domingo, 18 de novembro de 2012

Gn 4.1-16 O Drama de Caim


 
Introdução:
 

Este texto nos fala da experiência de adoração de dois irmãos: Caim e Abel. Tendo consciência de Deus, saíram num determinado dia decididos a trazer-lhe uma oferenda. Alguma coisa saiu errada naquele dia. Para Abel, o culto fluía, e Deus expressava seu prazer; para Caim, a experiência era pesada e tensa. No final do culto, Caim estava frustrado, cansado e tomou uma decisão impensada. Saiu do culto e matou o seu irmão.

Ao analisarmos o perfil destes adoradores vemos uma forma negativa outra positiva de adoração. Adorar a Deus é uma realidade essencial do homem. Todos temos sede do sagrado. Não é raro ouvir que um dos elementos perdidos na vida dos cristãos de hoje é a adoração. Passamos um bom tempo na Igreja, mas será que isto significa que estamos cultuando a Deus? Poucos tem parado para perguntar: "Qual é o objetivo principal de minha vida?" ou, "qual é a razão de termos reuniões nas Igrejas, ou ler a Bíblia e orar?" ou ainda, "Será que Deus está sendo glorificado na forma em que vivo e como o cultuo?"

Adorar a Deus não é assentar no banco da Igreja, ouvir um sermão, levantar as mãos para o céu, sentir-se bem, dar o seu dízimo. É mais do que isto. Jesus diz que Deus procura adoradores que o adorem "em espírito e em verdade" (Jo 4.23). Quem são estes adoradores? Jesus fala também da falsa adoração: "Bem profetizou Isaías acerca de vós, hipócritas, como está escrito: Este povo honra-me com os lábios, Mas o seu coração está longe de mim" (Mc 7.6-7). "Em vão me adoram".  Será que corremos este risco?

 

O que significa adorar ?

 

Caim e Abel resolveram adorar o Senhor. Montaram seus holocaustos, criaram as estruturas, e embora os dois oferecessem ofertas, apenas de "Abel e de sua oferta se agradou o Senhor", porém, "de Caim e de sua oferta, Deus não se agradou". Por que?

Muitas pessoas afirmam que o problema de Caim foi trazer ofertas de grãos, já que o texto afirma "Aconteceu que no fim de uns tempos trouxe Caim do fruto da terra uma oferta ao Senhor" (Gn 4.3). Por ele ter trazido sementes e não ter ofertado um sacrifício de animal, Deus teria recusado. No entanto, é importante lembrar que, uma parcela das ofertas pacíficas que se trazia a Deus no livro de Levítico era do fruto da colheita de cereais, como no caso das ofertas de manjares (Lv 6.14-18) e das ofertas pacificas (Lv 7.11-21).

Para muitos "adoração" tem a ver com formas, manifestações visíveis, emocionais, entusiasmo, participação livre durante o culto, etc. Para outros, tem a ver com reverência, se o culto apresenta alguma espontaneidade ou se torna celebrativo, então não pode ser realmente um culto a Deus. Ao fazermos assim, confundimos essência com acidente, método com fim, meios com propósitos.    

Adoração na Bíblia vai muito além de expressões. Tem a ver com o coração, por isto interessam os motivos: Por que fazer? Por que ler a Bíblia, porque orar? Por que servir?

John Burkhar define adoração como "resposta de celebração a tudo que Deus tem feito, está fazendo e promete fazer". Dr. Russel Shedd afirma: "para o verdadeiro adorador, a pessoa de Deus é tão preciosa quanto um copo de água fresca num dia de calor". Na vida de Caim e Abel, encontramos algumas pistas para entender o que Deus espera de seus adoradores.

 

Exemplo Negativo: Qual foi o problema de Caim?

 

A. Sua oferta não era acompanhada de sua pessoa - Deus não faz qualquer referência ao tipo de oferta que é oferecido por Caim, mas ao "como" ele faz. O que ele dava não correspondia ao que ele era. O que está em jogo aqui não é o tipo de oferta, mas de ofertante.

Quando a igreja em Jerusalém passava por uma crise muito grande, os irmãos da Macedônia resolveram fazer um levantamento de ofertas e enviar para seus irmãos que se encontravam em outro país, e passavam por necessidades. Ao ver a disposição dos mesmos, sabendo que eram de parcos recursos, Paulo os desobriga de tal oferta, mas eles lhe rogaram que não o privassem desta benção de ajudar os outros. Ao descrever a atitude e o coração daqueles irmãos, Paulo afirma o seguinte: "Porque eles, testemunho eu, na medida de suas posses e mesmo acima delas, se mostraram voluntários, pedindo-nos, com muitos rogos, a graça de participarem da assistência aos santos. E não somente fizeram como nós esperávamos, mas também deram-se a si mesmos primeiro ao Senhor, depois a nós, pela vontade de Deus" (2 Co 8.3-5).

Esta atitude de "dar-se, primeiramente ao Senhor", é exatamente a atitude que Deus requer do seu povo. Nenhum louvor, nenhuma oferta, por ser dissociada do coração. Caim traz sua oferta, mas não traz a si mesmo. Ele entrega seus bens, mas não entrega o seu coração. Antes de Deus rejeitar sua oferta, Deus rejeita sua atitude. "De Caim e de sua oferta, não se agradou o Senhor".

 

B. Sua adoração não refletia seu interior  - Ao trazer sua oferta, o que Caim faz durante o culto que presta a Deus, não traduz o seu coração. Ele está com o coração angustiado, sendo devorado pela inveja de seu irmão. Ao ofertar, pouco se importa se Deus vai ser glorificado ou não pela sua atitude.

Existe um texto sobre a vida de Saul que fala exatamente disto. Quando ele é confrontado pela sua desobediência e rebeldia, ao invés de se quebrantar e humilhar em confissão e arrependimento, ele tenta manter a pose de "bom garoto" perante o povo de Israel, e diz a Samuel: "Pequei; honra-me, porém, agora, diante dos anciãos do meu povo e diante de Israel; e volta comigo, para que adore o SENHOR, teu Deus" (1 Sm 15.30). Saul não se importa com Deus, mas com sua auto imagem. Ele não interessa em restabelecer sua comunhão com o Pai, mas quer manter as aparências. Sua adoração não reflete o seu interior.

Ao lermos a Bíblia veremos que esta é uma das grandes tentações do povo de Deus. O profeta Isaías afirma: "De que me serve a mim a multidão de vossos sacrifícios? -diz o SENHOR. Estou farto dos holocaustos de carneiros e da gordura de animais cevados e não me agrado do sangue de novilhos, nem de cordeiros, nem de bodes. Quando vindes para comparecer perante mim, quem vos requereu o só pisardes os meus átrios? Não continueis a trazer ofertas vãs; o incenso é para mim abominação, e também as Festas da Lua Nova, os sábados, e a convocação das congregações; não posso suportar iniqüidade associada ao ajuntamento solene. As vossas Festas da Lua Nova e as vossas solenidades, a minha alma as aborrece; já me são pesadas; estou cansado de as sofrer" (Is 1.11-14).

O profeta Amós também exorta o povo de Deus: "Aborreço, desprezo as vossas festas e com as vossas assembléias solenes não tenho nenhum prazer. E, ainda que me ofereçais holocaustos e vossas ofertas de manjares, não me agradarei deles, nem atentarei para as ofertas pacíficas de vossos animais cevados. Afasta de mim o estrépito dos teus cânticos, porque não ouvirei as melodias das tuas liras" (Am 5,21-23).

Ao ver a atitude do povo de Deus, aproximando-se da Ceia do Senhor de forma leviana, Paulo exorta: "Nisto, porém, que vos prescrevo, não vos louvo, porquanto vos ajuntais não para melhor, e sim para pior" (1 Co 11.17).

Para Deus, o que conta não é o ritual, formas, modelos litúrgicos, e sim a motivação. Como o coração age diante de Deus.

 

C. Sua religiosidade "encobria" seus motivos – Aparentemente Caim não estava presente com sua vida. Seus gestos espirituais eram apenas cortina de fumaça para ocultar seu ódio, distanciamento  e inveja. Ele se oculta por detrás de atos religiosos para não ter que lidar com a doença de sua alma. Ele mascara sua condição de pecador, e tenta fazer uma representação aos olhos de Deus. Deus, porém, não aceita tal condição. Foi exatamente contra esta atitude que Jesus pregou um duro sermão em Marcos 7: "Respondeu-lhes: Bem profetizou Isaías a respeito de vós, hipócritas, como está escrito: Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim" (Mc 7.6).

Para Deus importa não é o que fazemos, mas a "intencionalidade" de nossos atos. Quando fazemos, de fato fazemos para Deus? A religiosidade de Caim tenta camuflar o seu terrível fracasso e o ódio que seu coração experimenta.

 

Exemplo Positivo: Abel

 

Por outro lado, vemos Abel ofertando e Deus encontrando prazer no que ele faz. O que Abel fez de diferente? Sua espiritualidade refletia seu coração. O texto é enfático ao afirmar que "de Abel e de sua oferta, agradou-se o Senhor" (Gn 4.4). Mais uma vez percebemos a ênfase. Antes de Deus se agradar do que Abel lhe traz, ele tem prazer na forma como ele lhe traz. O problema é o coração. A forma como fazemos as coisas para Deus.

Isto nos leva a considerar que:

 

a. Deus está mais interessado em quem você é do que quem você representa- Adorar significa "render-se". Adoradores na Bíblia estão "prostrados", são pessoas que reconhecem sua condição de fracasso e colocam-se submissamente diante de Deus, como fazem os 24 anciãos no livro de Apocalipse (Ap 4.10).  Na tentação, Satanás queria de Jesus um simples ato de adoração, mas para Jesus, um gesto de culto não poderia ser desvinculado de adoração (Mt 4.9).

 

b. Deus está mais interessado em você que em seus bens – Certa pessoa me disse que gostava da igreja evangélica, mas não concordava com este negócio de dizimo. Achava um absurdo que alguém tivesse que trazer 10% do que ganhava para seu culto. Repliquei que esta leitura estava equivocada, Deus estava interessado em muito mais. Deus não queria apenas o dizimo, mas queria ele todo. Que Deus não queria seu dinheiro, mas queria sua pessoa e seu coração. O interesse de Deus é bem mais amplo e profundo.

 

c. Deus está interessado no culto que integra a vida, não em atos litúrgicos ou formas públicas de adoração, já que esta implica em tirar a roupagem eclesiástica, desintoxicar-se da embriaguez da teologia, desmistificar a forma, tirar as máscaras da piedade, livrar-se dos "cosméticos".  A única opção é a confissão, e este é o único caminho que pode nos trazer de volta a Deus.

 

d. Deus está mais interessado no “como”  faço do que no “que” faço. Nosso Deus é zeloso. Não exige o que não podemos dar: bens, dinheiro, riqueza. Mas se existe algo que ele abomina é a tentativa de manipulação: entregar coisas estragadas, desprezar a mesa da adoração.

 

Conclusão:

 

O surpreendente no texto, é que, apesar de toda a atitude errônea de Caim, o Senhor o procura para restaurá-lo. Quais são as propostas de Deus para que a vida dele seja restabelecida?

 

1.      Deus o confronta com a essência de seu mal – (Gn 4.7) Deus deseja mostrar a Caim sua necessidade de arrependimento, que ele precisa mudar sua atitude. Quando Deus nos confronta só existem duas possibilidades para nós:

·        Negação – Neste caso, criamos defesas, ignoramos a advertência, rejeitamos a confrontação, acusamos quem nos acusa (Para Caim o acusador foi o próprio Deus). Adão, quando indagado onde estava, reage agressivamente dizendo que ele estava nu, e que Deus nem sequer respeitou sua nudez, invadindo sua privacidade (Gn 3.10), tenta argumentar com Deus. Faz para si folhas de figueira (Gn 3.7), cria artifícios baratos para ocultar seu mal. Isto é um paradigma da raça humana.

·        Confissão – Deus nos confronta e reconhecemos o erro. Confissão é não-resistência, não-justificativa, não-proteção. Quando há confissão, não confiamos mais em nossa capacidade de nos defender, mas na capacidade de Cristo em nos perdoar. Não tentamos manter aparências, nem criar subterfúgios, ou bodes expiatórios para nossas culpas. O nosso pecado é pecado mesmo, tem cheiro e cor ruins. Davi diante da confrontação do profeta Natã, desaba num reconhecimento dolorido de um segredo que ele julgava bem protegido: “pequei contra o Senhor”. (2 Sm 12.13). Confissão é o caminho da restauração, não a culpa ou o remorso. Confissão na Bíblia antecede a cura.

 

2.      Deus lhe oferece proteção e amparo – Na verdade, o pecador merece o castigo pela sua falha, porque esta deve ser sua recompensa, afinal de contas, o salário do pecado é a morte (Rm 3.23). Mas, ao invés disto, vemos Deus oferecendo proteção a Caim. A Bíblia chama isto de misericórdia. Deus deixa de dar aquilo que Caim merecia pelos seus atos. Caim se sente profundamente acusado e amedrontado de tudo, e desenvolve um sentimento paranóico, mas Deus vem ao seu encontro, oferecendo proteção e afirma que nunca deixaria de defende-lo. Deus lhe oferece salvo conduto, e o tranqüiliza, dando sua proteção.

 

3.      Deus concede um sinal a Caim, para que não fosse mais acusado ou destruído pelo seu pecado. (Gn 4.15). Qual era o objetivo daquele sinal? Deus afirma que lhe seria dado para que todo aquele que o encontrasse, não o ferisse. Isto pode ser aplicado como uma tipologia da obra de Deus a nosso favor.

Pecadores que somos, mas marcados pela sua graça. Desde o Éden, Deus tem feito isto. Ele mesmo providenciou vestimentas para Adão cobrir a sua nudez (Gn 3.21). Certamente se alguém me causasse danos, gostaria que seu pecado fosse publicado e exposto para sua vergonha… e para nós, nos tempos atuais, colocou as marcas de sua cruz. Paulo entendia tão bem esta obra justificadora de Deus, que certa vez afirmou de forma categórica a pessoas que pudessem ter alguma coisa para criticá-lo ou julga-lo: “Quanto ao mais, ninguém me moleste, porque trago no corpo as marcas da cruz” (Gl 6.17). Paulo percebia esta marca de forma clara, e esta marca era a sua absolvição. Não mais condenação, remorso ou culpa, tudo já estava quitado, o débito havia sido pago, ninguém mais poderia acusá-lo.

O Evangelho tem o poder de curar, restaurar, refazer, trazer vinho novo. Quando me perguntam porque sou contra o divórcio afirmo que sou assim porque divórcio nega o poder do Evangelho. Nega o poder do Evangelho em minha vida, quando acho que ele não pode me transformar, e nega o poder do Evangelho na vida do outro, quando acredita que Deus não pode transformá-lo. No entanto, o evangelho é o Poder de Deus (Rm 1.16).

A cruz de Cristo é o antídoto para isto. Ali, Deus desfaz nossas barreiras, destrói nossa arrogância e cria em nós sua esperança salvadora.

 

Que Deus nos ajude!

 

 

 

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