Introdução:
A partir do capítulo 9:21
estamos no intervalo entre a sexta e a sétima trombeta. As seis primeiras
trombetas já foram enunciadas, estamos agora nesta intersecção, aguardando o
momento que será anunciada a sétima e a última trombeta, que conclui esta série
de eventos escatológicos, culminando com a declaração enfática de que “o
reino do mundo se tornou do Senhor e do seu Cristo”. 11:15
Aqui entramos mais uma vez
na dificuldade que um texto simbólico pode trazer quando vamos interpreta-lo.
Mais uma vez os comentaristas discordam entre a natureza literal e simbólica
deste texto. Obviamente o ambiente de Apocalipse é simbólico por sua própria
natureza. Seria possível interpretar este texto de forma literal? Muitos pensam
que sim. Interpretar corretamente o significado destas testemunhas é
extremamente desafiador, assim como é desafiador interpretar todo o restante
das escrituras. Contudo, interpretar corretamente a Palavra de Deus é
fundamental para nossas vidas, porque quando falhamos na interpretação das
Escrituras, falhamos na compreensão da vontade de Deus e da missão do seu povo.
Uma teologia errada, leva-nos a uma prática pastoral equivocada e pode gerar
grandes transtornos em nosso relacionamento com Deus. O homem é do tamanho do
Deus que ele crê e age de conformidade com o Deus que ele acredita.
Quem são estas duas testemunhas?
Pela descrição do vs.
quatro, este texto é uma referência a visão de Zc. 4:12. O texto diz claramente
que “estas são as duas oliveiras e os dois candeeiros que se acham em pé
diante do Senhor da terra”. Usa os mesmos vocábulos do profeta Zacarias. Lá
os dois ungidos que assistem diante do Senhor são expressos na figura enigmática
e simbólica do sacerdote Josué, cujo nome em hebraico, é o correlativo para o
nome Jesus, no grego, e o governador Zorobabel. Zc. 4:6, 7 Na descrição do
profeta, estes dois ungidos assistem junto ao Senhor de toda terra. Zc.
4:14 Josué representa o sacerdócio, e foi consagrado para o culto (Lv.4:3,5,16)
e Zorobabel, o príncipe da dinastia davídica, a quem cabe o poder real (Zc.4:6;
Ap.11:4).
Veja as possíveis
interpretações:
Para Ellul, trata-se de uma
síntese exata da obra de Deus e refere-se a Jesus Cristo. Filho de Deus e Filho
do Homem. Este texto refletiria a dualidade da natureza de Cristo. Dois rostos
desta mesma testemunha: Um histórico e outro trans-histórico.[1] Para Ladd, é difícil
decidir se estas duas testemunhas são pessoas históricas ou somente
representavam a igreja através do testemunho que proferem. A favor do
simbólico, Ladd afirma que os dois versos anteriores são altamente simbólicos.
A favor do real, ele fala das riquezas de detalhes que nos parecem fazer pensar
que estas duas testemunhas viriam de fato a Israel, promover a conversão deste
povo, através do testemunho que dariam. Para ele, é possível que o simbólico e
o real estejam misturados e presentes. Trabalha com a idéia literal, embora
deixe espaço para discussão.[2]
Para McDowell, refere-se a
uma tipologia de Moisés e Elias, representantes do VT. Um destes ungidos
proclamou o Deus verdadeiro através da Lei; outro, Elias, o fez através dos
profetas. Estes dois homens têm a seu favor o fato de que apareceram na
transfiguração com Jesus, (Mc. 9:4) e estariam voltando a Jerusalém, para
dar-lhes testemunho da verdade. O fato de ambos terem se encontrado com Jesus
dando testemunho da sua messianidade é altamente significativo: Ali se uniram
os representantes da Lei, dos profetas e da graça, o que combina perfeitamente
com o escopo das Escrituras Sagradas.[3]
Outro ponto a ser observador
é que, um dos milagres que Deus fez através de Moisés foi “transformar água em
sangue”, (Ex. 7:14-18) ao passo que o milagre que Deus realizou através de
Elias foi o de não permitir que chovesse sobre a terra por três anos e seis
meses. Elias, pela sua oração “fechou o céu”. I
Rs. 17:1, II Rs.1: 9,10; Tg.5:17. Estes dois milagres são descritos aqui como obra que
estes testemunhas podem realizar, o que corresponde perfeitamente ao perfil de
Moisés e Elias. Barclay segue esta mesma linha de interpretação.[4]
Tertuliano, um dos pais da
igreja, refere-se nos seus escritos a uma crença de que Enoque e Elias foram
ambos trasladados, conforme a descrição da Bíblia, e Deus os teria preservado
no céu para serem os canais que Deus utilizaria para trazer a morte para o
anticristo. (Gn. 5:24 e II Rs. 2:1ss) Seria possível aceitar esta interpretação
de Tertuliano como uma afirmação fidedigna de acordo com este texto?
O palco desta manifestação
geopolítica é Jerusalém. “Lugar onde foi crucificado seu Senhor” (Ap.11:8) e
que é descrito aqui de forma terrível: Como Egito e Sodoma, porque
espiritualmente representam estas duas nações. Estes dois povos são símbolos da
hostilidade contra Deus. Egito é um símbolo permanente da escravidão, enquanto
que Sodoma é o exemplo supremo da iniqüidade e perversão. Jerusalém é comparada
a estas duas nações perversas.
A razão do ódio:
Como afirmamos, MacDowell
interpreta as testemunhas como a mensagem que a Lei e os profetas anunciaram e
que nunca foi do agrado dos pagãos. A razão do ódio e oposição é porque estas
testemunhas servem de julgamento contra a iniqüidade e idolatria dos que
desprezam a Deus. Deixar dois corpos expostos e insepultos era a maior
indignidade do mundo antigo (I Rs. 21:24, Jr. 8:1-2), mas é exatamente isto que
se faz às testemunhas, quando elas são assassinadas. (11:8). A besta, que é o
símbolo dos poderes humanos que são adorados como divinos, é forte opositora a estas
testemunhas. Satanás sempre lutará contra aqueles que proclamam com fidelidade
as verdades divinas. 11:7-10
Interpretação:
Como vemos no texto, as
testemunhas prevalecem apesar de serem temporariamente silenciadas. Este é
novamente um relato simbólico da cruz sendo aqui registrado. Este texto aponta
para a cruz e a ressurreição. O Evangelho nunca será destruído, porém aqueles
que opõem a este testemunho não ficarão em pé, se alguém lutar contra o
testemunho do evangelho será destruído. (11:5) Eventualmente o evangelho parece
ter sido arrasado, mas a vitória final será das testemunhas fiéis de Jesus
Cristo. 11:11-14
Simbolismo dos 42 meses:
Tanto em Apocalipse 11:2
como em Daniel, vemos de forma constante referências a este número simbólico,
algumas vezes fala-se de quarenta e dois meses (12:6; 13:5) outras vezes ao seu
equivalente, 1260 dias ou a 3 ½ anos. Ellul define bem estes termos ao afirmar
que trata-se de períodos “curtos e inacabados”
na literatura apocalíptica.[5] Três anos e ½ é a metade de
sete anos, período em que o mal dominará antes do fim. Assim como o número sete
simboliza o perfeito e o completo, a metade simboliza o contrário. Daniel
relata que o pequeno chifre que sai de um dos 10 chifres anteriores, do quarto
animal “magoará os santos do Altíssimo, e cuidará em mudar os tempos e as
leis; e os santos lhe serão entregues por um tempo, dois tempos e metade de um
tempo”. (Dn. 7:25). 1260 dias representam o período que satanás exerce o
poder no mundo com referência aos últimos dias.
Conclusão:
Seja qual for a
interpretação deste texto, sendo entendido de forma simbólica ou real, revela o
drama da igreja, do povo de Deus, em relação a sua missão e a oposição que ela
enfrenta. Estas testemunhas, analisadas de forma simbólicas ou reais, nos falam
da igreja militante de Cristo, com sua mensagem perturbadora e o enfrentamento
que tal mensagem gera.
Diante disto podemos extrair
algumas lições:
1.
As testemunhas de Deus serão
sempre distinguidas pela unção e luz que recebem do Espírito Santo - As testemunhas estão em pé
diante do Senhor. (11:4) Estar em pé diante de Deus, representa a dignidade do
seu povo. E são representadas aqui por duas figuras.
i.
A oliveira - símbolo da unção,
representa o óleo do Espírito. É a unção de Deus sobre sua igreja. Unção é a
capacitação espiritual que Deus dá a igreja para exercer seu ministério de
forma efetiva. Sem unção é impossível realizar efetivamente a obra de Deus. Um
cristão nascido na África veio morar nos Estados Unidos e procurou uma igreja
para se congregar. Depois de um determinado tempo, lhe perguntaram: “Que você acha do sermão do seu pastor?” E
ele respondeu com seis palavras. “Forte vento, muito relâmpago, nenhuma chuva”.
Sem unção, o testemunho da igreja
é neutralizado pelas forças satânicas. Certa vez perguntaram ao conhecido
evangelista brasileiro, Antonio Elias, o que era unção, e sua resposta foi, ao
mesmo tempo, de extrema significação e simplicidade: “Uns são, outros não são”.
ii.
O candeeiro - representa a luz do
Evangelho, da missão da igreja no meio das trevas. É uma figura do povo de Deus
no meio de uma geração que perdeu seu senso de direção, espiritual e moral, e
que anda cega, incapaz de ver a luz que vem da graça de Deus. (II Co. 4:4).
Simboliza o povo de Deus que é chamado a exercer sua autoridade sobre poderes
malignos que aprisionam milhares de pessoas através de falsas religiões, falsos
deuses e ídolos, trazendo-lhes ignorância teológica e cegueira espiritual.
2.
As testemunhas serão sempre
pessoas cheias de autoridade e do poder do Espírito - Elas tem autoridade para fechar
o céu, para ferir a terra, para converter a água em sangue. A palavra destas
testemunhas é confirmada pelos prodígios que acompanham a mensagem. Estas duas
testemunhas simbolizam a mensagem do povo de Deus durante toda esta dispensação.
Por onde o Evangelho tem sido pregado, o poder de Jesus tem sido experimentado,
vidas tem sido libertas, coxos tem andado, sinais e prodígios têm acontecido.
Ronaldo Lidório é um
missionário brasileiro que foi chamado por Deus para iniciar a pregação do
Evangelho entre uma tribo ágrafa, a nação konkomba no Norte da África.
Até 1990 este povo, com quase 2 milhões de habitantes, dividido em aldeias com
23 dialetos e sem nada escrito, nunca tinha ouvido uma pessoa testemunhar do
amor de Cristo. Após oito anos de trabalho, já existem mais de três mil
convertidos, e 5 igrejas já foram organizadas no meio daquele povo. Ao chegar
na aldeia, com conhecimento mínimo da língua, foi procurado por uma mulher cujo
filho estava coberto de chagas e que, ouvindo que havia uma pessoa falando de
um Deus verdadeiro resolveu pedir ajuda a este Deus, caso ele tivesse poder
para curar o seu filho. Para encontrar-se com o missionário ele teve que viajar
quase três dias.
Aquele missionário fez
aquilo que ele deveria fazer: Orar com fé para que aquela criança fosse curada,
e que o nome de Jesus pudesse ser glorificado acima de todos os falsos
conceitos teológicos que ali eram propagados no meio daquele povo animista.
Orou, enrolou novamente aquela criança no seu manto, vendo-a coberta de ferida
e despediu-se da mãe. Alguns dias depois aquela mãe volta com a criança,
completamente curada e rendendo sua vida a Jesus, dando testemunho do que Deus
fez ao seu filho e retornando para sua tribo falando do Deus verdadeiro que aquele
homem branco estava pregando.
O povo de Deus recebeu esta
autoridade para pregar o evangelho, e esta é uma característica daqueles que
testemunham fielmente esta mensagem. O poder de Deus estará sobre eles.
3.
As verdadeiras testemunhas
sempre enfrentarão oposição e resistência declarada ao inimigo - A relação não é e nem pode
ser pacífica, porque a missão da igreja é dê se opor as obras do diabo e das
trevas. As testemunhas são descritas aqui como inimigas da besta. A Igreja de
Cristo é protestante no sentido em que não negocia determinados fundamentos,
valores. A igreja foi e sempre será contrária aos desígnios das trevas. A
Igreja é a força que “detém o poder do anticristo”. (I Ts. 2:6) A Igreja, cheia
do Espírito de Deus, é a mais forte opositora dos poderes das trevas. A Igreja
nunca será neutra em relação às trevas e nem os poderes das trevas manterão uma
relação de boa vizinhança com a verdadeira igreja. Não é possível haver diálogo
entre a igreja e a besta.
4.
As testemunhas pregam de
forma perturbadora - Tornam-se oposição ao mundo…O texto declara que elas literalmente “atormentaram
os que moram sobre a terra”. (11:10) pelo que anuncia, vive e prega,
torna-se contracultura e perturba a visão secular, a cosmovisão materialista, e
a cultura vigente numa sociedade. A Igreja, por sua natureza intrínseca, é
inimiga deste mundo e do status quo, torna-se oposição clara por causa da
verdade que anuncia, e porque contraria o interesse das trevas. O mundo se
enfurece com isto. A Igreja se torna a voz discordante. Quando nossa mensagem
não perturba, ou os ouvintes já se acostumaram com a mensagem sem se
converterem ou não estamos pregando todo o desígnio de Deus. Mundo e Igreja
possuem naturezas distintas, e “se alguém amar o mundo, o amor do Pai não
está nele”. I Jo.2:15
Para que a mensagem alcance o seu
objetivo, que é o de gerar perturbação na alma dos ouvintes, duas armas são
fundamentais:
(a)- A
verdade do evangelho – Quando pregamos o que as pessoas querem ouvir, e não
o que Deus tem a dizer, podemos agradar, ao invés de perturbar, mas quando a
Palavra de Deus é pregada com seriedade, profundidade e unção, ela não é
facilmente assimilada. Quando Jonathan Edward pregava seu conhecido sermão,
“pecadores nas mãos de um Deus irado”, a descrição do inferno era algo tão real
e séria, que as pessoas se apegavam às colunas do templo, com medo de serem
enviadas para lá. João, o apóstolo, sentiu o drama de comer o livrinho, que era
doce na boca, mas era amargo no estômago. Ap.10:9
(b) O
poder da oração – A mensagem do Evangelho se torna um tormento quando vem
regada por uma atitude de oração por parte da igreja e do pregador. Em tempos
de avivamento, muitas vezes, as pessoas não esperavam o sermão terminar
interrompendo a pregação, porque não podiam mais aguardar o fim do culto,
diante do incômodo que a mensagem gerava dentro da alma. Outras vezes os
espíritos malignos é que são atormentados pelo poderoso testemunho da mensagem
da cruz. Certa vez, quando Jesus, a grande e perfeita testemunha de Deus se
encontrou com um homem possesso, o espírito maligno exclamou com alta voz: “Que
tenho eu contigo, Jesus, Filho do Deus Altíssimo? Conjuro-te por Deus que não
me atormentes”. Mc. 5:7
5.
A testemunha será
inexoravelmente vitoriosa - A testemunha
muitas vezes parece ser silenciada. Muitas vezes na história, a Igreja teve sua
boca fechada, foi silenciada, aparentemente derrotada, mas Deus faz novamente
surgir vida nos seus escombros. A igreja muitas vezes parece perder alguns
rounds, mas a vitória pertence ao povo marcado por Deus. Pela forte oposição
que enfrenta ou pelas heresias que surgem dentro dela parecem muitas vezes
serem silenciadas, aniquiladas. Triunfo aparente da besta. Mas a igreja se
levanta novamente pelo espírito de vida que Deus sopra nelas para reviver e a
restaura e a renova, para cumprir sua missão. Afinal o papel da testemunha é
declarar o que sabe, pronunciar-se a respeito. Ela é convocada para falar.
Heresias,
perseguições, oposição humana muitas vezes se levantam contra o povo de Deus,
parece o triunfo das trevas, parece que a besta venceu. Mas a igreja,
aparentemente morta, recebe um novo sopro de Deus, e se torna mais eficiente
que nunca na sua missão de evangelizar e testemunhar o Filho de Deus. O período
que antecedeu a Reforma Protestante no século XVI foi um período no qual a
igreja estava aparentemente morta, a corrupção, o distanciamento da igreja de
Cristo pareciam apontar para um ponto final do povo. A corrupção moral do
clero, a perda da relevância da Bíblia, as indulgências, tudo parecia indicar que
a testemunha perdera seu poder. Mas Deus faz surgir um novo tempo que foi
marcado, não pelo silêncio da igreja, mas pelo resgate da mensagem e pela
pregação poderosa da mensagem de salvação.
Conclusão:
As duas testemunhas
continuam ainda a desafiar a imaginação e interpretação dos comentaristas. Mas
seja como forem interpretadas, elas nos levam a pensar na grandiosa obra da
pregação do Evangelho, tarefa esta delegada a Deus para que seu povo efetue.
Estas testemunhas se acham de pé diante do Senhor da terra. (11:4), mas toda
missão e oposição são sentidas aqui na terra. São testemunhas do Deus
Altíssimo, mas enfrentam oposição da besta, que muitas vezes em Apocalipse
representa os sistemas humanos e da população que rejeitam e odeiam a mensagem
que é proclamada. Esta mensagem sofre forte oposição, porque é contrária aos
interesses do mundo e porque denuncia as obras das trevas. “O julgamento é
este: que a luz veio ao mundo e os homens amaram mais as trevas que a luz,
porque as suas obras eram más”. Jo. 3:19
Esta mensagem nos leva a
pensar na necessidade de não nos desencorajarmos face aos momentos de forte
oposição que o povo de Deus pode enfrentar, e a nos mantermos fiéis, aconteça o
que aconteça, à missão que nos foi delegada, porque as portas do inferno não
prevalecerão contra a igreja de Cristo.
Samuel
Vieira,
Lake
Champlain, NY - 12.08.00
Nenhum comentário:
Postar um comentário