Introdução
Cada vez mais tenho me
impressionado com o conteúdo das orações da Bíblia e como os crentes primitivos
oravam de forma diferente de nossas modernas orações individuais ou coletivas. As
orações da igreja neo-testamentária não se assemelham com as nossas orações que
fazemos nem com as orações que ouvimos em nossas igrejas.
A.
O
conteúdo da oração moderna é centrada no Eu. “Senhor, eu quero!”, “Senhor eu
preciso”, e nos casos extremos: “Senhor
eu decreto!”. Não que nas orações não possamos clamar por necessidades
específicas, mas o problema é que as orações estão muito voltadas para o Eu.
Deus se transforma em alguém à minha disposição para atender às minhas
necessidades.
B.
As
orações modernos são muito superficiais. Oramos pouco, e oramos mal. Temas
profundos como a dor da cidade, problemas sociais, a depravação humana, não se
constituem no objeto de nossa oração. Não oramos pelos pecadores para que se
convertam, não oramos pelo avanço da obra missionária. Os temas de nossas
orações são ensimesmados e superficiais, em busca de conforto e de soluções
imediatas para os problemas que enfrentamos.
C.
Terceiro,
nossas orações não se identificam com as orações bíblicas: Leia oração de Paulo
em Efésios 1.15-23 e Ef 3.14-21. Você já orou dessa forma? Compare suas
orações, se é que você tem orado sistematicamente, com as orações que lemos
nestes textos. Como são diferentes das nossas.
D.
Oramos
muito por coisas. Queremos, pedimos, “reivindicamos e decretamos”. “Como pai, o
que mais gostaria de ouvir dos meus filhos não é a lista de itens que precisam
– muitos deles legítimos, outros nem tanto, e, quem sabe, a maioria
absolutamente supérflua – mas de estar com eles, poder amá-los e ser amado,
gozar de uma amizade intensa, íntima e pessoal”(Ricardo Barbosa).
Hoje queremos analisar
a oração dos discípulos, registrada em At 4.23-31.
Os discípulos estavam
sob enorme pressão politica e religiosa. Ameaçados de morte pelos mesmos líderes
que dias atrás colocaram Jesus na cruz. Suas ameaças eram reais e graves. Qual
seria nossa oração nesta hora? Certamente pediríamos livramento, pediríamos
para que as ameaças acabassem, mas surpreendentemente eles não pediram nada
daquilo que seria o centro de nossas orações atuais.
Quais foram os temas
de suas orações?
O que eles pediram a
Deus?
Qual a natureza e
conteúdo de suas orações?
A análise deste texto
vai nos revelar onde estava o coração dos discípulos e pelo que oravam?
Primeiramente
observamos que a oração dos discípulos
estava centrada na soberania de Deus. Esta foi a primeira declaração que
fizeram: “Tu, soberano Senhor, que
fizeste o céu, a terra, o mar e tudo o que neles há” (At 4.24).
O que oramos vai
depender, antes de mais nada, da compreensão e percepção daquele a quem dirigimos
nossas orações.
Precisamos colocar o
centro de nossas orações no Deus que governa todas as coisas, dirige a
história, ouve as orações de seu povo, e vê todas as coisas. Não precisamos
dizer a Deus o que está acontecendo, porque ele é soberano, não precisamos dar
o enredo e fazer a narrativa, ele a conhece.
Ao orar, é necessário
reconhecer que o destino humano é decidido, não pela "vontade do
homem," e, sim, pela vontade de Deus.
“Quando Jesus afirma
que o nosso Pai sabe o que necessitamos, isto muda radicalmente todo o conceito
utilitário que temos da oração. A pauta das nossas orações não somos mais nós e
nossas necessidades, mas Deus e nossa comunhão com Ele. Oramos, não para
reivindicar nossas necessidades, mas para demonstrar amor e afeto por nosso
Pai” (Ricardo Barbosa).
Como bem afirmou R.C.
Sproul: “Nada escapa da atenção de Deus; nada ultrapassa os limites do Seu
poder. Deus é autoridade em todas as coisas. Se eu pensasse, mesmo
que por um momento, que uma única molécula estava solta no universo, fora do
controle e domínio do Deus todo-poderoso, eu não dormiria esta
noite. Minha confiança no futuro repousa na minha confiança no Deus que
controla a história. Mas como é que Deus exerce esse controle e manifesta
essa autoridade? Como é que Deus faz acontecer as coisas que Ele
soberanamente decreta?”
Agostinho reitera: “nada
acontece neste universo fora da vontade de Deus” e que, em certo sentido, Deus
ordena tudo o que acontece. Nada escapa da atenção de Deus.
A soberania de Deus se
expressa na realização do seu plano para a história, mesmo imperceptível (Is
46.10-11). A maior expressão desta soberania foi o envio do Seu Filho ao mundo,
na plenitude dos tempos (Gl 4.4), isto é, no tempo em que achou mais apropriado.
Deus na grande história e na nossa história individual faz tudo como Ele quer (Is
46.11),. "O nosso Deus está nos
céus; ele faz tudo o que lhe apraz" (Sl 115.3).
A. W. Pink argumenta: “Deus
preordena tudo que acontece... Deus inicia todas as coisas, controla todas as
coisas...” Edwin H. Palmer concorda: “Deus está por trás de tudo. Ele
decide e faz todas as coisas acontecerem... Ele preordenou tudo ‘segundo o conselho
de Sua vontade’ (Ef 1.11).
Portanto, oração é um
ato de humildade, um ato de fraqueza. Quando oramos, admitimos a Deus que
precisamos desesperadamente de ajuda, que não temos o controle das coisas. Que
não somos autossuficientes. A oração reconhece que Deus é soberano e controla
todas as coisas. Nos curvamos perante sua soberania. Reconhecemos que Deus
governa com sua mão poderosa e que não podemos controlar qualquer coisa em nós
mesmos. Não podemos mudar qualquer coisa e precisamos esperar que Deus mude.
Ao orarmos desta
forma, isto muda radicalmente a essência de nossos pedidos. O que pedimos, como pedimos, para que pedimos
e a quem pedimos?
Em segundo lugar, a oração dos discípulos estava centrada na
Palavra de Deus. Eles liam a Bíblia e oravam de acordo com a Bíblia. “...que disseste por intermédio do Espírito
Santo, por boca de Davi, nosso pai, teu servo: Por que se enfureceram os
gentios, e os povos imaginaram coisas vãs? Levantaram-se os reis da terra, e as
autoridades ajuntaram-se à uma contra o Senhor e contra o seu Ungido” (At
4.25-26).
Com a Bíblia aberta
eles interpretaram os eventos que os atingiam. Aquilo que lhes aconteciam fazia
parte de um plano soberano, e por isto não deveriam ficar assustados ou
surpresos.
Esta é a única forma
de nos livrar de equívocos teológicos, de orações vazias e até mesmo heréticas.
A melhor forma de orar é, na medida em que lemos a Palavra de Deus, oremos as
verdades de Deus, ou para usar uma paráfrase de Michel Quoist, “precisamos orar
os salmos”.
Na leitura da Bíblia
devemos considerar:
i.
Há
algum princípio que aprendi na leitura e preciso assimilar? Ore para que Deus
lhe dê humildade e coragem para mudar.
ii.
Há
alguma promessa das Escrituras da qual preciso me assenhorear? Suplique a Deus
para que seu coração assimile esta verdade.
iii.
Há
algum pecado que precisa ser confessado? Você foi confrontado com a Palavra de
Deus? Ore por isto, peça sua graça, seu perdão, confesse, arrependa-se.
Orar baseado nas
promessas da Palavra mudam a perspectiva na oração.
Os discípulos oram com
a Bíblia aberta.
Uma das promessas mais
impressionantes das Escrituras encontra-se no livro do Profeta Isaías “Não trabalharão debalde, nem terão filhos
para a calamidade, pelo contrário, eles serão a posteridade bendita do Senhor,
e estarão para sempre com eles”(Is 65.23). Esta é uma clara promessa de
Deus aos pais concernente aos filhos. Muitas vezes ficamos preocupados com a
situação espiritual deles – e não deveríamos ficar? O que podemos fazer diante
de tudo o que tem acontecido neste mundo caído? Leia com atenção as promessas
da Palavra de Deus. “Não trabalharão em
vão”. Isto é, o que fazemos hoje pelos filhos, o investimento espiritual,
não será vazio. Deus vai abençoar tudo isto. Outra verdade: “Não terão filhos para a calamidade”. Que
promessa maravilhosa. Deus não nos tem dado filhos para povoar o inferno. Elas são a posteridade bendita de Deus. Ao lermos
tantas promessas, não vale a pena orar por elas, baseados naquilo que Deus
afirma?
Isto significa orar
segundo as Escrituras Sagradas.
Em terceiro lugar, a oração dos apóstolos reconhecia o governo
de Deus. O que os reis e lideres pagãos estão fazendo, senão cumprir “tudo o que tua mão e o teu propósito
predeterminaram”? (At 2.28). Na verdade, podemos fazer a vontade de Deus de
duas formas, completamente antagônicas:
a.
Fazemos
a vontade de Deus porque desejamos glorificar o seu nome. Ao obedecermos a sua
vontade, ao orarmos para que a obra de Deus se realize na história e ao
participar fazendo aquilo que ele espera de nós, estamos fazendo de boa
vontade.
b.
Fazemos
a vontade de Deus, lutando contra Deus. Não fazemos a vontade de Deus apenas
quando o obedecemos, mas também quando o desobedecemos. Isto pode parecer um
tanto quanto estranho, mas será que, quando os reis da terra se levantam contra
o Senhor e o seu Ungido, em algum momento, Deus perdeu o controle da história?
Se isto acontecesse, ele deixaria de ser Deus.
Os apóstolos afirmam
que a reação histórica à obra de Deus, fazia parte de um projeto maior de Deus.
Ele estava cumprindo seus propósitos através da oposição. Eles estavam fazendo
““tudo o que tua mão e o teu propósito
predeterminaram”. Isto já havia sido profetizado.
Aqueles homens ímpios,
na sua arrogância e altivez, no seu orgulho e rejeição, estavam cumprindo o
propósito de Deus, ao perseguir a igreja, tanto quanto Faraó, ao endurecer o
coração e não deixar o povo de Deus sair do Egito. Fazia parte do projeto de
Deus que Faraó endurecesse o coração. “Eu,
porém, endurecerei o coração de Faraó e multiplicarei na terra do Egito os meus
sinais e as minhas maravilhas” (Ex 7.3). A dureza daquele homem não
escapava à soberania de Deus.
Na oração precisamos
aprender que Deus não perdeu o controle. Seja nos dando o que pedimos ou
negando o que lhe pedimos. Ele é Deus! Sua glória não deixou de brilhar. Ele é
soberano, seus propósitos predeterminados se cumprirão, porque “os dons e a vocação de Deus são irrevogáveis”
(Rm 11.29).
Em quarto lugar, a oração dos apóstolos não estava centrada
no livramento, mas no propósito de Deus. Em nenhum momento eles oram por
livramento. Não é surpreendente?
O que faríamos se
estivéssemos diante de ameaças e perseguição? Não convocaríamos um grupo de
pessoas para lutarmos em oração para que Deus nos livrasse da oposição e até
mesmo do martírio? Pois os apóstolos não oraram por isto em nenhum momento.
Não oram por
livramento e nem oram para Deus mudar a situação.
Então, qual foi o
motivo de sua oração?
Eles oram por ousadia.
“Agora, Senhor, olha para as suas ameaças e concede aos teus servos que
anunciem com toda intrepidez a tua palavra, enquanto estendes a mão para fazer
curas e prodígios por intermédio do nome do teu santo Servo Jesus” (At
2.29-30).
Eles pedem coragem
para enfrentarem a situação, para não recuarem, para não terem medo.
Eles oram também para
que o Evangelho prevaleça.
Eles não estão
preocupados com seus problemas pessoais, mas com a glória e avanço da mensagem
de Jesus Cristo. O que eles pedem é força para enfrentar as ameaças e poder
para que o nome de Cristo se torne conhecido.
Conclusão
Orações assim atingem
os céus.
Orações assim
confrontam as trevas.
Orações assim mexem
com as estruturas sísmicas da terra. “Tendo
eles orado, tremeu o lugar onde estava reunidos”. O chão tremeu. Muitos
movimentos pentecostais gostam de falar que o chão vai tremer, mas o chão treme
quando a oração não é ensimesmada, mas o seu conteúdo é a glória de Deus.
Orações assim nos
enchem do Espírito Santo. “E todos
ficaram cheios do Espírito Santo”. Só se enche do Espírito, quem ora de
acordo com o propósito do Espírito.
Orações assim fazem o
evangelho avançar. “com intrepidez,
anunciavam a palavra de Deus”. Igrejas que buscam conforto e querem evitar
o confronto, cujos membros estão interessados em bem estar e ausência de
conflito não será uma igreja poderosa no anúncio das eternas mensagens de
Cristo.
Qual foi o conteúdo da
oração da igreja?
Pelo que pediram?
Intrepidez.
O que tiveram?
Intrepidez.
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