Introdução:
A Bíblia não tem heróis nem super-homens. Não
existe ninguém imbatível e perfeito. Pr. Jeremias afirma que quando convida um
pregador famoso para ministrar na sua igreja ele pede para que tais pessoas
fiquem junto com o povo. No primeiro dia fazem uma tietagem, querem tirar
fotografia, pegar autógrafo, mas no 2º dia, as coisas diminuem e no terceiro
dia se tornam todos iguais.
Não vemos heróis na bíblia. Todos possuem pés
de barro, são frágeis, inconstantes, volúveis, eventualmente gostam de
popularidade, falham com sua família. Gente de carne e de osso. A imagem que
tenho ao falar dos “heróis”, é a mesma que vemos na descrição do rei em Daniel
2, que tinha cabeça de ouro, peito e braços de prata, quadris e ventre de
bronze, pernas de ferro e pés de barro. Não adianta ter cabeça de ouro, se os pés
são frágeis. A ruína é iminente. Tal é a natureza da humanidade.
Considere o exemplo de Abrão. Ele é o nosso
“pai da fé”. Pelo menos três religiões possuem um profundo respeito e devoção por
sua figura: Judaísmo, Cristianismo e Islamismo. No entanto é frágil, caráter
pusilânime, enfia o pé pelas mãos e toma atitudes covardes, mente.
Abraão:
Um homem frágil
Onde está aquele corajoso homem cheio de fé,
que se arrisca por um chamado, abandona sua zona de conforto por causa de um
chamado de um Deus que não era o deus de seus pais e vai, sem saber para onde.
Onde está o homem corajoso que “crê contra a esperança”? Veja o que este texto
fala sobre este homem...
Ao chegar na terra prometida, Canaã, sua
primeira experiência foi lidar com a fome naquela terra. Então ele caminha
ainda mais e desce até o Egito. Ao chegar ali, as pessoas começaram a olhar
para sua esposa, que apesar de seus 65 anos, era ainda uma mulher muito bonita.
Uma “gatosa” como dizem os adolescentes: “Uma gata idosa”. E os homens daquela
região, inclusive os príncipes, ficam impressionados com sua beleza. A sensação
que tenho é que ela possuía uma característica diferente daquele povo, mais
queimado, mais escuro, e que Sara tinha olhos azuis. É comum assim acontecer
quando algo diferente ocorre. Por exemplo, as mulatas brasileiras fazem enorme
sucesso no Norte da Europa, quando ali chegam, com seu jeito charmoso, assim
como faz sucesso as suecas entre os brasileiros. Para nós, as morenas possuem
uma beleza normal; para os suecos, as loiras fazem parte da normalidade...
Então, o que faz Abraão quando os homens olham
para Sara? Ele mente para salvar sua pele. E não apenas faz isto, mas a entrega
nas mãos daqueles homens. O texto diz que “a mulher foi levada para a casa de
Faraó”. O que aconteceu com ela? O que ela foi fazer lá? Foi para o harém de
Faraó? Foi apenas uma deferência da corte? O texto parece nos indicar que a
coisa teve implicações maiores, porque “O Senhor puniu Faraó e a sua casa com
graves pragas, por causa de Sarai, mulher de Abrão” (Gn 12.17). O rei chama
Abrão e lhe dá uma dura: “Que é isso que fizeste? Por que não me disseste que
era ela tua mulher?” (Gn 12.18). O Pai da fé sofre uma grande descompostura,
por causa da pusilanimidade de seu caráter.
O que isto nos ensina? A Fragilidade da natureza
humana. O Pai da fé possui pés de barro.
Abraão compromete sua
mulher
A
Bíblia nos mostra, que não apenas uma vez, mas duas, Abrão tem o mesmo
procedimento. O outro relato se encontra em Gn 20.1ss. Abrão não a protege, mas
a expõe.
Eu tenho a impressão de que isto compromete
seriamente a fé de Sara. Afinal, este homem afirma que Deus o visitou, lhe deu
um chamado, lhe deu uma missão de abençoar o mundo, mas agora a expõe a esta
situação. O que fazer?
Quando Deus diz a Sara que ela terá um filho
na sua velhice, ela tem duas reações estranhs:
a)- Ela ri das promessas – Gn 18.12. E Deus a
repreende por sua atitude. “Acaso para o Senhor, há cousa demasiadamente
difícil?”. Eu fico me perguntando se este “riso”, que não é de alegria, mas de
suspeita, não tem a ver com a forma como o seu marido decodificava a fé. A
genuinidade e autenticidade da fé e das experiências de Abrão, talvez tivessem
sido a razao de sua desconfiança;
b)- Ela questiona – “Depois de velha, e velho
também o meu senhor, terei ainda prazer?” (Gn 18.12). O texto diz que tudo isto
se opera no intimo de sua alma, são coisas que não são articuladas nem
verbalizadas, mas que estão na alma de Sara.
Já vi muitas mulheres de presbíteros e
pastores perdendo a fé em Deus, por causa do comportamento dúbio e a
duplicidade de caráter. São pessoas que parecem fervorosas, mas são tão
contraditórias, que a mulher passa a não crer em nada do que ele afirme sobre
sua fé. Já vi muitas mulheres de pastores em
crise, por causa da enorme contradição que havia entre o que o seu
marido falava no púlpito, e o que ela via em casa. Quando ainda
estávamos no seminário, um colega me relatou que estiveram visitando uma igreja
no domingo passado, e era amigo do pastor e de sua esposa. Na hora do sermão,
na medida em que ele ia pregando, e falando de relacionamento, a esposa do
pastor o cutucava e dizia: “Falso, hipócrita!”.
Outra esposa de pastor, no meio de uma grave
crise de casamento, discutia mais uma vez com seu esposo, desta vez, dentro de
um carro, e ela chorando disse que tinha vontade de morrer, e ele disse de
forma zombeteira: “É fácil! Está vindo um caminhão atrás de mim, abra a porta
do carro e salte. Eu direi que foi um acidente e a gente faz um bonito funeral
para você!”
Ao lembrar destes fatos fico me perguntando
quanto de incredulidade geramos na nossa família, por causa de nosso
comportamento pecaminoso. Quantos filhos e filhas rejeitaram a fé, por causa da
incoerência dos pais. Quantas esposas já não crêem mais no evangelho, porque
seus esposos estão sempre envolvidos em situações constrangedoras e
pecaminosas.
Abrão compromete a fé de Sara quando a expõe a
estas situações constrangedoras, quando mente para se defender, quando a
entrega na mão de outro homem para salvar sua pele. Fico me indagando qual deve
ter sido o sentimento de Sara diante disto? Será que as coisas eram
culturalmente diferente e isto não a afetou tão seriamente? Qual deve ter sido
o seu sentimento quando os homens vieram buscá-la e ela teve que se afastar de
Abrão, seu marido? Quais pensamentos, reações e juízos vieram à sua mente? Como
deve ter se sentido ao perceber que era moeda de troca para o seu marido, que
ele não a protegeria nem a defenderia, mas facilmente a entregaria para sua
proteção física e sua ambição. O homem que deveria protegê-la, a expõe
cruelmente.
Como se sentem filhos e esposas com a
incoerência de nossa fé, quando agimos por conforto ou preguiça numa linha
duvidosa de caráter e afetamos e constrangemos a integridade espiritual e emocional
de nossos filhos?
Pv 11.29 afirma: “O que perturba a sua casa, herda o vento”. Sua colheita não será
muito boa. Quando plantamos e não colhemos, perdemos a semente e nosso tempo.
A graça incondicional
de Deus
O último aspecto a ser considerado neste texto
é a teimosa e perseverante graça e misericórdia de Deus.
Por que Deus chamou Abrão? Por causa de seu
caráter inigualável? Pelo seu exemplo como homem de família? Por que nunca
mentia nem falhava em nenhum princípio ético? O texto parece demonstrar de
forma quase intencional que não. Deus chama Abrão, não por causa do que ele
era, mas por causa de seus propósitos eternos.
Se não é este o caso, porque a narrativa
bíblica relataria uma história desta logo após o seu chamado surpreendente? Se
a fé cristã se fundamentasse no relato de super-homens e heróis da fé, este
comportamento escuso do pai da fé cristã e judaica, não poderia aparecer aqui.
Ao ler este texto, eu tenho que pensar na intencionalidade do Espírito Santo,
ao inspirar Moisés a escrever isto.
Por crermos que a Bíblia é a nossa regra única
de fé e prática, e que tudo que nela foi escrito, serve para nos ensinar a ter
paciência, paz e esperança, temos que perguntar, porque este constrangedor
relato foi narrado logo após o chamado de Abrão, sendo este o primeiro relato
de sua história?
Temos
que entender que este texto não é acidental, e nem foi colocado ali por acaso,
mas faz parte de um propósito de Deus em nos ensinar a base de nosso chamado.
A Bíblia faz questão de nos ensinar que Deus
não nos escolhe e chama por causa de nossa bondade, competência, eficiência e
santidade, mas por causa de sua livre escolha. A graça pressupõe falta de
méritos, ou então, deixa de ser graça. Não somos salvos por causa de nossa
vida, nem porque somos melhores, mas pela infinita misericórdia de Deus.
Graça e misericórdia são dois temas cristãos.
A graça implica que Deus nos dá coisas que não merecemos, sendo a mais
importante dela, a salvação. Nossa salvação e eleição não são meritórias;
misericórdia significa Deus deixar de nos dar o que merecemos. Por isto o
profeta Daniel afirma: “Não lançamos as
nossas suplicas perante a tua face fiados em nossas justiças, mas em tuas
muitas misericórdias” (Dn 9.18), porque “a nós, pertence o corar de vergonha... porque temos pecado contra ti” (Dn
9.8). Deus nos salvou, apesar de não termos méritos; Deus nos escolheu, apesar
de não termos feito nada de bom; e Deus nos declara justos por meio de Cristo,
apesar de não termos justiça alguma, a não ser a de Cristo (Rm 5.1;8.1).
O
tema da eleição é muito presente na Bíblia, mas qual é a base de nossa eleição?
Tanto
no Antigo como no Novo Testamento, aprendemos o mesmo princípio: Deus chama seu
povo, não por causa de sua excelência moral, mas por sua livre e espontânea
vontade. Por isto é graça, favor não merecido.
Alguns textos bíblicos:
Dt 9.5-7: “Não é por causa de sua justiça ou de
sua retidão que você conquistará a terra deles. Mas é por causa da maldade
destas nações que o Senhor, o seu Deus, as expulsará de diante de você, para
cumprir a palavra que o Senhor prometeu, sob juramento, aos seus antepassados,
Abraão, Isaque e Jacó. Portanto,
esteja certo de que não é por causa de sua justiça que o Senhor seu Deus lhe dá
esta boa terra para dela tomar posse, pois você é um povo obstinado. Lembrem-se disto e jamais esqueçam
como vocês provocaram a ira do Senhor, o seu Deus, no deserto. Desde o dia em
que saíram do Egito até chegarem aqui, vocês têm sido rebeldes contra o
Senhor”.
Ef 1.4-6: “Porque Deus nos escolheu
nele antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis em sua
presença. Em amor nos predestinou
para sermos adotados como filhos por meio de Jesus Cristo, conforme o bom
propósito da sua vontade, para o
louvor da sua gloriosa graça, a qual nos deu gratuitamente no Amado”.
Ef 2.8-9: “Pois vocês são
salvos pela graça, por meio da fé, e isto não vem de vocês, é dom de Deus; não
por obras, para que ninguém se glorie”.
O
Exemplo de Abraão
Na carta de Paulo aos Romanos, vemos
exatamente a vida de Abrão, quando o Espírito Santo quer trazer uma ilustração
sobre a graça de Deus na salvação. Como é que Deus trata a Abrão? Por que ele
foi eleito para esta tarefa? Deus teria se impressionado com sua performance
espiritual e por isto o transformou o pai da fé?
Leia o texto de Rm 4.1-8
“Portanto, que diremos do nosso
antepassado Abraão? Se de fato
Abraão foi justificado pelas obras, ele tem do que se gloriar, mas não diante
de Deus. Que diz a Escritura?
"Abraão creu em Deus, e isso lhe foi creditado como justiça". Ora, o salário do homem que trabalha
não é considerado como favor, mas como dívida. Todavia, àquele que não trabalha, mas
confia em Deus que justifica o ímpio, sua fé lhe é creditada como justiça. Davi diz a mesma coisa, quando fala da
felicidade do homem a quem Deus credita justiça independente de obras: "Como são felizes aqueles que têm
suas transgressões perdoadas, cujos pecados são
apagados. Como é feliz aquele a
quem o Senhor não atribui culpa".
O texto é claro em nos ensinar, que não foi
por causa das coisas boas que ele fez que Deus o aceitou, se isto acontecesse,
Abrão poderia se orgulhar espiritualmente disto, mas o que fez para Abrão não
foi lhe dar um “salário”, para pagar. Salvação não é pagamento de Deus de algo
que Deus lhe deve, pelo contrário, “Deus credita justiça, independente das
obras”, isto é,Deus coloca saldo na vida de quem está devedor. Ele nos torna
justos independentemente de nossa justiça mediante os méritos de Cristo, e
credita justiça, independente das obras.
Abrão não tem que se gloriar. Seu currículo
não é bom o bastante. Seu padrão moral e espiritual está muito aquém do padrão
de Deus.
É isto que rm 3 tenta nos ensinar. “Todos
pecaram e estão afastados da presença gloriosa de Deus” (NTBLH), por isto
Cristo se sacrificou por nós, morrendo em nosso lugar. “Será que temos motivos
de orgulho espiritual? De modo nenhum” (Rm 3.27).
Conclusão:
Abrão é nosso pai da fé e sua vida demonstra
suas angustiantes lacunas na alma. Abrão é protótipo da natureza caída, frágil
e pusilânime;, inconstante e incoerente, mas Abrão creu em Deus, e isto lhe foi
imputado por justiça. Ele abraçou a oferta de amor que Deus lhe deu, e colocou
toda sua confiança em Deus.
A graça maravilhosa de Deus o transformou.
Isto também me encoraja a viver, olhando para a misericórdia e graça de Deus
revelada na obra de Cristo na cruz. “Como
escaparemos se negligenciarmos tão grande salvação?” (Hb 2.3)
Nenhum comentário:
Postar um comentário