domingo, 24 de março de 2013

Gn 12.10-20 Heróis de barro




Introdução:

A Bíblia não tem heróis nem super-homens. Não existe ninguém imbatível e perfeito. Pr. Jeremias afirma que quando convida um pregador famoso para ministrar na sua igreja ele pede para que tais pessoas fiquem junto com o povo. No primeiro dia fazem uma tietagem, querem tirar fotografia, pegar autógrafo, mas no 2º dia, as coisas diminuem e no terceiro dia se tornam todos iguais.
Não vemos heróis na bíblia. Todos possuem pés de barro, são frágeis, inconstantes, volúveis, eventualmente gostam de popularidade, falham com sua família. Gente de carne e de osso. A imagem que tenho ao falar dos “heróis”, é a mesma que vemos na descrição do rei em Daniel 2, que tinha cabeça de ouro, peito e braços de prata, quadris e ventre de bronze, pernas de ferro e pés de barro. Não adianta ter cabeça de ouro, se os pés são frágeis. A ruína é iminente. Tal é a natureza da humanidade.
Considere o exemplo de Abrão. Ele é o nosso “pai da fé”. Pelo menos três religiões possuem um profundo respeito e devoção por sua figura: Judaísmo, Cristianismo e Islamismo. No entanto é frágil, caráter pusilânime, enfia o pé pelas mãos e toma atitudes covardes, mente.

Abraão: Um homem frágil

Onde está aquele corajoso homem cheio de fé, que se arrisca por um chamado, abandona sua zona de conforto por causa de um chamado de um Deus que não era o deus de seus pais e vai, sem saber para onde. Onde está o homem corajoso que “crê contra a esperança”? Veja o que este texto fala sobre este homem...
Ao chegar na terra prometida, Canaã, sua primeira experiência foi lidar com a fome naquela terra. Então ele caminha ainda mais e desce até o Egito. Ao chegar ali, as pessoas começaram a olhar para sua esposa, que apesar de seus 65 anos, era ainda uma mulher muito bonita. Uma “gatosa” como dizem os adolescentes: “Uma gata idosa”. E os homens daquela região, inclusive os príncipes, ficam impressionados com sua beleza. A sensação que tenho é que ela possuía uma característica diferente daquele povo, mais queimado, mais escuro, e que Sara tinha olhos azuis. É comum assim acontecer quando algo diferente ocorre. Por exemplo, as mulatas brasileiras fazem enorme sucesso no Norte da Europa, quando ali chegam, com seu jeito charmoso, assim como faz sucesso as suecas entre os brasileiros. Para nós, as morenas possuem uma beleza normal; para os suecos, as loiras fazem parte da normalidade...
Então, o que faz Abraão quando os homens olham para Sara? Ele mente para salvar sua pele. E não apenas faz isto, mas a entrega nas mãos daqueles homens. O texto diz que “a mulher foi levada para a casa de Faraó”. O que aconteceu com ela? O que ela foi fazer lá? Foi para o harém de Faraó? Foi apenas uma deferência da corte? O texto parece nos indicar que a coisa teve implicações maiores, porque “O Senhor puniu Faraó e a sua casa com graves pragas, por causa de Sarai, mulher de Abrão” (Gn 12.17). O rei chama Abrão e lhe dá uma dura: “Que é isso que fizeste? Por que não me disseste que era ela tua mulher?” (Gn 12.18). O Pai da fé sofre uma grande descompostura, por causa da pusilanimidade de seu caráter.
O que isto nos ensina? A Fragilidade da natureza humana. O Pai da fé possui pés de barro.

Abraão compromete sua mulher

A Bíblia nos mostra, que não apenas uma vez, mas duas, Abrão tem o mesmo procedimento. O outro relato se encontra em Gn 20.1ss. Abrão não a protege, mas a expõe.
Eu tenho a impressão de que isto compromete seriamente a fé de Sara. Afinal, este homem afirma que Deus o visitou, lhe deu um chamado, lhe deu uma missão de abençoar o mundo, mas agora a expõe a esta situação. O que fazer?
Quando Deus diz a Sara que ela terá um filho na sua velhice, ela tem duas reações estranhs:
a)- Ela ri das promessas – Gn 18.12. E Deus a repreende por sua atitude. “Acaso para o Senhor, há cousa demasiadamente difícil?”. Eu fico me perguntando se este “riso”, que não é de alegria, mas de suspeita, não tem a ver com a forma como o seu marido decodificava a fé. A genuinidade e autenticidade da fé e das experiências de Abrão, talvez tivessem sido a razao de sua desconfiança;
b)- Ela questiona – “Depois de velha, e velho também o meu senhor, terei ainda prazer?” (Gn 18.12). O texto diz que tudo isto se opera no intimo de sua alma, são coisas que não são articuladas nem verbalizadas, mas que estão na alma de Sara.
Já vi muitas mulheres de presbíteros e pastores perdendo a fé em Deus, por causa do comportamento dúbio e a duplicidade de caráter. São pessoas que parecem fervorosas, mas são tão contraditórias, que a mulher passa a não crer em nada do que ele afirme sobre sua fé. Já vi muitas mulheres de pastores em  crise, por causa da enorme contradição que havia entre o que o seu marido falava no púlpito, e o que ela via em casa. Quando ainda estávamos no seminário, um colega me relatou que estiveram visitando uma igreja no domingo passado, e era amigo do pastor e de sua esposa. Na hora do sermão, na medida em que ele ia pregando, e falando de relacionamento, a esposa do pastor o cutucava e dizia: “Falso, hipócrita!”.
Outra esposa de pastor, no meio de uma grave crise de casamento, discutia mais uma vez com seu esposo, desta vez, dentro de um carro, e ela chorando disse que tinha vontade de morrer, e ele disse de forma zombeteira: “É fácil! Está vindo um caminhão atrás de mim, abra a porta do carro e salte. Eu direi que foi um acidente e a gente faz um bonito funeral para você!”
Ao lembrar destes fatos fico me perguntando quanto de incredulidade geramos na nossa família, por causa de nosso comportamento pecaminoso. Quantos filhos e filhas rejeitaram a fé, por causa da incoerência dos pais. Quantas esposas já não crêem mais no evangelho, porque seus esposos estão sempre envolvidos em situações constrangedoras e pecaminosas.
Abrão compromete a fé de Sara quando a expõe a estas situações constrangedoras, quando mente para se defender, quando a entrega na mão de outro homem para salvar sua pele. Fico me indagando qual deve ter sido o sentimento de Sara diante disto? Será que as coisas eram culturalmente diferente e isto não a afetou tão seriamente? Qual deve ter sido o seu sentimento quando os homens vieram buscá-la e ela teve que se afastar de Abrão, seu marido? Quais pensamentos, reações e juízos vieram à sua mente? Como deve ter se sentido ao perceber que era moeda de troca para o seu marido, que ele não a protegeria nem a defenderia, mas facilmente a entregaria para sua proteção física e sua ambição. O homem que deveria protegê-la, a expõe cruelmente.
Como se sentem filhos e esposas com a incoerência de nossa fé, quando agimos por conforto ou preguiça numa linha duvidosa de caráter e afetamos e constrangemos a integridade espiritual e emocional de nossos filhos?
Pv 11.29 afirma: “O que perturba a sua casa, herda o vento”. Sua colheita não será muito boa. Quando plantamos e não colhemos, perdemos a semente e nosso tempo.

A graça incondicional de Deus

O último aspecto a ser considerado neste texto é a teimosa e perseverante graça e misericórdia de Deus.
Por que Deus chamou Abrão? Por causa de seu caráter inigualável? Pelo seu exemplo como homem de família? Por que nunca mentia nem falhava em nenhum princípio ético? O texto parece demonstrar de forma quase intencional que não. Deus chama Abrão, não por causa do que ele era, mas por causa de seus propósitos eternos.
Se não é este o caso, porque a narrativa bíblica relataria uma história desta logo após o seu chamado surpreendente? Se a fé cristã se fundamentasse no relato de super-homens e heróis da fé, este comportamento escuso do pai da fé cristã e judaica, não poderia aparecer aqui. Ao ler este texto, eu tenho que pensar na intencionalidade do Espírito Santo, ao inspirar Moisés a escrever isto.
Por crermos que a Bíblia é a nossa regra única de fé e prática, e que tudo que nela foi escrito, serve para nos ensinar a ter paciência, paz e esperança, temos que perguntar, porque este constrangedor relato foi narrado logo após o chamado de Abrão, sendo este o primeiro relato de sua história?

Temos que entender que este texto não é acidental, e nem foi colocado ali por acaso, mas faz parte de um propósito de Deus em nos ensinar a base de nosso chamado.
A Bíblia faz questão de nos ensinar que Deus não nos escolhe e chama por causa de nossa bondade, competência, eficiência e santidade, mas por causa de sua livre escolha. A graça pressupõe falta de méritos, ou então, deixa de ser graça. Não somos salvos por causa de nossa vida, nem porque somos melhores, mas pela infinita misericórdia de Deus.
Graça e misericórdia são dois temas cristãos. A graça implica que Deus nos dá coisas que não merecemos, sendo a mais importante dela, a salvação. Nossa salvação e eleição não são meritórias; misericórdia significa Deus deixar de nos dar o que merecemos. Por isto o profeta Daniel afirma: “Não lançamos as nossas suplicas perante a tua face fiados em nossas justiças, mas em tuas muitas misericórdias” (Dn 9.18), porque “a nós, pertence o corar de vergonha... porque temos pecado contra ti” (Dn 9.8). Deus nos salvou, apesar de não termos méritos; Deus nos escolheu, apesar de não termos feito nada de bom; e Deus nos declara justos por meio de Cristo, apesar de não termos justiça alguma, a não ser a de Cristo (Rm 5.1;8.1).
O tema da eleição é muito presente na Bíblia, mas qual é a base de nossa eleição?
Tanto no Antigo como no Novo Testamento, aprendemos o mesmo princípio: Deus chama seu povo, não por causa de sua excelência moral, mas por sua livre e espontânea vontade. Por isto é graça, favor não merecido.
Alguns textos bíblicos:
Dt 9.5-7: “Não é por causa de sua justiça ou de sua retidão que você conquistará a terra deles. Mas é por causa da maldade destas nações que o Senhor, o seu Deus, as expulsará de diante de você, para cumprir a palavra que o Senhor prometeu, sob juramento, aos seus antepassados, Abraão, Isaque e Jacó. Portanto, esteja certo de que não é por causa de sua justiça que o Senhor seu Deus lhe dá esta boa terra para dela tomar posse, pois você é um povo obstinado. Lembrem-se disto e jamais esqueçam como vocês provocaram a ira do Senhor, o seu Deus, no deserto. Desde o dia em que saíram do Egito até chegarem aqui, vocês têm sido rebeldes contra o Senhor”.
Ef 1.4-6: “Porque Deus nos escolheu nele antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis em sua presença. Em amor nos predestinou para sermos adotados como filhos por meio de Jesus Cristo, conforme o bom propósito da sua vontade, para o louvor da sua gloriosa graça, a qual nos deu gratuitamente no Amado”. 
Ef 2.8-9: “Pois vocês são salvos pela graça, por meio da fé, e isto não vem de vocês, é dom de Deus; não por obras, para que ninguém se glorie”.

O Exemplo de Abraão

Na carta de Paulo aos Romanos, vemos exatamente a vida de Abrão, quando o Espírito Santo quer trazer uma ilustração sobre a graça de Deus na salvação. Como é que Deus trata a Abrão? Por que ele foi eleito para esta tarefa? Deus teria se impressionado com sua performance espiritual e por isto o transformou o pai da fé?
Leia o texto de Rm 4.1-8
“Portanto, que diremos do nosso antepassado Abraão? Se de fato Abraão foi justificado pelas obras, ele tem do que se gloriar, mas não diante de Deus. Que diz a Escritura? "Abraão creu em Deus, e isso lhe foi creditado como justiça". Ora, o salário do homem que trabalha não é considerado como favor, mas como dívida. Todavia, àquele que não trabalha, mas confia em Deus que justifica o ímpio, sua fé lhe é creditada como justiça. Davi diz a mesma coisa, quando fala da felicidade do homem a quem Deus credita justiça independente de obras: "Como são felizes aqueles que têm suas transgressões perdoadas, cujos pecados são apagados. Como é feliz aquele a quem o Senhor não atribui culpa". 
O texto é claro em nos ensinar, que não foi por causa das coisas boas que ele fez que Deus o aceitou, se isto acontecesse, Abrão poderia se orgulhar espiritualmente disto, mas o que fez para Abrão não foi lhe dar um “salário”, para pagar. Salvação não é pagamento de Deus de algo que Deus lhe deve, pelo contrário, “Deus credita justiça, independente das obras”, isto é,Deus coloca saldo na vida de quem está devedor. Ele nos torna justos independentemente de nossa justiça mediante os méritos de Cristo, e credita justiça, independente das obras.
Abrão não tem que se gloriar. Seu currículo não é bom o bastante. Seu padrão moral e espiritual está muito aquém do padrão de Deus.
É isto que rm 3 tenta nos ensinar. “Todos pecaram e estão afastados da presença gloriosa de Deus” (NTBLH), por isto Cristo se sacrificou por nós, morrendo em nosso lugar. “Será que temos motivos de orgulho espiritual? De modo nenhum” (Rm 3.27).

Conclusão:

Abrão é nosso pai da fé e sua vida demonstra suas angustiantes lacunas na alma. Abrão é protótipo da natureza caída, frágil e pusilânime;, inconstante e incoerente, mas Abrão creu em Deus, e isto lhe foi imputado por justiça. Ele abraçou a oferta de amor que Deus lhe deu, e colocou toda sua confiança em Deus.
A graça maravilhosa de Deus o transformou. Isto também me encoraja a viver, olhando para a misericórdia e graça de Deus revelada na obra de Cristo na cruz. “Como escaparemos se negligenciarmos tão grande salvação?” (Hb 2.3)

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