quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Ec 3.16-4.3 Inquietações


 

Introdução:

 

Meu filho tinha apenas 14 anos quando resolveu namorar uma garota que não temia a Deus, mas era uma das mais bonitas de sua sala. Quando tentamos explicar que porque ele não deveria levar adiante tal relacionamento, ele ficou revoltado e disse: “It’s not fair!” (não é justo!) E passou a defender seu ponto de vista dizendo que Deus não poderia fazer isto, afinal, se ele não podia namorar uma garota por quem estava se sentindo atraído, porque Deus então havia permitido este sentimento?

A reação de meu filho reflete muito bem outras inquietações muito maiores e desafiadoras.

Como lidar com grandes tensões filosóficas que mexem com nossa mente?

Você nunca se sentiu perplexo quando teve que lidar com grandes questões que pareciam não ter respostas lógicas?

 

O texto abaixo, do Pr. Ricardo Gondim, parece tocar nesta questão:

Quem Deus ouviu primeiro?
Ricardo Gondim

No domingo, 26 de dezembro, cantamos Noite Feliz, Noite de Paz. A igreja lotada com cerca de duas mil pessoas, se comovia com o coral de homens e mulheres sorridentes, vestidos de batas prateadas. Celebramos uma autêntica noite de paz. Um holofote de luz azulada se refletia nas roupas colorindo todo o ambiente de uma penumbra bucólica. Apesar do verão em nosso hemisfério, um frio tímido e gostoso nos envolvia, dando a falsa impressão de um natal europeu. Em pé, cantamos que Deus é supremo e afirmamos, de olhos úmidos, que não há outro além do Senhor.

Naquele mesmo momento, na Ásia, os primeiros raios da madrugada da segunda-feira, dia 27, iluminavam o rosto inchado de crianças boiando em charcos de lama. O domingo terminara sem nenhum coral perfilado e sem cultos em nenhuma igreja. Só ressoavam gritos de mulheres, milhares delas, que mesmo acostumadas à miséria, nunca aprenderam a aceitar a morte. Na Índia, Sri Lanka, Tailândia, Indonésia, não houve noite de paz e ninguém “dormiu em derredor”.

Deus ouvia quem? Nosso culto intimista ou o caos asiático? Ele conseguia se manter atento à nossa gratidão pela mesa farta que devoramos dois dias antes, ou se curvava ao clamor dos órfãos do tsunami? Deus percebeu nossos olhos comovidos pelo presépio improvisado por nossos filhos ou atentava ao choro da viúva solitária? Será que o Senhor considerou ridículo o sermão do pastor que naquele momento prometia, um ano novo de prosperidade e que o Todo Poderoso cumpriria os desejos de um auditório egocêntrico? Será que Deus pode ser tão perfeito que consiga separar tão perfeitamente momentos simultâneos?

Não consigo dormir faz três dias. Permaneço em estado de choque pelo que vi. Não esqueço aquela cena das pessoas num ponto de ônibus, agarradas umas às outras, gritando desesperadas por um socorro que não veio. Chorei quando a televisão mostrou o desespero de um pai desmaiado por haver presenciado o resgate do corpo de seu filho de um monturo de lixo. Não me considero um exemplo de sensibilidade, e nem minha empatia pela sorte dos desvalidos serve de modelo para a humanidade. Se eu que sou mau, não consigo continuar impassível diante de cenas tão chocantes, Deus conseguiria?

Admito que esses meus questionamentos não ajudam a dar respostas sobre uma teodicéia convincente. Sei o que os filósofos e teólogos perguntam: “Se Deus é onipotente e bom, como pôde acontecer tamanha tragédia? Se Ele é onipotente e nada fez, resta-nos pensar que não é bom. Se é bom e não tomou nenhuma iniciativa, temos que deduzir que não é onipotente”.

Alguns respondem que na sua providência eterna, Ele sabe o que faz e que seus “atos divinos” não podem ser argüidos por nós, meros vasos de desonra; Deus dá vida e mata quem quiser. Confesso que já tentei, mas cheguei à conclusão que não há nenhuma força persuasiva no universo que me convença desses argumentos. Não aceito que Deus, para alcançar seu propósito, produza um sofrimento brutal em tanta gente miserável, que não pediu para nascer na beira de uma praia paupérrima. Outros argumentam que Deus não pode ser responsabilizado por um holocausto, pelos simples fato de que não foi Ele quem colocou as pessoas pobres naquela situação de extrema miséria. Esses afirmam que embora Deus já soubesse todos os desdobramentos do terremoto, não fez nada, porque queria manifestar sua glória a um mundo rebelde. Será que a glória de Deus custa tão caro? Meu coração continua insatisfeito.

Acredito que diante duma tragédia dessa magnitude precisamos repensar alguns conceitos teológicos. Por exemplo: o que significa a palavra Soberania; o que se entende por Onipotência? Conceitos como esses significam o quê dentro dos paradigmas das ciências sociais pós-modernas? Será que não estamos insistindo em ler as Escrituras com as mesmas lentes dos medievais? Não projetamos para a Divindade as mesmas idéias que eles nutriam sobre seus reis déspotas?

Estou convencido que a teologia clássica não responde mais às indagações que nascem diante de eventos fortuitos que matam indiscriminadamente; sequer consegue lidar com a aleatoriedade quântica ou com os movimentos despropositais da natureza. Sinto que a mensagem evangélica utilitária e geradora de sentimentos ensimesmados, perdeu seu sentido, mesmo tendo dominado o cristianismo ocidental por séculos.

Admito que não há respostas fáceis. Eu não saberia como consolar os parentes das mais de sessenta mil pessoas mortas – um terço eram crianças. Porém, estou certo que precisamos rever os alicerces em que montávamos nosso edifício teológico.

Hoje sei que Deus não nos criou com o intuito de micro gerenciar todos os nossos atos. Ele não queria que formássemos sistemas religiosos em que O responsabilizaríamos por triunfos e tragédias humanas. Precisamos tomar cuidado quando afirmamos: Deus é amor! O que essa frase significa em relação à Sua ausência misteriosa? Quais as últimas implicações do Seu desejo de se relacionar com a humanidade? A não-onipotência de Jesus Cristo é semelhante à não-onipotência de Jeová?

Só uma réstia da revelação brilha em minha alma: o Deus da Bíblia soberanamente criou o universo, mas ao formar mulheres e homens, abriu mão de sua Soberania para estabelecer relacionamentos verdadeiros. Ele não se despojou de sua natureza onipotente, que por definição não podia fazer, mas se esvaziou de suas prerrogativas divinas – evidenciadas em Jesus Cristo.

Não, Ele não pôde evitar a catástrofe asiática. Assim, sinto que a morte de milhares de pessoas, machucou infinitamente mais o coração de Deus do que o meu – o sofrimento é proporcional ao amor. O pouco que conheço sobre Deus e sobre seu caráter me indica que há muitas lágrimas no céu.

Mas Deus podia e pode se fazer presente no meio da tragédia. Ele podia ter evitado muitas mortes, se déssemos ouvidos aos seus princípios e verdades e a humanidade usasse o dinheiro gasto em armas e bombas para viver num mundo mais justo. Bastava que um sistema de alarme, construído pelos homens, tivesse soado e muitas vidas teriam sido poupadas. Agora, o rosto de Deus se evidenciará nos pés e nas mãos de cada voluntário que acudir aos que choram.

Continuo perplexo diante de tudo o que nos sobreveio e sem todas repostas, mas espero que minhas intuições estejam me conduzindo no rumo certo.

Soli Deo Gloria

 

Certamente a questão da soberania de Deus tornou-se um ponto de tensão para o autor. A resposta do teísmo aberto ou da teologia relacional, parece resolver algumas coisas, mas trata-se de um equívoco. No entanto, muitas questões e inquietações estão sempre tangenciando áreas de nossa vida, e para as quais não encontramos respostas. Uma pessoa que havia perdido seu namorado num grave acidente de carro, no qual 4 jovens da mesma idade morreram, me perguntou porque, e eu não quis tentar resolver. Não há respostas fáceis em tais situações. Neste caso apenas a abracei e disse: “Eu não sei responder, mas quero participar de sua dor...”

 

O autor de Eclesiastes suscita três questões:

 

  1. A vida não parece ter coerência – “Vi ainda debaixo do sol que no lugar do juízo reinava a maldade e no lugar da justiça, maldade ainda” (Ec 3.16). Para o autor, a vida parecia não seguir um sequenciamento lógico. O mesmo sentimento vemos em outros autores bíblicos:

 

    1. Jó – leia atentamente a forma como Jó lida no meio da sua dor. Algumas questões simplesmente não faziam sentido para o seu coração. “Olhai para mim e pasmai; e ponde a mão sobre a boca; porque só de pensar nisso me perturbo, e um calafrio se apodera de toda a minha carne. Como é, pois, que vivem os perversos, envelhecem e ainda se tornam mais poderosos? Seus filhos se estabelecem na sua presença; e os seus descendentes, ante seus olhos. As suas casas têm paz, sem temor, e a vara de Deus não os fustiga. O seu touro gera e não falha, suas novilhas têm a cria e não abortam. Deixam correr suas crianças, como a um rebanho, e seus filhos saltam de alegria; cantam com tamboril e harpa e alegram-se ao som da flauta. Passam eles os seus dias em prosperidade e em paz descem à sepultura. E são estes os que disseram a Deus: Retira-te de nós! Não desejamos conhecer os teus caminhos. Que é o Todo-Poderoso, para que nós o sirvamos? E que nos aproveitará que lhe façamos orações? (Jó 21.6-15).

 

    1. Asafe- Este músico cristão, também enfrenta enormes tensões na sua vida. Veja o seu desabafo: “Com efeito, Deus é bom para com Israel, para com os de coração limpo. Quanto a mim, porém, quase me resvalaram os pés; pouco faltou para que se desviassem os meus passos. Pois eu invejava os arrogantes, ao ver a prosperidade dos perversos. Para eles não há preocupações, o seu corpo é sadio e nédio. Não partilham das canseiras dos mortais, nem são afligidos como os outros homens. Daí, a soberba que os cinge como um colar, e a violência que os envolve como manto. Os olhos saltam-lhes da gordura; do coração brotam-lhes fantasias. Motejam e falam maliciosamente; da opressão falam com altivez. Contra os céus desandam a boca, e a sua língua percorre a terra. Por isso, o seu povo se volta para eles e os tem por fonte de que bebe a largos sorvos. E diz: Como sabe Deus? Acaso, há conhecimento no Altíssimo? Eis que são estes os ímpios; e, sempre tranqüilos, aumentam suas riquezas. Com efeito, inutilmente conservei puro o coração e lavei as mãos na inocência. Pois de contínuo sou afligido e cada manhã, castigado. Se eu pensara em falar tais palavras, já aí teria traído a geração de teus filhos. Em só refletir para compreender isso, achei mui pesada tarefa para mim; até que entrei no santuário de Deus e atinei com o fim deles. Tu certamente os pões em lugares escorregadios e os fazes cair na destruição. Como ficam de súbito assolados, totalmente aniquilados de terror! Como ao sonho, quando se acorda, assim, ó Senhor, ao despertares, desprezarás a imagem deles. Quando o coração se me amargou e as entranhas se me comoveram, eu estava embrutecido e ignorante; era como um irracional à tua presença” (Sl 73.1-13).

 

    1. Habacuque – Este profeta ora para que Deus livre o seu povo da invasão dos caldeus, e Deus simplesmente afirma que aquela ordem havia sido dada por ele mesmo. Então o profeta se perde nas suas inquietações: “Tu és tão puro de olhos, que não podes ver o mal e a opressão não podes contemplar; por que, pois, toleras os que procedem perfidamente e te calas quando o perverso devora aquele que é mais justo do que ele? Por que fazes os homens como os peixes do mar, como os répteis, que não têm quem os governe?” (Hab 1.13-14).

 

Estas são as mesmas questões que a serpente levantou no paraíso: “ Será que faz sentido isto tudo?”…  “As ordens de Deus não fazem sentido: Pode pecar que não ha juízo”. A vida é incoerente e não ha como resolver tais  contradições…

§  Justos a quem sucedem coisas ruins…

§  Velhos “precisando” e continuando vivos, enquanto jovens e crianças tem suas vidas ceifadas na flor da idade.

 

  1. Animais e homens parecem ter a mesma essência – Esta é a terceira tensão que inquieta o coração de Salomão:  “Porque o que sucede aos filhos dos homens sucede aos animais; o mesmo lhes sucede: como morre um, assim morre o outro, todos têm o mesmo fôlego de vida, e nenhuma vantagem tem o homem sobre os animais; porque tudo é vaidade. Todos vão para o mesmo lugar; todos procedem do pó e ao pó tornarão. Quem sabe se o fôlego de vida dos filhos dos homens se dirige para cima e o dos animais para baixo, para a terra?” (Ec 3.19-20).

 

Quem diz que existe alguma diferença entre a morte de um cão e a de um homem? Eu me recordo da minha infância, quando sempre ouvi este mesmo argumento de meu tio que era pagão.

Estranhamente, é este mesmo autor que levanta tais inquietações, que posteriormente concluirá de forma completamente diferente a sua ideia, ao afirmar em Ec 12.7: “O pó volte a terra como era, e o espírito volte a Deus, que o deu”. Por ser espiritual, tal homem deverá se apresentar a Deus e dar conta de sua vida.  

Esta é uma visão bem clara da bíblia:

    1. 2 Co 5.10 – “Porque importa que todos nós compareçamos perante o tribunal de Cristo, para que cada um receba segundo o bem ou o mal que tiver feito por meio do corpo”.
    2. Hb 9.27 –“E, assim como aos homens está ordenado morrerem uma só vez, vindo, depois disto, o juízo”.

 

No entanto, neste momento, o autor de Eclesiastes está sendo absorvido por estas inquietações que ele não sabe muito responder.

 

  1. A vida parece ser uma sucessão de acasos: “Vi ainda todas as opressões que se fazem debaixo do sol: vi as lágrimas dos que foram oprimidos, sem que ninguém os consolasse; vi a violência na mão dos opressores, sem que ninguém consolasse os oprimidos. Pelo que tenho por mais felizes os que já morreram, mais do que os que ainda vivem; porém mais que uns e outros tenho por feliz aquele que ainda não nasceu e não viu as más obras que se fazem debaixo do sol” (Ec 4.1-3).

O pregador vê a vida na perspectiva do nihilismo. A vida não possui qualquer consistência, por isto, morrer se torna uma opção filosoficamente muito mais plausível.

O verbo “ver”, conjugado na primeira pessoa, aparece aqui 3 vezes. O que ele vê?

§  Opressão - sem que alguém faça a defesa do oprimido.

§  Lágrimas – sem que alguém enxugue e console.

§  Violência – sem que alguém proteja, sem socorro.

 

O autor, na sua inquietação, chega à conclusão de que vivemos ao “deus-dará”. Entregues ao acaso e desmandos da própria incoerente e contraditória vida humana.

Quando ele se depara com tais situações, chega a conclusão de que “”viver é náusea”(vs. 2), uma linguagem certamente bem mais apropriada a Nietzsche, mas que agora é assumida pelo autor sacro.

 

Conclusão: Diante de tais afirmações, gostaria de tirar 3 conclusões práticas para nossa vida:

  1. Inquietações filosóficas afetam tiram nosso prazer e entusiasmo pela vida – Por isto temos que ter cuidado em saber anda nossa mente e que conclusões temos feito da vida. A sua mente é um campo de batalha, e por ser uma área estratégica, Satanás deseja de toda forma assumir seu controle. Quais pensamentos tem rondado sua vida, e que percepções você tem construído na história. Um pensamento secularista pode destruir sua cosmovisão cristã; uma vida constantemente elaborada em torno de pensamentos depressivos, pode ser fatal. M. Loyd Jones afirma que “auto análise é boa, mas a introspecção e mórbida...
  2. Inquietações filosóficas afetam nossa confiança em Deus- Asafe começa o salmo 73 dizendo: “com efeito, Deus é bom para Israel”, mas por causa da sua crise ele diz: “Quanto a mim, quase me resvalaram os meus pés”. Sua compreensão teológica de Deus precisa deve ser traduzida numa compreensão pessoal.

  1. Se nossas questões filosóficas não forem resolvidas elaboradas de forma profunda nunca seremos firmes em nossa vida espiritual: ,
    1. Asafe revela que teve que entrar no santuário de Deus. Encontrar-se com Deus, e resgatar os fundamentos de sua fé, foram essenciais para sua sobrevivência espiritual. Se não estivermos convencidos de que o cristianismo bíblico, ao ser levado às ultimas consequências, é coerente e faz sentido para nossa mente, nunca seremos bons cristãos.  
    2. A vida só encontra sentido quando achamos o sentido maior. A vida é muitas vezes paradoxal e contraditória. Se olharmos as pessoas ao nosso redor, as circunstancias e paradoxos, nunca encontraremos razão de viver. Somente em Deus, as coisas realmente farão sentido. O coração humano anseia por um significado eterna. Sem Deus, a vida é realmente caótica.

 

Em hebraico, existem vários nomes para Deus: Jeová-Jiré (O Deus da provisão); Jeová Tsebaoth (O Deus dos exércitos); El Shaddai (O Deus Todo poderoso); Curiosamente, no livro de Eclesiastes, o autor prefere Elohim, o Deus criador. O termo Iawé que se refere a um Deus pessoal, o Deus do pacto, não é usado sequer uma vez. O autor tem a concepção de um Deus grande, poderoso, mas não relacional; Criador, mas não pessoal. Não é, portanto, sem razão, que ele enfrenta estas graves inquietações no seu coração.

O profeta Isaias afirma: “Diz o Soberano Senhor, o Santo de Israel: "No arrependimento e no descanso está a salvação de vocês, na quietude e na confiança está o seu vigor, mas vocês não quiseram. Vocês disseram: ‘Não, nós vamos fugir a cavalo’. E fugirão! Vocês disseram: ‘Cavalgaremos cavalos velozes’. Velozes serão os seus perseguidores! Mil fugirão diante da ameaça de um; diante da ameaça de cinco todos vocês fugirão, até que vocês sejam deixados como um mastro no alto de um monte, como uma bandeira numa colina. Contudo, o Senhor espera o momento de ser bondoso com vocês; ele ainda se levantará para mostrar-lhes compaixão. Pois o Senhor é Deus de justiça. Como são felizes todos os que nele esperam!”(Is 30.15-18).

Nossa alma só encontra descanso, quando mergulha na abençoada dimensão da quietude e confiança que só pode ser encontrada no Senhor.

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