Introdução:
Disse o poeta secular: “Por ser exato, o amor não cabe em si, por ser encantado, o amor
revela-se". O poeta sacro afirma:
“As muitas águas não poderiam
apagar o amor, nem os rios afogá-lo, ainda que alguém desse todos os bens da
sua casa pelo amor, seria de todo desprezado”.
O livro de Cantares
celebra o relacionamento de um homem com uma mulher. Existem algumas linhas de interpretações
em torno do texto, mas particularmente adoto a linha de Heinrich Ewald (1826)
que trabalha com a hipótese de três personagens centrais, Salomão, Sulamita, e
o namorado dela, que é pastor de ovelhas, fazendo uma triangulação complexa.
Para Ewald, Salomão
compra a sulamita, pagando o dote de mil peças de prata por ela (Ct 8.12), mas ela
era enamorada de um rapaz simples da aldeia que era pastor de ovelhas, e as
filhas de Jerusalém tentam convencer a menina tentando demonstrar que era
interessante se entregar para o rei, que era uma pessoa importante. Daí
surgirem os refrões "Conjuro-vos, oh
filhas de Jerusalém, que não acordeis, nem desperteis o amor, até que este o
queira" (Ct 2.7; 3.5; 5.8; 8.4), que surgem 4 vezes, dividindo o drama
em 5 atos. Cantares possui uma unidade, composta de diálogos em progressão, que
eventualmente são ríspidos entre a Sulamita, a menina negra que encontra-se no
harém (Ct 1.5,6), e as outras moças que cuidavam da preparação das mulheres que
seriam possuída pelo rei Salomão. Este drama teria como tema principal a
fidelidade do verdadeiro amor, e uma critica de fundo a Salomão pela forma como
levianamente se relacionou com as mulheres.
Como a discussão é
ampla e longa, quero me ater apenas a uma idéia que podemos encontrar em Cantares. A de que ele
fala de um amor que caminha para uma progressão e maturidade.
1ª fase
do amor:
“O meu amado é meu e eu sou dele” – (Ct
2.16)
Este me parece um amor condicional, imaturo
(ação/reação): Porque ele é meu, me torno dele. É o amor de troca, da
reciprocidade. Este amor é perigoso, por que ele caminha numa linha de raciocínio
onde a base é se entregar até onde o outro se entrega. Esta relação é arriscada,
porque amor não é um contrato social, uma relação de barganha, do tipo “Eu entro
com 50% e você com 50%”, mas o amor verdadeiro tem a dinâmica de entrar com
100%, isto é, por inteiro. “O amor verdadeiro começa lá onde não se espera mais
nada em troca” (Antoine de
Saint-Exupèry). “O amor, tal como existe na sociedade, não
passa da troca de duas fantasias e do contato de duas epidermes” (Sébastien-Roch
Chamfort). Todas as vezes que esperamos um favor em troca, um
agradecimento, um elogio ou uma recompensa começa a se formar em nós um palco
para muitas frustrações. O verdadeiro amor começa quando nada se espera em
troca.
O poeta Manuel
Bandeira assim declara:
Escuta, eu não quero contar-te o meu
desejo
Quero apenas contar-te a minha ternura
Ah se em troca de tanta felicidade que me dás
Eu te pudesse repor
-Eu soubesse repor_
No coração despedaçado
As mais puras alegrias de tua infância!
Quero apenas contar-te a minha ternura
Ah se em troca de tanta felicidade que me dás
Eu te pudesse repor
-Eu soubesse repor_
No coração despedaçado
As mais puras alegrias de tua infância!
2ª Fase: “Eu sou do meu amado e o meu amado é meu”
(Ct 6.3)
Se no primeiro momento afirma-se “O meu amado é meu e eu sou dele” – (Ct
2.16) aqui existe uma entrega por antecipação. Eu sou dele, antes de mais nada,
e estou feliz porque ele é meu. Isto revela (vulnerabilidade). Não tenho medo
de admitir que amo, e tomo a iniciativa de declarar-me. Assumo o que sinto,
arrisco-me.
É este o amor de Deus. João afirma: “Nós amamos, porque ele nos amou primeiro” (1
Jo 4.19). “Nisto consiste o amor: não em que tenhamos amado a Deus, mas em que ele
nos amou e enviou seu Filho como propiciação pelos nossos pecados” (1 Jo
4.10). Jesus morreu por nós, o Pai o entregou por nós. Na nossa vida auto
centrada e narcisista, não havia disposição para amá-lo, mas ele nos amou de
forma unilateral e morreu por nós. Paulo afirma: “Mas Deus prova o seu próprio para conosco pelo fato de ter Cristo morrido
por nós, sendo nós ainda pecadores” (Rm 5.8). Não havia virtude em nós,
apenas vicio; não havia mérito, mas ofensa. No entanto Deus, voluntariamente se
entregou por nós. É o amor que se antecipa, faz doação de si mesmo, não está dependendo
do outro para amar, mas ama de antemão e se entrega. “Casamento é uma troca de
várias razões, para dar certo temos que fazer concessões, seguimos fazendo
tantas concessões que um dia não sabemos se ainda respiramos as mesmas idéias
ou se apenas fingimos” (Jeocaz
Lee-Meddi). “O Amor não pede nada em troca, pede somente a
oportunidade de nascer dentro de cada um de nós” (Edson
Valdemar Blinke). “No amor não há troca, não há
posse, não há jogo. O amor é doação, ou seja, você dá pelo simples desejo de
querer bem, sem nada esperar em troca” (Rodrigo Masi)
3ª Fase: “Eu sou do meu amado e ele tem saudade de mim”(Ct
7.10)
Nesta fase encontramos o amor que já construiu
história com o outro. “Saudade é melhor do que caminhar vazio” (Peninha).
Este tipo de amor já tem experiência, caminhada a dois e memória.
Saudade tem a ver com história. Já existe uma caminhada acumulada e construída a
dois que gera esta saudade. “O tempo não pára! Só a saudade é que faz as coisas
pararem no tempo...” (Mário Quintana).
“A saudade é a nossa alma dizendo para onde ela quer voltar” (Rubem Alves).
A saudade revela a maturidade que faz projetar no presente aquilo que,
sendo belo, não se perdeu. Na medida em que envelhecemos e caminhamos juntos,
nos tornamos testemunhas da história do outro. Surge uma cumplicidade, no
melhor sentido da Palavra. Portanto, esta fase revela esta dimensão do
aprofundamento. Não dá para fazer projetos individuais, não somos dois, seres
distanciados, mas pessoas que se amam e que constroem juntas porque viver sozinho
e fazer sozinho já não é ser pleno. Já permitimos que o outro penetrasse nos
arquivos de nossa memória, e “hackeasse” o software.
Conclusão:
Eu adoraria viver uma história assim, mas ao longo dos meus 20 anos e com todo cuidado que eu tive pra escollher alguém e minha dedicação a essas pessoas, apenas encontrei pessoas pra caminhar meia milha comigo e me deixar no início do caminho.
ResponderExcluirSerá que nunca vou viver uma historia de amor real?