domingo, 18 de novembro de 2012

Mc 15.33-41 O desamparo de Deus


 
Introdução:


De acordo com os evangelhos, 7 frases foram proferidas por Jesus enquanto se encontrava na cruz:


"Mulher, eis ai teu filho; filho, eis ai tua mãe"
"Hoje mesmo estarás comigo no paraíso"
"Pai, perdoa- lhes, porque não sabem. Que fazem"
“Tenho sede"
"Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito"
"Tudo está consumado"
"Deus meu, Deus meu; por que me desamparaste”


Certamente todas estas frases trazem conceitos valiosos, hoje vamos estudar a última declaração. Qual é o significado deste brado de Jesus?

 

Para alguns, este lamento reflete apenas o sentimento que Cristo experimenta ali na cruz. Trata-se apenas de um sentimento.

Você mesmo deve ter experimentado este senso de orfandade e solidão. Quantas vezes a vi as pessoas dizendo que Deus se esqueceu delas, e que não sabem se Ele tem conhecimento das coisas que lhe estão acontecendo. Habacuque, Jeremias, Jó, foram alguns destes personagens que relatam seu sentimento de abandono. O salmista várias vezes expressa também esta sensação de abandono. “O teu Deus, onde está?”. Em determinados momentos de nossa vida, Deus parece desaparecer. Naturalmente Deus não cochila nem dorme, ele é o guarda de Israel . Quando tudo parece perdido, o encontramos nos lugares mais inusitados, como Agar, que no desespero foge de casa indo para o deserto e ali encontra Deus, e isto a impacta tanto que diz: “Certamente este é um Deus que vê”. Quando Jesus afirma "Deus meu, Deus meu; por que me desamparaste” ele poderia estar expressando este sentimento de desamparo. Aqui vemos o Filho de Deus, uma das três pessoas da Trindade, bradando ao Pai e perguntando sobre o sentimento de abandono que enfrenta. Aqui vemos Deus abandonando a Deus.

 

Para outros, este brado nos leva para o cerne do Evangelho e nos ajuda a entender porque Jesus precisou ser abandonado na cruz. Vemos aqui o paradoxo do Deus da vida enfrentando a morte, o Deus da comunhão desamparado, solitário e abandonado. Por que foi necessário tal abandono? Não é a Trindade a melhor comunidade como afirmou Leonardo Boff. O que este texto nos quer ensinar?

Neste caso, Jesus experimentou um abandono real de Deus. É exatamente isto que o evangelho nos ensina.

A morte de Cristo não é acidental, mas faz parte de um projeto de Deus para a humanidade.
Os teólogos chamam a isto de "Pacto da redenção", feito pelas três pessoas da Trindade nos tempos eternos. Deus fez o homem para viver com ele em plena comunhão, mas o homem decidiu viver de forma autônoma e independente, e pela sua rebeldia se distanciou e se afastou da comunhão com o Pai. Deus então vem em busca deste homem para restabelecer sua comunhão e restaurar o mundo consigo mesmo. Para isto, tomou algumas decisões:

 

A. Prometeu que enviaria um descendente de Eva para esmagar a cabeça da serpente. (Gn 3.15). Este é um anúncio de seu plano para a humanidade. E para demonstrar que a roupagem que o homem faz é ineficaz para cobrir sua vergonha e nudez, que seus esforços próprios são insuficientes, providenciou vestimentas para Adão e Eva, e os cobriu (Gn 3.21).

 

B. Preparou um povo, com a idéia dos sacrifícios e oferendas, para entender o sacrifício que seu amado Filho faria em resgate dos homens. A idéia do redentor e das ofertas substitutivas vai assumindo todas as figuras sacrificiais do AT. Ainda hoje nos assustamos com a quantidade de animais oferecidos no AT, mas isto nada mais era que uma forma de comunicar simbolicamente, seu plano final através do Cordeiro eterno que seria morto, afinal, "é impossível que o sangue de touros e bodes remova pecados". Então, porque eram feitos estes sacrifícios? O autor da carta aos hebreus afirma eram "sombras" ou "tipos" que apontavam para Jesus (Hb 10.1). Foi o método que Deus usou para que, didaticamente, o povo hebreu entendesse o sacrifício de seu filho na cruz.

 

C. A primeira epístola de Pedro, afirma que "fomos resgatados pelo precioso sangue,como de Cordeiro, sem defeito e sem mácula. Sangue este conhecido com efeito, antes da fundação do mundo, porém manifestado no fim dos tempos, por amor de vós" (1 Pe 1.18-20). O que podemos entender de tais afirmações? O sangue do Cordeiro foi conhecido "antes da fundação do mundo". Em Ap 13.8 lemos que Jesus é o Cordeiro que foi morto, "antes da fundação do mundo"? Afinal, quando Jesus morreu: há dois mil anos atrás, sob o poder de Poncio Pilatos, ou na eternidade? A resposta correta é que ambas estão corretas.

 

Ao juntarmos estes textos, percebemos que a morte de Cristo não foi um acidente de percurso, mas fazia parte essencial no projeto de Deus para nos reconciliar consigo mesmo. Jesus morreria, uma vez por todas, pelos homens. Por esta razão, Jesus foi sempre claro quanto à sua morte. Ele disse isto várias vezes aos seus discípulos. "Começou Jesus Cristo a mostrar aos seus discípulos que era necessário seguir para Jerusalém, sofrer muitas coisas dos anciãos... Ser morte e ressuscitado ao terceiro dia”(Mt 16.21). Sua morte não foi acidental, mas vital e necessária.

Sendo assim, morrer na cruz era seu inexorável destino. Sendo a cruz inevitável, então, porque ele afirma que estava desamparado, e pergunta ao Pai, porque ele o desamparara?
Ao morrer na cruz, Jesus estava assumindo o lugar de maldição em lugar da humanidade. O justo pelos injustos. “Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se ele próprio, maldição em nosso lugar, porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado em madeiro” (Gl 3.13). Ao morrer desta forma, ele estava atendendo uma necessidade legal, atendendo uma exigência que era feita pela lei. A Bíblia ensina que "A alma que pecar, essa morrerá" (Rm 6.23). Se Deus simplesmente ignorasse o nosso pecado e nos salvasse, ele não estaria sendo justo, pois quebraria sua própria lei.

C. S. Lewis, traduz isto muito corretamente no livro, "O leão, o feiticeiro e o guarda roupa", quando Aslam morre no lugar de Edmundo, por ele ter quebrado uma lei de Nárnia e ter traído seus irmãos. Sua sentença era condenação e morte, mas Aslam assume seu lugar.

 Se Deus quebrasse sua própria lei, seria como a atitude de um juiz iníquo, que conhecendo a lei, a ignora para proteger alguém. Se Deus agisse desta forma, seria injusto.
Ouvi falar de um juiz que teve que julgar seu próprio filho. A pena pelo delito que ele cometera era uma multa muito alta, e o juiz aplicou corretamente a multa que puniria seu próprio filho. Assim que leu a sentença, sabendo que seu filho na teria condições de assumir e resgatar sua culpa, ele sofreu a penalidade em seu lugar. Se ele apenas absolvesse seu filho, não teria sido justo. Foi assim que Deus fez. "Aquele que não conheceu pecado, Deus o fez pecado por nós, para que nele fossemos feitos justiça de Deus" (2 Co 5.21).

Este brado de dor na cruz revela a angústia que ele estava experimentando em si mesmo ao receber toda ira do julgamento de Deus sobre si. O profeta Isaias diz: “Certamente, ele tomou sobre si as nossas enfermidades e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus e oprimido. Mas ele foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniqüidades; o castigo que nos traz a paz, estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados...Todavia, ao Senhor agradou moê-lo, fazendo-o enfermar; quando der ele a sua alma como oferta pelo pecado, verá a sua posteridade e prolongará os seus dias; e a vontade do Senhor prosperará nas suas mãos” (Is 53.4,5,11).

O que fez Jesus na cruz? Ele assumiu todo pecado da humanidade. A sua dor e seu grito de solidão é resultante do fato de que ele, mais do que ninguém, sentiu a dor e desamparo que o pecado causa aos seres humanos, em toda sua intensidade.

A bíblia diz que Jesus enfrentou a maldição e o juízo de Deus em si mesmo. Ele se tornou maldito por nossa casa. Por isto Paulo afirma que "Justificados, pois, pela fé, temos paz com Deus" (Rm 5.1), e, "Nenhuma condenação há para aqueles que estão em Cristo Jesus" (Rm 8.1).

Jesus satisfez a justiça divina. A condenação que estava sobre nós foi paga. Deus imputa agora, a todos os que olham para esta cruz, a justiça de Cristo. A pena foi paga, e fomos declarados justos, absolvidos. Estamos livres aos olhos de Deus. Deus imputou esta justiça a nós que recebemos a Cristo em nossos corações. “Imputar” é atribuir a outrem, algo que ele não possui. Todo julgamento e condenação foram colocados sobre Jesus.  Seu brado reflete o desamparo e o peso do pecado. Toda ira e maldição foram colocados em Jesus.

No AT, os animais eram sacrificados, apontando para o sacrifício perfeito que seria realizado em Cristo. Agora, na cruz, vemos todas as profecias e todo o simbolismo do Antigo Testamento se cumprindo.

 

Conclusão:
Conta-se que um garotinho ganhou um lindo barquinho que havia sido feito artesanalmente pelo seu pai, e ele não cessava de admirar o mesmo. Um dia, após uma chuva, resolveu colocá-lo num pequeno rio que passava próximo à sua casa, mas a correnteza forte o arrastou, e o menino ficou ali chocado e chorando o seu presente perdido.  Alguns dias depois, passando pelo centro da cidade, viu seu barquinho à venda numa loja de artesanato. Tentou convencer o dono que aquele era o seu barquinho, mas o comerciante afirmou que o tinha comprado de um determinado homem, e que se ele quisesse reavê-lo teria de pagar o preço estipulado. Ele foi correndo para sua casa, para ver se conseguiria juntar o dinheiro para ter novamente seu presente de volta, e  depois de muito esforço, conseguiu reunir a grana, foi à loja, e readquiriu seu estimado bem. Ao sair dali, com seu barquinho, abraçava-o, e lhe dizia: agora você é meu, por duas razões: primeiro, foi meu pai quem o fez; segundo, eu o comprei.
Foi isto que Deus fez por nós. Ele nos fez para ele, para louvor da glória de sua graça, somos obra dele, mas nos distanciamos e nos privamos de sua companhia, agora ele envia seu próprio filho, e ele nos “comprou”, (este é um termo muito presente no NT), para que novamente voltássemos para ele, de onde nunca deveríamos ter saído.

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