Este texto nos
fala da experiência de adoração de dois irmãos: Caim e Abel. Tendo consciência
de Deus, saíram num determinado dia decididos a trazer-lhe uma oferenda. Alguma
coisa saiu errada naquele dia. Para Abel, o culto fluía, e Deus expressava seu
prazer; para Caim, a experiência era pesada e tensa. No final do culto, Caim
estava frustrado, cansado e tomou uma decisão impensada. Saiu do culto e matou
o seu irmão.
Ao analisarmos
o perfil destes adoradores vemos uma forma negativa outra positiva de adoração.
Adorar a Deus é uma realidade essencial do homem. Todos temos sede do sagrado.
Não é raro ouvir que um dos elementos perdidos na vida dos cristãos de hoje é a
adoração. Passamos um bom tempo na Igreja, mas será que isto significa que
estamos cultuando a Deus? Poucos tem parado para perguntar: "Qual é o
objetivo principal de minha vida?" ou, "qual é a razão de termos
reuniões nas Igrejas, ou ler a Bíblia e orar?" ou ainda, "Será que
Deus está sendo glorificado na forma em que vivo e como o cultuo?"
Adorar a Deus
não é assentar no banco da Igreja, ouvir um sermão, levantar as mãos para o
céu, sentir-se bem, dar o seu dízimo. É mais do que isto. Jesus diz que Deus
procura adoradores que o adorem "em espírito e em verdade" (Jo 4.23).
Quem são estes adoradores? Jesus fala também da falsa adoração: "Bem
profetizou Isaías acerca de vós, hipócritas, como está escrito: Este povo
honra-me com os lábios, Mas o seu coração está longe de mim" (Mc 7.6-7). "Em vão me adoram". Será que corremos este risco?
O que significa adorar ?
Caim e Abel
resolveram adorar o Senhor. Montaram seus holocaustos, criaram as estruturas, e
embora os dois oferecessem ofertas, apenas de "Abel e de sua oferta se
agradou o Senhor", porém, "de Caim e de sua oferta, Deus não se
agradou". Por que?
Muitas pessoas
afirmam que o problema de Caim foi trazer ofertas de grãos, já que o texto
afirma "Aconteceu que no fim de uns tempos trouxe Caim do fruto da terra
uma oferta ao Senhor" (Gn 4.3). Por ele ter trazido sementes e não ter
ofertado um sacrifício de animal, Deus teria recusado. No entanto, é importante
lembrar que, uma parcela das ofertas pacíficas que se trazia a Deus no livro de
Levítico era do fruto da colheita de cereais, como no caso das ofertas de
manjares (Lv 6.14-18) e das ofertas pacificas (Lv 7.11-21).
Para muitos
"adoração" tem a ver com formas, manifestações visíveis, emocionais,
entusiasmo, participação livre durante o culto, etc. Para outros, tem a ver com
reverência, se o culto apresenta alguma espontaneidade ou se torna celebrativo,
então não pode ser realmente um culto a Deus. Ao fazermos assim, confundimos
essência com acidente, método com fim, meios com propósitos.
Adoração na
Bíblia vai muito além de expressões. Tem a ver com o coração, por isto
interessam os motivos: Por que fazer? Por que ler a Bíblia, porque orar? Por que
servir?
John Burkhar
define adoração como "resposta de celebração a tudo que Deus tem feito, está
fazendo e promete fazer". Dr. Russel Shedd afirma: "para o verdadeiro
adorador, a pessoa de Deus é tão preciosa quanto um copo de água fresca num dia
de calor". Na vida de Caim e Abel, encontramos algumas pistas para
entender o que Deus espera de seus adoradores.
Exemplo Negativo: Qual foi o problema de Caim?
A. Sua oferta não era acompanhada de sua
pessoa - Deus não faz qualquer referência ao tipo de oferta que é oferecido
por Caim, mas ao "como" ele faz. O que ele dava não correspondia ao
que ele era. O que está em jogo aqui não é o tipo de oferta, mas de ofertante.
Quando a
igreja em Jerusalém passava por uma crise muito grande, os irmãos da Macedônia
resolveram fazer um levantamento de ofertas e enviar para seus irmãos que se
encontravam em outro país, e passavam por necessidades. Ao ver a disposição dos
mesmos, sabendo que eram de parcos recursos, Paulo os desobriga de tal oferta,
mas eles lhe rogaram que não o privassem desta benção de ajudar os outros. Ao
descrever a atitude e o coração daqueles irmãos, Paulo afirma o seguinte: "Porque
eles, testemunho eu, na medida de suas posses e mesmo acima delas, se mostraram
voluntários, pedindo-nos, com muitos rogos, a graça de participarem da
assistência aos santos. E não somente fizeram como nós esperávamos, mas também
deram-se a si mesmos primeiro ao Senhor, depois a nós, pela vontade de Deus" (2 Co 8.3-5).
Esta atitude
de "dar-se, primeiramente ao Senhor", é exatamente a atitude que Deus
requer do seu povo. Nenhum louvor, nenhuma oferta, por ser dissociada do
coração. Caim traz sua oferta, mas não traz a si mesmo. Ele entrega seus bens,
mas não entrega o seu coração. Antes de Deus rejeitar sua oferta, Deus rejeita
sua atitude. "De Caim e de sua oferta, não se agradou o Senhor".
B. Sua adoração não refletia seu interior - Ao trazer sua oferta, o que Caim faz durante
o culto que presta a Deus, não traduz o seu coração. Ele está com o coração
angustiado, sendo devorado pela inveja de seu irmão. Ao ofertar, pouco se
importa se Deus vai ser glorificado ou não pela sua atitude.
Existe um
texto sobre a vida de Saul que fala exatamente disto. Quando ele é confrontado
pela sua desobediência e rebeldia, ao invés de se quebrantar e humilhar em
confissão e arrependimento, ele tenta manter a pose de "bom garoto"
perante o povo de Israel, e diz a Samuel: "Pequei; honra-me, porém, agora, diante dos
anciãos do meu povo e diante de Israel; e volta comigo, para que adore o
SENHOR, teu Deus" (1 Sm 15.30). Saul não se importa com Deus, mas
com sua auto imagem. Ele não interessa em restabelecer sua comunhão com o Pai,
mas quer manter as aparências. Sua adoração não reflete o seu interior.
Ao lermos a
Bíblia veremos que esta é uma das grandes tentações do povo de Deus. O profeta
Isaías afirma: "De que me serve a mim a multidão de vossos
sacrifícios? -diz o SENHOR. Estou farto dos holocaustos de carneiros e da
gordura de animais cevados e não me agrado do sangue de novilhos, nem de
cordeiros, nem de bodes. Quando vindes para comparecer perante mim, quem vos
requereu o só pisardes os meus átrios? Não continueis a trazer ofertas vãs; o
incenso é para mim abominação, e também as Festas da Lua Nova, os sábados, e a
convocação das congregações; não posso suportar iniqüidade associada ao
ajuntamento solene. As vossas Festas da Lua Nova e as vossas solenidades, a
minha alma as aborrece; já me são pesadas; estou cansado de as sofrer" (Is 1.11-14).
O profeta Amós
também exorta o povo de Deus:
"Aborreço, desprezo as vossas festas e com as
vossas assembléias solenes não tenho nenhum prazer. E, ainda que me ofereçais
holocaustos e vossas ofertas de manjares, não me agradarei deles, nem atentarei
para as ofertas pacíficas de vossos animais cevados. Afasta de mim o estrépito
dos teus cânticos, porque não ouvirei as melodias das tuas liras" (Am 5,21-23).
Ao ver a
atitude do povo de Deus, aproximando-se da Ceia do Senhor de forma leviana,
Paulo exorta: "Nisto, porém, que vos
prescrevo, não vos louvo, porquanto vos ajuntais não para melhor, e sim para
pior" (1 Co 11.17).
Para Deus, o
que conta não é o ritual, formas, modelos litúrgicos, e sim a motivação. Como o
coração age diante de Deus.
C. Sua religiosidade "encobria" seus
motivos – Aparentemente Caim não estava presente com sua vida. Seus gestos
espirituais eram apenas cortina de fumaça para ocultar seu ódio, distanciamento
e inveja. Ele se oculta por detrás de
atos religiosos para não ter que lidar com a doença de sua alma. Ele mascara
sua condição de pecador, e tenta fazer uma representação aos olhos de Deus. Deus,
porém, não aceita tal condição. Foi exatamente contra esta atitude que Jesus
pregou um duro sermão em Marcos 7: "Respondeu-lhes: Bem
profetizou Isaías a respeito de vós, hipócritas, como está escrito: Este povo
honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim" (Mc 7.6).
Para Deus importa
não é o que fazemos, mas a "intencionalidade" de nossos atos. Quando
fazemos, de fato fazemos para Deus? A religiosidade de Caim tenta camuflar o seu terrível fracasso e o
ódio que seu coração experimenta.
Exemplo Positivo: Abel
Por outro
lado, vemos Abel ofertando e Deus encontrando prazer no que ele faz. O que Abel
fez de diferente? Sua espiritualidade refletia seu coração. O texto é enfático ao afirmar
que "de Abel e de sua oferta,
agradou-se o Senhor" (Gn 4.4). Mais uma vez percebemos a ênfase. Antes
de Deus se agradar do que Abel lhe traz, ele tem prazer na forma como ele lhe
traz. O problema é o coração. A forma como fazemos as coisas para Deus.
Isto nos leva
a considerar que:
a. Deus está mais
interessado em quem você é do que quem você representa- Adorar significa "render-se". Adoradores na Bíblia estão
"prostrados", são pessoas que reconhecem sua condição de fracasso e
colocam-se submissamente diante de Deus, como fazem os 24 anciãos no livro de
Apocalipse (Ap 4.10). Na tentação, Satanás
queria de Jesus um simples ato de adoração, mas para Jesus, um gesto de culto
não poderia ser desvinculado de adoração (Mt 4.9).
b. Deus está mais interessado
em você que em seus bens – Certa pessoa me disse que
gostava da igreja evangélica, mas não concordava com este negócio de dizimo.
Achava um absurdo que alguém tivesse que trazer 10% do que ganhava para seu
culto. Repliquei que esta leitura estava equivocada, Deus estava interessado em
muito mais. Deus não queria apenas o dizimo, mas queria ele todo. Que Deus não
queria seu dinheiro, mas queria sua pessoa e seu coração. O interesse de Deus é
bem mais amplo e profundo.
c. Deus está interessado
no culto que integra a vida, não em atos litúrgicos ou formas públicas de
adoração, já que esta implica em tirar a roupagem eclesiástica, desintoxicar-se
da embriaguez da teologia, desmistificar a forma, tirar as máscaras da piedade,
livrar-se dos "cosméticos". A
única opção é a confissão, e este é o único caminho que pode nos trazer de
volta a Deus.
d. Deus está mais
interessado no “como” faço do que no “que”
faço. Nosso Deus é zeloso. Não exige o que não podemos dar:
bens, dinheiro, riqueza. Mas se existe algo que ele abomina é a tentativa de
manipulação: entregar coisas estragadas, desprezar a mesa da adoração.
Conclusão:
O surpreendente no texto, é que, apesar de toda a
atitude errônea de Caim, o Senhor o procura para restaurá-lo. Quais são as
propostas de Deus para que a vida dele seja restabelecida?
1.
Deus o confronta com a essência de seu mal – (Gn
4.7) Deus
deseja mostrar a Caim sua necessidade de arrependimento, que ele precisa mudar
sua atitude. Quando Deus nos confronta só existem duas possibilidades para nós:
·
Negação – Neste caso,
criamos defesas, ignoramos a advertência, rejeitamos a confrontação, acusamos
quem nos acusa (Para Caim o acusador foi o próprio Deus). Adão, quando indagado
onde estava, reage agressivamente dizendo que ele estava nu, e que Deus nem
sequer respeitou sua nudez, invadindo sua privacidade (Gn 3.10), tenta
argumentar com Deus. Faz para si folhas de figueira (Gn 3.7), cria artifícios
baratos para ocultar seu mal. Isto é um paradigma da raça humana.
·
Confissão – Deus nos confronta e reconhecemos o
erro. Confissão é não-resistência, não-justificativa, não-proteção. Quando há
confissão, não confiamos mais em nossa capacidade de nos defender, mas na
capacidade de Cristo em nos perdoar. Não tentamos manter aparências, nem criar
subterfúgios, ou bodes expiatórios para nossas culpas. O nosso pecado é pecado
mesmo, tem cheiro e cor ruins. Davi diante da confrontação do profeta Natã, desaba
num reconhecimento dolorido de um segredo que ele julgava bem protegido: “pequei
contra o Senhor”. (2 Sm 12.13). Confissão é o caminho da restauração, não a
culpa ou o remorso. Confissão na Bíblia antecede a cura.
2.
Deus lhe oferece proteção e amparo – Na verdade,
o pecador merece o castigo pela sua falha, porque esta deve ser sua recompensa,
afinal de contas, o salário do pecado é a morte (Rm 3.23). Mas, ao invés disto,
vemos Deus oferecendo proteção a Caim. A Bíblia chama isto de misericórdia.
Deus deixa de dar aquilo que Caim merecia pelos seus atos. Caim se sente
profundamente acusado e amedrontado de tudo, e desenvolve um sentimento
paranóico, mas Deus vem ao seu encontro, oferecendo proteção e afirma que nunca
deixaria de defende-lo. Deus lhe oferece salvo conduto, e o tranqüiliza, dando
sua proteção.
3.
Deus concede um sinal a Caim, para que não fosse
mais acusado ou destruído pelo seu pecado. (Gn 4.15). Qual era o
objetivo daquele sinal? Deus afirma que lhe seria dado para que todo aquele que
o encontrasse, não o ferisse. Isto pode ser aplicado como uma tipologia da obra
de Deus a nosso favor.
Pecadores
que somos, mas marcados pela sua graça. Desde o Éden, Deus tem feito isto. Ele
mesmo providenciou vestimentas para Adão cobrir a sua nudez (Gn 3.21).
Certamente se alguém me causasse danos, gostaria que seu pecado fosse publicado
e exposto para sua vergonha… e para nós, nos tempos atuais, colocou as marcas
de sua cruz. Paulo entendia tão bem esta obra justificadora de Deus, que certa
vez afirmou de forma categórica a pessoas que pudessem ter alguma coisa para
criticá-lo ou julga-lo: “Quanto ao mais, ninguém me moleste, porque trago no
corpo as marcas da cruz” (Gl 6.17). Paulo percebia esta marca de forma
clara, e esta marca era a sua absolvição. Não mais condenação, remorso ou
culpa, tudo já estava quitado, o débito havia sido pago, ninguém mais poderia
acusá-lo.
O
Evangelho tem o poder de curar, restaurar, refazer, trazer vinho novo. Quando
me perguntam porque sou contra o divórcio afirmo que sou assim porque divórcio
nega o poder do Evangelho. Nega o poder do Evangelho em minha vida, quando acho
que ele não pode me transformar, e nega o poder do Evangelho na vida do outro,
quando acredita que Deus não pode transformá-lo. No entanto, o evangelho é o Poder
de Deus (Rm 1.16).
A
cruz de Cristo é o antídoto para isto. Ali, Deus desfaz nossas barreiras,
destrói nossa arrogância e cria em nós sua esperança salvadora.
Que
Deus nos ajude!
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