Introdução:
Ter ideia certa sobre determinados pressupostos é
uma das coisas mais fantásticas da vida. Morremos e vivemos a partir de
conceitos estabelecidos e tidos como corretos. Quando se trata de perspectivas
espirituais, afirmamos que uma das maiores desgraças da vida são pressupostos
teológicos equivocados, e que uma das maiores bênçãos é uma boa teologia, isto
é, a forma como vemos a Deus e a vida – filosoficamente isto é chamado de
cosmovisão.
Nenhuma fé é genuína e saudável se não se sustenta
em pressupostos corretos sobre a divindade. O que pensamos de Deus, correta ou
equivocadamente, traz muito sossego ou muito desconforto para a nossa alma.
Um exemplo clássico disto pode ser percebido no
profeta Jeremias, quando vê sua cidade amada, Jerusalém, devastada por um
império cruel e reduzida a pó. Seus símbolos sagrados foram agredidos, famílias
e amigos morreram na guerra, crianças ficavam atônitas nos cantos sem saber o
que comer, para onde correr, muitas meninas foram levadas para se tornarem
escravas sexuais dos guerreiros, e diante do caos, da falta de sentido e da
desordem ele diz a si mesmo: “Quero
trazer à memória o que me pode dar esperança. As misericórdias do Senhor são a
causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não tem fim,
renovam-se a cada manhã”(Lamentações, 3.22-23). Jeremias se firma num
pressuposto, numa concepção – e esta era a única coisa que lhe podia dar
esperança.
Larry Crabb Jr afirma que esta é a tarefa
fundamental do conselheiro cristão diante da angústia, desespero e medo. Ele
afirma ser fundamental “colocar a mente no lugar”. Para ele, o passo crucial
para a mudança é a renovação da mente. “O pensamento sempre tem conteúdo”[1].
Deus providencia para cada pessoa um significado. A
ausência deste sentido é a crise mais profunda do ser humano. Significado tem a
ver com auto-aceitação, mas tem a ver com a compreensão de que a vida está
relacionada a um projeto maior, e não apenas a uma caminhada que vai encerrar
seu último capítulo num túmulo frio. Um ponto finito requerer um ponto de
referência infinito, como afirmou J. P. Sartre: “nenhum ponto finito tem
sentido se não se conectar a um ponto infinito”.
Para Crabb Jr “O ponto inicial de todos os
problemas emocionais da causa não-orgânica é um problema de pensamento, uma
crença errada sobre como as necessidades pessoais podem ser supridas”[2].
Já que “As proposições que uma pessoa tem em sua mente, isto é, sentenças que
ela diz a si mesma, controlam diretamente aquilo que ela acaba fazendo[3]”
A Bíblia faz exatamente esta declaração, muito anos
de uma elaboração sistemática ter sido elaborada: “Como o homem pensa em seu
coração, assim ele é”. O sistematizado deste pensamento de forma filosófica foi
Albert Ellis: “Como uma pessoa avalia o evento isto determinará sua resposta
emocional”. Este princípio é chamado em psicologia de “teoria do controle
proposicional”. O evento não controla o sentimento, mas a avaliação do
evento é que o controla. Por isto, uma crença errada, uma equivoco na
interpretação ou conceitos deformados sempre leva a comportamentos errados e a
sentimentos neuróticos.
A história de Jose nos mostra como uma mente
teologicamente correta ajuda a lida com oposição/sofrimento, ingratidão e
injustiça. Toda leitura que ele faz está submetido às percepções que ele tem de
Deus. Se José tivesse uma concepção errada de Deus, certamente isto afetaria
profundamente a sua interpretação de vida, diante de tudo que viveu.
Quando atravessamos um brejo ou pântano, o único
modo de fazê-lo com êxito é encontrando lugares sólidos onde colocar os pés. M.
L Jones sugere: “Coloque o problema particular no contexto dos princípios
sólidos que estão adiante”[4].
José supera toda oposição, por causa de seus
pressupostos:
- Ninguém ocupa o lugar de Deus – “Não temais, acaso estou no lugar de Deus?” (Gn 50.19). Ele não precisava
fazer nada, nem vingar-se, porque o Eterno tinha o controle da história e
ninguém ocupava seu lugar neste papel de ator principal.
Quando o apóstolo João começa a ter as visões
celestiais, a primeira coisa que ele vê é um trono e nele alguém assentado. “imediatamente
eu me achei em espírito e eis armado no céu um trono, e, no trono, alguém
sentado” (Ap 4.2). João
estava preso por pregar o evangelho, e talvez sua mente estivesse confusa por
Deus ter permitido que ele, seu fiel servo estivesse nestas condições; talvez a
igreja estivesse perplexa com o desenrolar da história quando viu seu velho e
fiel pastor sendo levado por um sistema corrupto para morrer numa ilha sem
condições básicas de vida. Nesta hora, Deus afirma sua soberania. Alguém está
no centro das decisões do universo, Deus governa todas as coisas visíveis e
invisíveis. O trono não está vazio, esperando alguém que possa assumir este
lugar. No trono tem alguém sentado.
- Ninguém pode fazer o que Deus não permite – (Gn 50.20). Esta é a segunda percepção que José tem. Vocês não
fizeram isto sem que Deus quisesse. “Vós intentastes o mal, mas Deus
transformou o mal em bem”.
Esta percepção é tão clara nas Escrituras, que
existe até mesmo o relato de um famoso macumbeiro na Bíblia, que a compreende.
Me assusta pensar que um ímpio com um background religioso como este tenha esta
percepção que muitos cristãos não são capazes de ter. Balaão é contratado por Balaque,
um rei, para “fazer um trabalho”, e enfraquecer espiritualmente o povo de Israel
. Havia muito dinheiro envolvido nesta transação espiritual, mas quando ele
chega perto do povo, ao invés de fazer sentenças de maldição, começa a
abençoá-lo. O rei o censura e então ele faz uma das melhores declarações sobre
a soberania de Deus em toda bíblia:
“Como posso amaldiçoar a quem Deus não
amaldiçoou?
Como posso denunciar a quem Deus não denunciou?...
Eis que para abençoar recebi ordem, ele abençoou,
não o posso revogar.
Pois contra Jacó não vale encantamento, nem
adivinhação contra Israel;
agora, se poderá dizer de Jacó e de Israel: que
coisas tem feito Deus!” (Nm 23.8,23).
José também possui uma percepção clara de que Deus
está no controle da história. É exatamente esta leitura que o sustenta todos os
difíceis anos que teve de enfrentar e o livra de ressentimentos e desejo de
vingança, tão comuns em nós quando nos sentimentos injustiçados.
- Deus pode transformar o pior episódio, em uma maravilhosa graça e
intervenção. “Vós intentastes o mal, mas Deus
transformou o mal em bem”.
José não ameniza a realidade do mal, nem minimiza a
crueldade e maldade dos irmãos, mas percebe que Deus usou este ato desumano
como uma forma de abençoá-lo. Lembra-se do conceito de Ellis citado
anteriormente? “O Evento não controla o sentimento, mas a avaliação do evento é
que o controla”. José analisa o evento na perspectiva da soberania e da graça
de Deus.
i. Ele entende que
Deus é santo – “Deus é luz, e nele não há treva nenhuma”. Pode o Senhor cometer injustiça?
Fazer algo errado? Ter motivações pecaminosas? Não! Em Deus os motivos são
sempre puros e santos.
ii. Ele entende que
Deus é Todo-Poderoso – O Deus criou o mundo do nada e tem todas as
coisas sobre o seu domínio é também aquele que governa a vida pessoal de José e
da sua vida. “Quereis, acaso, saber as coisas futuras? Quereis dar ordens
acerca dos meus filhos e acerca das obras das minhas mãos? Eu fiz a terra e
criei nela o homem, minhas mãos estenderam os céus e todos os seus exércitos
deis as minhas ordens”(Is 45.11,12). Deus fez a história da forma que Ele
quis. Ele é o Alfa e o Ômega, o principio e o fim. Ele depõe reis e estabelece
reis.
iii. Ele entende que
Deus é Fiel – Apesar de todas oposições e sofrimento, a
fidelidade de Deus estava presente sobre sua vida. Não sabemos se José murmurou
contra Deus nos reveses que sofreu, se o fez, a Bíblia não descreve.
Entretanto, a bíblia afirma todo o tempo que “O Senhor era com José” (Gn 39.2,5,21,23). Sua fidelidade e
cuidado nunca se apartaram da vida de José, mesmo nos momentos mais
antagônicos. Deus era com José. Você crê que Deus é contigo? Voce crê que ele
controla sua história pessoal?
Nos sermões expositivos que Martin L. Jones faz
sobre o livro de Habacuque[5],
ao expor o clássico versículo O
Justo viverá pela fé (Hab
4.4) ele tira duas lições:
- Os acontecimentos históricos devem ser interpretados à luz do reino
de Deus – “Se desejamos ter paz interior, a despeito
do que acontece no mundo e ao nosso redor, o único modo de consegui-lo é
mediante a compreensão da filosofia bíblica da história” (Pg 54).
- Perplexidade diante dos acontecimentos correntes não é experiência
nova – “Temos sido bastante tolos em imaginar que nossos problemas são
excepcionais e peculiares. Não o são... nossas perplexidades não de forma
alguma novas” (Pg. 54).
O mesmo autor aponta 4 aspectos que apontam para a
soberania de Deus:
- A história está sob controle divino – as coisas não são o que aparentam ser. Não há poder neste mundo
que não seja por ele controlado. Deus é senhor da história (Is 40.15).
- A história segue um plano divino – As coisas não acontecem por acaso. Os acontecimentos não são
simplesmente acidentais. Há um propósito na história.
- A história segue um horário divino – Deus tem o seu tempo, tem o seu caminho; ele age e trabalha de
forma ordenada.
- A história está ligada ao seu reino divino – A chave da história do mundo é o reino de Deus. Desde a queda,
Deus vem trabalhando no estabelecimento do universo de um novo reino no
mundo. Não devemos ficar desconcertados quando coisas surpreendentes
acontecem no mundo.
Diante disto,
pergunte a si mesmo:
- Tenho percebido, de fato, que Deus controla minha história?
- Quando ocorrem os eventos, de bençãos ou dificuldades, tenho
conseguido discernir o que Deus está querendo me ensinar?
- Nos eventos particulares da minha vida tenho me perguntado o que
isto tem a ver com o reino de Deus? Como minha vida, família, sucesso ou
fracasso estão sendo interpretados em relação ao reino?
- O que os acontecimentos tem a ver com a luz do grande, eterno e
glorioso propósito de Deus?
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