maligna na vida de pessoas, em alguns casos causando até mesmo enfermidades graves. Há muitos que vivem debaixo de opressão maligna, vivem como aquela mulher Siro-Fenícia que disse a Jesus: “Senhor, tem misericórdia de mim, a minha filha está horrivelmente endemoninhada”. O termo “endemoninhado”, tem na sua raiz a ideia de “ninho”. Ela estava percebendo que o demônio tinha aninhado na vida de sua filha, e por isto ela estava à mercê de tanta confusão e vida emaranhada. Ela sabia também que a ação do diabo estava impactando negativamente todo o sistema e ambiente familiar. Como ter um ninho do diabo e ainda assim ter paz?

 

Apesar de tantas vezes ter visto a influência do diabo na vida de lares e pessoas, poucas vezes lidei com casos de possessão maligna quando é necessário confrontar o diabo que assume a personalidade de outra pessoa. Em duas destas ocasiões, o espírito maligno reivindicava o direito sobre suas vidas, porque os pais haviam participado de ritos de consagração na vida destas pessoas quando elas eram ainda crianças.

 

Numa delas, a jovem era de família macumbeira, que a conduziu a um terreiro e derramou sangue sobre sua cabeça num ritual de iniciação consagrando-a às entidades. Na outra, os pais consagraram a filha num ritual de candomblé ao lado de uma cachoeira, fazendo pactos com o diabo num rito de banho de pipoca. Nestas situações tão assustadoras, os demônios afirmavam que não sairiam daquelas pessoas porque seus pais as haviam consagradas a eles.

 

Rituais nada valem?

Então, porque Satanás insistia em não abandonar aquelas vidas e as reivindicava como suas? Se ritos nada valem, então nós cristãos poderíamos participar de cerimonias espirituais de religiões animistas no Brasil? Você faria isto? Se acha que nada valem, então porque não fazer? 

 

Um cristão não participa de rituais malignos, não entra numa roda para receber passes, nem leva seus filhos a ritos marcados por idolatria, exatamente porque sabe que o maligno se manifesta nestes rituais, e ele deve se distanciar de qualquer envolvimento com ídolos ou cerimonias pagãs. Não brinque com isto...

 

4.    Para Deus, símbolos não são coisas dispensáveis - Se para Deus, o rito não é importante, por que instituiu a circuncisão no Antigo Testamento e o batismo no Novo Testamento? 

 

Batismo tem uma dimensão sacramental, isto é, é mais que um memorial e ritual, contém o conteúdo de benção e graça celestiais inerentes no ato, apesar de que, ritos vazios não trazem qualquer benção, ainda hoje, muitas pessoas fazem os ritos apenas de forma externa. O rito de si mesmo nada vale, sem os votos e compromissos, mas os ritos tem profundo valor quando atrelados à obediência e ao compromisso com Deus. Por esta razão todo aquele que entrega sua vida a Jesus, deve ser batizado em nome do Pai, do filho e do Espírito Santo. (Mt 28.1-8-20) O rito é importante.

 

Quando batizamos, estamos declarando que entendemos a obra de Deus em nosso coração e nos firmamos nas suas promessas. O batismo é um mandamento de Cristo, e um símbolo de nossa inserção na sua vida. O batismo aponta para esta realidade de que fomos purificados pelo sangue, e a água é o símbolo da lavagem do nosso corpo.

 

A Confissão de Fé de Westminster, ao falar dos sacramentos afirma que eles “são santos sinais e selos do pacto da graça, instituídos por Deus para representar Cristo e seus benefícios” (CFW 8 & 1), e que “em todo sacramento ha uma relação espiritual ou união sacramental entre o sinal e a coisa significada, e por isso os nomes e efeitos de um são atribuídos ao outro.” ((CFW 8 & 2). O sacramento do batismo, ainda segundo a CFW contém uma promessa de beneficio aos que dignamente o recebem”, e que, “a graça significada nos sacramentos ou por meio deles, quando devidamente usados, não é conferida por qualquer poder neles existentes.” (CFW 27 & 3)

  

5.    Considere ainda outro rito: a imposição de mãos. Paulo afirma a Timóteo: “Não menosprezes o dom que há em ti, o qual te foi dado por profecia, com a imposição das mãos do presbitério” (1 Tm 4.14).

 

Não é interessante achar que apenas o dom é importante e que a imposição de mãos teria menor importância? Por que Paulo usa o argumento da imposição de mãos para validar o dom espiritual dado por profecia? Porque a imposição de mãos, apesar de ser um rito, é algo muito valioso.

 

Já pararam para considerar a dimensão de um rito de ordenação de pastores, presbíteros e diáconos? Numa cerimônia de ordenação, estamos vinculados a uma linhagem que procede deste os tempos apostólicos? Nossos antigos pastores nos ordenaram, porque tinham recebido a incumbência também pela ordenação de outros ainda mais antigos que eles, e da mesma forma fazemos agora com a próxima geração.

 

Conclusão

 

Voltemos novamente ao que aconteceu com Moisés.

Encontrou-o o Senhor numa estalagem e o quis matar” (Ex 4.24).

 

É uma linguagem forte. Precisamos usar um pouco de imaginação para entender o que está acontecendo nesta narrativa. O texto não descreve todos os detalhes, mas podemos entender que algo apavorante está acontecendo com Moisés. Ele não era uma criança, e já havia visto muita coisa na vida, mas algo pavoroso aconteceu naquela estalagem. Ele gritava para Zípora, pedindo-a que circuncidasse seus dois filhos e ela não estava entendendo muito bem ou fez de conta que não entendia. Moisés pedia que pegasse seus filhos, talvez pré adolescentes que estavam viajando com eles e... cortasse a pele do prepúcio deles... para que Deus não o matasse.

 

Zípora nunca tinha visto algo tão grotesco... imagine sua resistência. Moisés pedindo coisas aparentemente desconexas. Aquele homem manso de repente perde o controle da situação e não consegue falar coisa com coisa. Estes ritos não faziam parte da ancestralidade religiosa de Zípora. Seu pai era um sacerdote mas nunca havia falado disto. Talvez Moisés já tivesse tocado neste assunto, mas aquilo nunca fora seriamente considerado por eles, e agora Moisés grita desesperado pedindo para que o rito fosse feito para que ele não morresse. Será que isto fazia sentido na cabeça de Zípora? Talvez ela tivesse até pensado: “E depois falam que as mulheres é que são loucas e emocionais...”

 

Agora vem a etapa dolorida desta trama. Pegar os filhos, tirar-lhes as roupas, chamar os servos, que não tinham qualquer experiência numa cirurgia e sem anestesia, sem higiene, no meio do deserto, no tranco, fazerem a fimose. Um processo demasiadamente dolorido durante o ato em si, e bem traumático na cicatrização. Quando feito ao oitavo dia é bem tranquilo e a recuperação é surpreendente. Pesquisadores descobriram que o oitavo dia é o melhor dia que um ser humano terá em toda sua vida, para cicatrização de um processo cirúrgico, só Deus realmente poderia saber disto exigindo que seu povo circuncidasse seus filhos ao oitavo dia.

 

Porque Deus é tão rigoroso na questão da circuncisão?

 

  1. A circuncisão reafirma que o pacto não era apenas com o povo de Israel, mas com seus filhos.

 

No batismo infantil, da mesma forma, existe o que chamados de Premissa Maior: Todos participantes do pacto da graça devem receber o sinal de tal pacto, e a Premissa Menor: as crianças, filhos dos crentes são também participantes do pacto da graça. Por isto, as crianças, os filhos dos crentes em Cristo, devem também receber o sinal do pacto da graça, a menos que não creiamos que as crianças, filhas de pais crentes não são participantes do pacto da graça. Desde o Antigo Testamento, estamos debaixo do mesmo pacto e assim é o Novo Testamento. Em Colossenses 2.11-12 Paulo traça um paralelo entre batismo e circuncisão; aqueles que eram então circuncidados, devem agora ser batizados. Este sinal da aliança agora é dado também às mulheres, conforme está escrito em At 8.12.

 

  1. A circuncisão reafirma o princípio de que os filhos pertencem a Deus. São herança bendita do Senhor.

 

Por que Deus deu ao seu povo, um sinal tão específico quanto o da circuncisão? Não poderia ser um sinal mais simples? Que significado este rito traz? 

 

Deus na verdade apontando para a reprodução. O sinal é no órgão reprodutor masculino. Tem a ver com as novas gerações. Deus sempre esteve interessado não apenas em que nós lhe pertencêssemos, mas que igualmente nossos filhos fossem seus.

 

Veja o que diz Is 65.23:

Não trabalharão debalde, nem terão filhos para a calamidade, porque são a posteridade bendita do Senhor, e os seus filhos estarão com eles.”

Uma outra versão bíblica é ainda mais radical nas suas premissas:

Não trabalharão inutilmente, e seus filhos não serão condenados à desgraça. Pois são um povo abençoado pelo Senhor, e seus filhos também serão abençoados. (Nova Versão Transformadora)”

Moisés perdeu a dimensão da sacralidade da instituição da circuncisão aos seus filhos, e Deus foi rigoroso com ele. Ritos não meros ritos quando administrados corretamente em obediência ao mandamento de Deus. Por isto a circuncisão foi importante, o batismo é importante, e a Santa Ceia também.

 

E se aplicássemos este mesmo rigor que Deus aplicou a Moisés por não ter obedecido sua ordem de circuncidar os filhos, àqueles que insistem em esvaziar os ritos? Já vi pessoas convertidas hesitando em se batizar porque consideravam o rito como algo de pouca importância. Em contrapartida, sempre percebo que aqueles que tiveram uma experiência de conversão, em geral, ficam com grande expectativa sobre seu batismo e profundamente emocionados quando se submetem a este rito bíblico.

 

Ritos de obediência são abençoadores. O Batismo é um meio de graça aos que o recebem. O batismo infantil é um selo, cuja responsabilidade é assumida pelos pais e transmite graça aos filhos. Se assim não fosse, não haveria qualquer sentido em ser praticado.  Ao fazermos isto estamos afirmando que "nossos filhos são do Senhor", como o próprio Deus afirma que seriam, e o batismo se torna o selo desta aliança. 

 

Apesar das reclamações de Zípora, a Bíblia afirma que assim que a circuncisão foi realizada, Deus deixou Moisés ir livremente (Ex 4.26).

 

 

 

Pregado em Anápolis, 11 Outubro 2009

Refeito Setembro 2021