quinta-feira, 15 de março de 2018

Atos 4.23-31 O que você pede em suas orações?




Introdução

Cada vez mais tenho me impressionado com o conteúdo das orações da Bíblia e como os crentes primitivos oravam de forma diferente de nossas modernas orações individuais ou coletivas. As orações da igreja neo-testamentária não se assemelham com as nossas orações que fazemos nem com as orações que ouvimos em nossas igrejas.

A.   O conteúdo da oração moderna é centrada no Eu. “Senhor, eu quero!”, “Senhor eu preciso”,  e nos casos extremos: “Senhor eu decreto!”. Não que nas orações não possamos clamar por necessidades específicas, mas o problema é que as orações estão muito voltadas para o Eu. Deus se transforma em alguém à minha disposição para atender às minhas necessidades.

B.    As orações modernos são muito superficiais. Oramos pouco, e oramos mal. Temas profundos como a dor da cidade, problemas sociais, a depravação humana, não se constituem no objeto de nossa oração. Não oramos pelos pecadores para que se convertam, não oramos pelo avanço da obra missionária. Os temas de nossas orações são ensimesmados e superficiais, em busca de conforto e de soluções imediatas para os problemas que enfrentamos.

C.    Terceiro, nossas orações não se identificam com as orações bíblicas: Leia oração de Paulo em Efésios 1.15-23 e Ef 3.14-21. Você já orou dessa forma? Compare suas orações, se é que você tem orado sistematicamente, com as orações que lemos nestes textos. Como são diferentes das nossas.

D.   Oramos muito por coisas. Queremos, pedimos, “reivindicamos e decretamos”. “Como pai, o que mais gostaria de ouvir dos meus filhos não é a lista de itens que precisam – muitos deles legítimos, outros nem tanto, e, quem sabe, a maioria absolutamente supérflua – mas de estar com eles, poder amá-los e ser amado, gozar de uma amizade intensa, íntima e pessoal”(Ricardo Barbosa).


Hoje queremos analisar a oração dos discípulos, registrada em At 4.23-31.
Os discípulos estavam sob enorme pressão politica e religiosa. Ameaçados de morte pelos mesmos líderes que dias atrás colocaram Jesus na cruz. Suas ameaças eram reais e graves. Qual seria nossa oração nesta hora? Certamente pediríamos livramento, pediríamos para que as ameaças acabassem, mas surpreendentemente eles não pediram nada daquilo que seria o centro de nossas orações atuais.

Quais foram os temas de suas orações?
O que eles pediram a Deus?
Qual a natureza e conteúdo de suas orações?
A análise deste texto vai nos revelar onde estava o coração dos discípulos e pelo que oravam?

Primeiramente observamos que a oração dos discípulos estava centrada na soberania de Deus. Esta foi a primeira declaração que fizeram: “Tu, soberano Senhor, que fizeste o céu, a terra, o mar e tudo o que neles há” (At 4.24).
O que oramos vai depender, antes de mais nada, da compreensão e percepção daquele a quem dirigimos nossas orações.
Precisamos colocar o centro de nossas orações no Deus que governa todas as coisas, dirige a história, ouve as orações de seu povo, e vê todas as coisas. Não precisamos dizer a Deus o que está acontecendo, porque ele é soberano, não precisamos dar o enredo e fazer a narrativa, ele a conhece.
Ao orar, é necessário reconhecer que o destino humano é decidido, não pela "vontade do homem," e, sim, pela vontade de Deus. 
“Quando Jesus afirma que o nosso Pai sabe o que necessitamos, isto muda radicalmente todo o conceito utilitário que temos da oração. A pauta das nossas orações não somos mais nós e nossas necessidades, mas Deus e nossa comunhão com Ele. Oramos, não para reivindicar nossas necessidades, mas para demonstrar amor e afeto por nosso Pai” (Ricardo Barbosa).
Como bem afirmou R.C. Sproul: “Nada escapa da atenção de Deus; nada ultrapassa os limites do Seu poder. Deus é autoridade em todas as coisas. Se eu pensasse, mesmo que por um momento, que uma única molécula estava solta no universo, fora do controle e domínio do Deus todo-poderoso, eu não dormiria esta noite. Minha confiança no futuro repousa na minha confiança no Deus que controla a história. Mas como é que Deus exerce esse controle e manifesta essa autoridade? Como é que Deus faz acontecer as coisas que Ele soberanamente decreta?”
Agostinho reitera: “nada acontece neste universo fora da vontade de Deus” e que, em certo sentido, Deus ordena tudo o que acontece. Nada escapa da atenção de Deus.  
A soberania de Deus se expressa na realização do seu plano para a história, mesmo imperceptível (Is 46.10-11). A maior expressão desta soberania foi o envio do Seu Filho ao mundo, na plenitude dos tempos (Gl 4.4), isto é, no tempo em que achou mais apropriado. Deus na grande história e na nossa história individual faz tudo como Ele quer (Is 46.11),. "O nosso Deus está nos céus; ele faz tudo o que lhe apraz" (Sl 115.3).
A. W. Pink argumenta: “Deus preordena tudo que acontece... Deus inicia todas as coisas, controla todas as coisas...” Edwin H. Palmer concorda: “Deus está por trás de tudo. Ele decide e faz todas as coisas acontecerem... Ele preordenou tudo ‘segundo o conselho de Sua vontade’ (Ef 1.11).
Portanto, oração é um ato de humildade, um ato de fraqueza. Quando oramos, admitimos a Deus que precisamos desesperadamente de ajuda, que não temos o controle das coisas. Que não somos autossuficientes. A oração reconhece que Deus é soberano e controla todas as coisas. Nos curvamos perante sua soberania. Reconhecemos que Deus governa com sua mão poderosa e que não podemos controlar qualquer coisa em nós mesmos. Não podemos mudar qualquer coisa e precisamos esperar que Deus mude.
Ao orarmos desta forma, isto muda radicalmente a essência de nossos pedidos. O que pedimos, como pedimos, para que pedimos e a quem pedimos?

Em segundo lugar, a oração dos discípulos estava centrada na Palavra de Deus. Eles liam a Bíblia e oravam de acordo com a Bíblia. “...que disseste por intermédio do Espírito Santo, por boca de Davi, nosso pai, teu servo: Por que se enfureceram os gentios, e os povos imaginaram coisas vãs? Levantaram-se os reis da terra, e as autoridades ajuntaram-se à uma contra o Senhor e contra o seu Ungido” (At 4.25-26).
Com a Bíblia aberta eles interpretaram os eventos que os atingiam. Aquilo que lhes aconteciam fazia parte de um plano soberano, e por isto não deveriam ficar assustados ou surpresos.
Esta é a única forma de nos livrar de equívocos teológicos, de orações vazias e até mesmo heréticas. A melhor forma de orar é, na medida em que lemos a Palavra de Deus, oremos as verdades de Deus, ou para usar uma paráfrase de Michel Quoist, “precisamos orar os salmos”.
Na leitura da Bíblia devemos considerar:

i.               Há algum princípio que aprendi na leitura e preciso assimilar? Ore para que Deus lhe dê humildade e coragem para mudar.
ii.              Há alguma promessa das Escrituras da qual preciso me assenhorear? Suplique a Deus para que seu coração assimile esta verdade.
iii.            Há algum pecado que precisa ser confessado? Você foi confrontado com a Palavra de Deus? Ore por isto, peça sua graça, seu perdão, confesse, arrependa-se.

Orar baseado nas promessas da Palavra mudam a perspectiva na oração.
Os discípulos oram com a Bíblia aberta.

Uma das promessas mais impressionantes das Escrituras encontra-se no livro do Profeta Isaías “Não trabalharão debalde, nem terão filhos para a calamidade, pelo contrário, eles serão a posteridade bendita do Senhor, e estarão para sempre com eles”(Is 65.23). Esta é uma clara promessa de Deus aos pais concernente aos filhos. Muitas vezes ficamos preocupados com a situação espiritual deles – e não deveríamos ficar? O que podemos fazer diante de tudo o que tem acontecido neste mundo caído? Leia com atenção as promessas da Palavra de Deus. “Não trabalharão em vão”. Isto é, o que fazemos hoje pelos filhos, o investimento espiritual, não será vazio. Deus vai abençoar tudo isto. Outra verdade: “Não terão filhos para a calamidade”. Que promessa maravilhosa. Deus não nos tem dado filhos para povoar o inferno.  Elas são a posteridade bendita de Deus. Ao lermos tantas promessas, não vale a pena orar por elas, baseados naquilo que Deus afirma?
Isto significa orar segundo as Escrituras Sagradas.

Em terceiro lugar, a oração dos apóstolos reconhecia o governo de Deus. O que os reis e lideres pagãos estão fazendo, senão cumprir “tudo o que tua mão e o teu propósito predeterminaram”? (At 2.28). Na verdade, podemos fazer a vontade de Deus de duas formas, completamente antagônicas:

a.     Fazemos a vontade de Deus porque desejamos glorificar o seu nome. Ao obedecermos a sua vontade, ao orarmos para que a obra de Deus se realize na história e ao participar fazendo aquilo que ele espera de nós, estamos fazendo de boa vontade.

b.     Fazemos a vontade de Deus, lutando contra Deus. Não fazemos a vontade de Deus apenas quando o obedecemos, mas também quando o desobedecemos. Isto pode parecer um tanto quanto estranho, mas será que, quando os reis da terra se levantam contra o Senhor e o seu Ungido, em algum momento, Deus perdeu o controle da história? Se isto acontecesse, ele deixaria de ser Deus.

Os apóstolos afirmam que a reação histórica à obra de Deus, fazia parte de um projeto maior de Deus. Ele estava cumprindo seus propósitos através da oposição. Eles estavam fazendo ““tudo o que tua mão e o teu propósito predeterminaram”. Isto já havia sido profetizado.
Aqueles homens ímpios, na sua arrogância e altivez, no seu orgulho e rejeição, estavam cumprindo o propósito de Deus, ao perseguir a igreja, tanto quanto Faraó, ao endurecer o coração e não deixar o povo de Deus sair do Egito. Fazia parte do projeto de Deus que Faraó endurecesse o coração. “Eu, porém, endurecerei o coração de Faraó e multiplicarei na terra do Egito os meus sinais e as minhas maravilhas” (Ex 7.3). A dureza daquele homem não escapava à soberania de Deus.
Na oração precisamos aprender que Deus não perdeu o controle. Seja nos dando o que pedimos ou negando o que lhe pedimos. Ele é Deus! Sua glória não deixou de brilhar. Ele é soberano, seus propósitos predeterminados se cumprirão, porque “os dons e a vocação de Deus são irrevogáveis” (Rm 11.29).

Em quarto lugar, a oração dos apóstolos não estava centrada no livramento, mas no propósito de Deus. Em nenhum momento eles oram por livramento. Não é surpreendente?
O que faríamos se estivéssemos diante de ameaças e perseguição? Não convocaríamos um grupo de pessoas para lutarmos em oração para que Deus nos livrasse da oposição e até mesmo do martírio? Pois os apóstolos não oraram por isto em nenhum momento.
Não oram por livramento e nem oram para Deus mudar a situação.
Então, qual foi o motivo de sua oração?
Eles oram por ousadia.
Agora, Senhor, olha para as suas ameaças e concede aos teus servos que anunciem com toda intrepidez a tua palavra, enquanto estendes a mão para fazer curas e prodígios por intermédio do nome do teu santo Servo Jesus” (At 2.29-30).
Eles pedem coragem para enfrentarem a situação, para não recuarem, para não terem medo.
Eles oram também para que o Evangelho prevaleça.
Eles não estão preocupados com seus problemas pessoais, mas com a glória e avanço da mensagem de Jesus Cristo. O que eles pedem é força para enfrentar as ameaças e poder para que o nome de Cristo se torne conhecido.

Conclusão
Orações assim atingem os céus.
Orações assim confrontam as trevas.
Orações assim mexem com as estruturas sísmicas da terra. “Tendo eles orado, tremeu o lugar onde estava reunidos”. O chão tremeu. Muitos movimentos pentecostais gostam de falar que o chão vai tremer, mas o chão treme quando a oração não é ensimesmada, mas o seu conteúdo é a glória de Deus.
Orações assim nos enchem do Espírito Santo. “E todos ficaram cheios do Espírito Santo”. Só se enche do Espírito, quem ora de acordo com o propósito do Espírito.
Orações assim fazem o evangelho avançar. “com intrepidez, anunciavam a palavra de Deus”. Igrejas que buscam conforto e querem evitar o confronto, cujos membros estão interessados em bem estar e ausência de conflito não será uma igreja poderosa no anúncio das eternas mensagens de Cristo.

Qual foi o conteúdo da oração da igreja?
Pelo que pediram? Intrepidez.

O que tiveram?
Intrepidez.

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