Introdução
Um dos conceitos bíblicos mais utilizados para se referir à
obra de Cristo a nosso favor é a “imputação”. Neste texto, lemos inicialmente:
“É o caso de Abraão, que creu em Deus, e
isso lhe foi imputado para justiça” (Gl 3.6).
Qual é o significado desta afirmação?
Em
Rm 4 Paulo fala deste mesmo assunto, referindo-se a Abraão. “Que, pois,
diremos ter alcançado Abraão, nosso pai segundo a carne? Pois se Abraão
foi justificado por obras, tem de que se gloriar, porém não diante de Deus..
Pois que diz a Escritura? Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado para
justiça. Ora, ao que trabalha, o salário não é considerado como favor, e sim
com dívida. Mas, ao que não trabalha, porem crê naquele que justifica o ímpio,
a sua fé lhe é atribuída como justiça. E é assim também que Davi declara, ser
bem-aventurado o homem a quem Deus atribui justiça, independentemente de obras”
(Rm 3.1-6).
Abraão
não foi justificado porque fez algo. Sua justificação foi dada gratuitamente, e
ele a recebeu pela fé.
A
tradução viva afirma: “Abraão creu, e isto lhe foi creditado para justiça”.
Imputar
é atribuir a alguém aquilo que ele não tem.
Isto
aconteceu a Abraão, e é isto que nos acontece quando cremos na obra de Cristo.
Deus coloca em nós sua justiça. Não a conquistamos, mas a recebemos como
presente.
Tentando
ilustrar:
Imagine
que você esteja falido financeiramente, e procura o banco para negociar sua impagável
dívida. Você sabe que geralmente o banco é inflexível quando alguém procura
misericórdia. Banco não é agência de socorro, mas uma entidade financeira. Ao
chegar ao gerente, ele observa que sua situação é realmente trágica e você está
completamente falido.
Apesar
de seu choro e súplica, você sabe que o gerente nada pode fazer, por mais que
ele seja seu amigo. Você deve e precisa pagar!
Suponhamos
então que o inusitado aconteça. Que o gerente se compadeça de você e use um
fundo perdido do banco para zerar sua
conta. E ele lhe entrega sua dívida completamente quitada. Você não deve mais
nada. Não há registro no banco desta dívida, nem do Serasa. Seu nome está
limpo.
Esta
seria uma notícia maravilhosa, não é mesmo? Não dever mais nada!!!
Suponhamos
então, uma coisa ainda mais magnífica. Quando você vai saindo de sua mesa, ele
o convida para voltar. Você então imagina que de fato a história estava boa
demais para ser verdade, mas ao retornar, o gerente coça a cabeça e lhe diz:
“Vou fazer algo ainda maior por você. Vou colocar um crédito na sua conta”. E
lança de outro fundo, o inusitado valor de R$ 20 mil reais. O que você acha?
Isto
é o que Deus faz por você.
Sua
conta é impagável.
Você
está condenado.
Deus
não apenas zera sua conta. “Tudo está pago!”, mas ele credita algo positivo na
sua conta. “Ele atribuiu justiça”, não a sua, mas a de Cristo, já que a sua tem
saldo devedor. Por isto Paulo afirma que não gostaria de se apresentar diante
de Deus com justiça própria, senão a que procede de Deus, a justiça de Cristo
(Fp 3.10).
Outra ilustração:
Paulo
afirma em Rm 4, que “ao que trabalha, o
salário não é considerado como favor, e sim com dívida”. Não é assim mesmo?
Se
você se dedicou à sua empresa o mês inteiro, e no final o seu contracheque lhe
é entregue e a empresa afirma que está dando o seu salário como favor, sua
reação não seria de surpresa e indignação? Óbvio: “você trabalhou, você não
está recebendo favor, mas seu salário é justo. Você mereceu pelo seu tempo e
dedicação”.
Mas
imagine que seu patrão chegue com um cheque dez vezes maior e resolva lhe dar.
Ainda assim, poderia ser em reconhecimento ao seu trabalho ou algo especial que
você tenha feito. Ainda assim seria, de alguma forma, algo relacionado ao mérito.
Você fez algo. Mas e se nada especial houvesse e a pessoa simplesmente lhe
desse este valor, isto seria graça.
O
que Deus fez com Abraão. Quando ele creu, apesar de não ter feito nada, Deus
lhe imputou justiça.
A abrangência da
justificação
Outro
aspecto que este texto relata é que a obra de Cristo alcança “todos os povos”.
Não
mais se um “Deus tribal” como era o conceito judaico, mas um Deus para todos os
povos. Uma promessa e um pacto para todos os povos. Este era o objeto de Deus
ao abençoar Abraão.
Os
judeus se consideravam os únicos filhos de Abraão.
Paulo
está dizendo que Deus queria abençoar todos os povos por meio do Pai Abraão.
Joao
Batista já havia dito isto: “...e não
comeceis a dizer entre vós mesmos: temos por pai a Abraão; porque eu vos afirmo
que destas pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão” (Mt 3.9)
Jesus
já havia questionado esta superioridade racial: “Então lhe responderam: Nosso pai é Abraão. Disse-lhes Jesus: Se sois
filhos de Abraão, praticai as obras de Abraão” (Jo 8.39)
Paulo
agora afirma: “Sabei, pois, que os da fé são abençoados com o crente Abraão”
(Gl 3.7).
A
obra de Cristo é para todos os povos. Não se atém a uma geografia, genealogia,
cultura, ou politica. “Em ti serão
benditos todas as famílias da terra”.
O Modus operandi da
salvação
Mais
uma vez o texto bíblico realça a importância da obra de Cristo em detrimento
das pobres obras humanas.
O
homem é salvo pela fé, ao receber a promessa de Deus e crer na obra de Cristo.
“todos quantos, pois são das obras da lei
estão debaixo da maldição, porque está escrito: maldito todo aquele que não
permanece em todas as coisas escritas no Livro da lei, para praticá-las” (Gl
3.10).
Ao lermos a afirmação: “Cristo nos resgatou da maldição da lei” (Gl 3.13), podemos criar a
impressão de que a lei de Cristo é maldita. Não é disto que a Bíblia fala. O
problema não está na lei, que é perfeita, mas no homem, que é incapaz de
praticá-la.
O
princípio da lei está escrito: “Aquele
que observar os seus preceitos, por eles viverá” (Gl 3.12). Em outras
palavras, se alguém conseguisse viver perfeitamente pela lei, poderia ser salvo
por ela. Mas a verdade é que “todos
pecaram e destituídos estão da graça de Deus”. O homem é incapaz de satisfazer
as exigências divinas.
Paulo
radicaliza sua visão em Rm 3.19: “Ora,
sabemos que tudo o que a lei diz, aos que vivem na lei o diz para que se cale
toda boca, e todo mundo seja culpável perante Deus”. A lei foi dado para vida, mas o que aconteceu? Ela se transformou
em denúncia. Diante de Deus, o justo juiz, todos estamos condenados. A Bíblia
fala que a lei manda um recado, curto e grosso: “Cale a boca!”. Pare de se
defender! Você não tem razão, você está falido! Todos somos culpados perante
Deus. A lei é boa, mas é inoperante. Ela é santa, mas ao invés de me dar vida,
me condena, por causa da minha incapacidade de cumpri-la.
Cristo nos resgatou
da maldição da lei
O que fez Cristo? Em que consistiu sua obra?
“Cristo nos resgatou da maldição da lei,
fazendo-se ele próprio maldição em nosso lugar, porque está escrito: maldito
todo aquele que for pendurado em madeiro” (Gl 3.13).
A
lei do Antigo Testamento preconizava que todo aquele que fosse ao madeiro seria
maldito. Cristo assumiu nossa culpa, condenação e acusação em seu próprio
corpo, morrendo em nosso lugar.
Ele
morreu nossa morte.
Ele
tomou nossa vergonha.
Ele
cumpriu perfeitamente a lei, que nenhum homem poderia cumprir e assumiu nosso
lugar pelo seu sacrifício perfeito.
Como vive o “justo”?
Mediante
a obra de Cristo somos considerados “justos” aos olhos de Deus. Ele nos
“imputou”, ou “creditou” justiça.
“O justo viverá pela fé”
Assim
vive o justo.
Não
pela sua performance espiritual, nem pelos seus méritos, mas pela fé na obra do
Filho de Deus.
Não
a sua justiça, mas a justiça de Cristo.
Foi
esta verdade transformadora que mudou radicalmente o coração do monge
agostiniano Lutero, ao ler em Rm 1.17: “visto
que a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito: o
justo viverá por fé”. Ele relata que nesta hora, percebeu que não deveria
olhar para si mesmo, mas para obra de Cristo, e esta verdade transformou
radicalmente sua vida. Não mais pelas suas obras, mas pelas de Cristo; não mais
pelas suas conquistas, mas as de Jesus.
Assim
vive o justo.