quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Ec 3.9-15 Eternidade


 

 
 Deus pôs a eternidade no coração do homem

 Se no estudo anterior, o autor considera a tempo com suas variacoes de humor e situações distintas, agora ele se volta para refletir sobre a vida adentrando os portais da eternidade. Esta declaração acima é clássica e muito conhecida. Apesar de não gostarmos de falar sobre a eternidade, a verdade é que, como afirmou C.S.Lewis: “Tudo que não é eterno é eternamente inútil”, e portanto “Se encontro em mim um desejo que nenhuma experiência desse mundo pode satisfazer, a explicação mais provável é a de que fui criado para um outro mundo".

 

Esta afirmação nos leva a tirar algumas conclusões:

 

  1. O homem foi feito para a Eternidade – Não fomos feitos apenas para viver de forma transitória e temporal, a vida que agora desfrutamos é apenas uma passagem. Somos peregrinos e forasteiros, habitando nossa temporalidade. Somos temporais aguardando a eternidade, e eternos habitando um curto espaço de tempo da história. Daqui a 100 anos, pouco vai interessar se você foi rico ou pobre. Pouca ou nenhuma memória haverá de ti, o que você fez, seus amores, dores e paixões.

A morte é um “acidente de percurso”. O homem não foi feito para morrer. Deus o advertiu que a desobediência o mataria, “No dia em dele comerdes, certamente morrereis”, mas o homem preferiu ouvir a serpente. “é certo que não morrereis” e assim a morte entrou no mundo. Por ser anti-natural, a Bíblia afirma que “O último inimigo a ser destruído é a morte” (1 Co 15.26). Morte é “inimiga”, um chiste, uma invasora. Entrou no mundo de Deus de forma clandestina, através do viés da independência humana. Por isto a morte sempre agride, e por mais que a esperemos, ela é sempre uma violência. 

A grande verdade é que nesta curta temporada da nossa existência, precisamos lembrar das palavras de Heráclito: “Tudo flui, nada permanece”. "Não somos seres humanos passando por uma experiência espiritual, somos seres espirituais passando por uma experiência humana..."

 

Quando estava perto de morrer, Steve Jobs confidenciou a seu biografo Walter Isaacson, (Biografia de Steve Jobs): “Sobre acreditar em Deus sou mais ou menos meio a meio. Durante a maior parte de minha vida achei que deve haver algo mais na nossa existência do que aquilo que vemos. Gosto de pensar que alguma coisa sobrevive quando morremos. É estranho pensar que a gente acumula tanta experiência, talvez um pouco de sabedoria, e tudo simplesmente desaparece. Por isso quero realmente acreditar que alguma coisa sobrevive, que talvez nossa consciência perdure. Mas por outro lado, talvez seja apenas como um botão: liga.Desliga. Clique! E a gente já era! Talvez seja por isso que eu jamais gostei de colocar botões liga.desliga nos aparelhos Apple”.

 

  1. O homem tem anseio pelo Eterno – “Deus pôs a eternidade no coração do homem”(Ec 3.11). Você foi criado para ir além da matéria, por isto o homem abriga em seu coração este senso de vazio e incompletude. Esta noção da eternidade faz parte do inconsciente coletivo da raça humana, sendo um dos arquétipos na concepção Jungiana. A única sociedade que insistiu em negar Deus e a eternidade foi a Moderna. Todas as religiões primitivas construiram seus templos e altares, fizeram seus cultos e deuses, mas o homem moderno resolveu decretar a morte de Deus (Nietzsche). O novo movimento da história, que se convencionou chamar de Pós-Modernidade, retoma esta espiritualização dos processos espirituais em formas muitas vezes estranhas, com o resgate das religiões orientais, novas formas e adoração baseadas em antigos modelos religiosos.

Riobaldo, o herói de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, em sua luta para ter fé, dizia que algum "norteado" tem de existir no mundo. "Se não, a vida fica sendo sempre o confuso dessa doideira que é". Os que possuem convicções religiosas consolam-se imaginando não a desordem, mas uma ordem misteriosa, mesmo quando esta parece misteriosa. "Creio porque é absurdo", dizia Tertuliano. A ausência de significado e compreensão do eterno, deixa um rastro de desespero. Quem não tem fé fica só com a desordem e o caos.  “Pertencem, inexoravelmente, à condição humana as perdas e o luto. Todos somos submetidos à férrea lei da entropia: tudo vai lentamente se desgastando; o corpo enfraquece, os anos deixam marcas, as doenças vão nos tirando irrefreavelmente nosso capital vital. Essa é a lei da vida que inclui a morte” (Leonardo Boff, teólogo e professor).

 

  1. Jesus veio nos orientar sobre eternidade – Sua vida foi sempre vivida na dimensão da sobrenaturalidade.
    1. Sua ressurreição foi uma declaração de vitória sobre a morte – Na 1 Carta aos Coríntios, lemos o seguinte: “Porque é necessário que este corpo corruptível se revista da incorruptibilidade, e que o corpo mortal se revista da imortalidade. E, quando este corpo corruptível se revestir de incorruptibilidade, e o que é mortal se revestir de imortalidade, então, se cumprirá a palavra que está escrita: Tragada foi a morte pela vitória. Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão? O aguilhão da morte é o pecado, e a força do pecado é a lei. Graças a Deus, que nos dá a vitória por intermédio de nosso Senhor Jesus Cristo” (1 Co 15.53-57).

A Bíblia, na verdade, faz aqui uma sátira da morte. “Onde está, ó morte, o teu aguilhão?”. Aguilhão é aquele ferrão usado para cutucar o boi. O texto nos diz que a morte, antes da ressurreição de Cristo, era uma espécie de esporão para ferir as pessoas, mas que depois da obra de Cristo seu poder foi desmistificado e minimizado.

 

    1. A ressurreição de Cristo foi o anúncio de um novo tempo – “Mas, de fato, Cristo ressuscitou dentre os mortos, sendo ele as primícias dos que dormem (1 Co 15.20). Primícias são os primeiros frutos de uma colheita, apontando para a realidade de que o tempo do júbilo está chegando. O lavrador vivia o ano todo cultivando a terra, e quando as primícias surgiam, era o sinal de que o tempo da espera havia enfim chegado.

É interessante notar, que a ressurreição de Cristo foi diferente de todas as demais ressurreições que vemos na Bíblia. O Filho da viúva de Naim foi ressuscitado por Jesus, mas voltou a morrer. Lázaro, da mesma forma. Mas Jesus não “voltou” da morte, mas “passou” pela morte. Ele nunca mais morreria. Sua vitória sobre a morte anuncia um novo tempo para o povo de Deus.

 

    1. A ressurreição de Cristo destruiu o poder da morte –  A ressurreição de Cristo ainda teve outra implicação: Retirou da morte o poder que ela tinha de nos fustigar e nos manter debaixo do pavor da eternidade. Visto, pois, que os filhos têm participação comum de carne e sangue, destes também ele, igualmente, participou, para que, por sua morte, destruísse aquele que tem o poder da morte, a saber, o diabo, e livrasse todos que, pelo pavor da morte, estavam sujeitos à escravidão por toda a vida” (Hb 2.14-15). A morte era um instrumento de opressão,  mas com a vitória de Cristo ela perdeu seu poder sua efetividade de nos apavorar.

 

    1.  Porque o poder da morte foi relativizado, somos convidados a experimentar a presente vida com contentamento e alegria –

 

                                                    i.     Aprender a desfrutar da criação de Deus – “Tudo fez Deus formoso no seu devido tempo” (Ec 3.11). A vida possui vários ciclos, como vimos no texto anterior. Há tempo para chorar, e tempo de rir, tempo de plantar e tempo de colher, tempo de ajuntar e tempo de espalhar. Precisamos aprender a desfrutar de cada uma destas estações da vida. Nossa infância, juventude, namoro, casamento, chegada dos filhos, netos, velhice, etc. “Este é o dia que o Senhor nos fez, regozijemo-nos e alegremo-nos nele”.

                                                   ii.     Aprender a desfrutar do trabalho – O autor de Eclesiastes nos faz pensar nas oportunidades que temos quando produzimos com as nossas mãos. O trabalho não é apenas aflição, mas traz também suas recompensas.

 

  1. Porque a Eternidade é uma realidade, devemos adentrar o mistério da vida – “Deus pôs a eternidade no coração do homem”. Para que? Para penetrar no mistério da vida. A vida não é só materialidade e concretude, a vida também é imaterial e espiritual. Mesmo que o homem não possa “descobrir as obra que Deus fez desde o princípio até o fim” (Ec 3.11).

Na trajetória da vida, existem muitos mistérios. Muitas questões jamais serão respondidas. O universo e a ciência possuem enigmas indecifráveis. “As coisas encobertas pertencem ao SENHOR, nosso Deus, porém as reveladas nos pertencem, a nós e a nossos filhos, para sempre, para que cumpramos todas as palavras desta lei” (Dt 29.29). Nunca iremos entender determinados aspectos da criação. Nunca conseguiremos explicar porque uma criança morre tão cedo, porque homens ímpios e injustos parecem prosperar e se dar bem na vida, enquanto pessoas respeitáveis e honoráveis parecem enfrentar tantas lutas.

Quando lidamos com o inominável, duas conseqüências devem surgir:

 

    1. Assombro e Admiração – Ao passarmos por momentos em que não somos capazes de responder as questões da vida, devemos nos silenciar. Às vezes tentamos responder o irrespondível, o indecifrável, o mistério. Certa pessoa me perguntou porque seu filho de 18 anos tinha morrido num acidente de carro, eu disse que não sabia. Em silencio a abracei, deixando que sua dor e nossas lagrimas pudessem ser compartilhadas, sem que tentássemos explicar o acontecido. Os amigos de Jó que tentaram explicar o mistério do sofrimento que ele enfrentava, foram chamados de “consoladores molestos” (Jó 16.2).  

 

    1. Temor e suspense – Ao lidar com a eternidade, com a limitação humana, podemos nos tornar revoltados e nos rebelarmos contra Deus, ou podemos buscar o misterio que envolve tais situações. O autor deste texto afirma: “...Isto faz Deus para que os homens temam diante dele” (Ec 3.14). “Se alguém te perguntar o que quiseste dizer com um poema, pergunta-lhe o que Deus quis dizer com este mundo...” (Mário Quintana). O mistério nos faz silenciar e dá maior reverência à vida.

Ruben Alves afirma:A proximidade da morte ilumina a vida. Aqueles que contemplam a morte nos olhos vêem melhor, porque ela tem o poder de apagar do cenário tudo aquilo que não é essencial.[1]



[1].  Alves, Ruben - Morte, ed. Papirus, Campinas, ano 2000, pg. 8
 

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