Introdução:
Todos
enfrentamos situações adversas e problemas que vão muito além de nós mesmos,
que vão além de nossa capacidade de resolvê-los, equacioná-los, administrá-los,
mas o maior problema não é exatamente o tamanho dos monstros adiante de nós,
mas dos monstros que habitam dentro de nós.
Um
exemplo direto é o de Davi enfrentando Golias. Ninguém tem dúvida que o seu
problema era maior que sua capacidade, entretanto, sua firmeza interior o
transforma em um gigante, ousado e destemido e ele obtém vitória. O que fez diferença
na intrepidez de Davi? A lente que ele usava...
Quando
Jesus vai se encontrar com os discípulos no mar revolto, ninguém tem dúvidas de
que a situação era assustadora, mas o primeiro ato de Jesus ao encontrá-los,
não foi acalmar o mar, mas os seus corações. Ele poderia ter dito
antecipadamente ao mar: “sossega, aquieta-te!”, e o coração dos discípulos
estaria em paz. Entretanto, ele se volta primeiro aos discípulos e lhes diz:
“Sou eu. Não temais!” Antes de acalmar o mar, Jesus precisa acalmar seus
corações. Jesus precisava mudar a lente que os discípulos estavam usando...
Moral
da história:
O
grande desafio não é a crise que enfrentamos
Mas como
a enfrentamos.
Não o
que, mas o como.
Não
aquilo que acontece, mas aquilo que nos acontece.
Com
que óculos enxergamos os problemas.
Logoterapia
afirma: “Não interessa aquilo que os outros fazem conosco, mas sim aquilo que
faremos com o que fazem conosco”.
Por
isto, o mesmo problema pode ser interpretado de forma diferente, dependendo
como está o nosso coração e com as lentes que usamos. O mesmo sol que derrete a
neve, endurece o barro.
Quando
analisamos os fracassos comuns, vemos que na sua maioria, o problema não era o
tamanho da crise, mas como a enfrentamos.
Moisés
está mais uma vez enfrentado a murmuração e sofrendo a pressão das pessoas.
Este
texto possui uma interessante narrativa com três personagens:
Primeiro:
o povo – “chorando e murmurando”. Querem comida, tratamento melhor, fazendo
exigências e reivindicações.
Segundo:
Moisés – interpretando: “...e pareceu mal
aos olhos de Moisés. Disse Moisés ao Senhor: Por que me fizeste mal a teu
servo, e porque não achei favor a teus olhos, visto que puseste sobre mim a
carga deste povo” (Nm 11.10,11).
Terceiro:
Deus – Sendo acusado por Moisés. Ele não acha que Deus foi justo ao colocar
sobre seus ombros a liderança.
A
verdade: O problema não era dele, nem de Deus, mas do povo. Entretanto, ele
toma o problema do povo, transforma tal problema em seu problema, e acusa a
Deus de ter causado o problema.
Lentes
distorcidas...
O
que leva Moisés a tal situação de angústia e ira?
O
que está gerando fracasso na sua vida?
Deixe-me
abordar três aspectos que demonstram como Moisés estava com a lente distorcida...
Primeiro, Moisés deixou de perceber Deus
como seu aliado e o transformou em um algoz e opositor
Depois
de ser pressionado pelo povo, Moisés se volta para Deus acusando-o: “Por que fizeste mal a teu servo?”
(11.11). Como assim, que mal Deus realmente lhe fez? Dar-lhe responsabilidade
era seu mal?
Moisés
se transforma em uma vítima de Deus.
Sua lente
prejudicava sua visão...
Quando
isto acontece, seu problema se torna bem maior do que ele realmente é.
O
problema de Moisés deixa de ser uma crise de liderança para se tornar uma crise
teológica.
Muitas
vezes, a doença, a adversidade, os percalços (o real problema), deixam de ser o
real problema e se tornam secundários.
Grande
parte dos problemas não tem a ver com o tamanho da dificuldade, mas a pequenez
com que enxergamos a Deus. É uma questão de perspectiva, de visão. Quando a
lente está desfocada, muda-se a percepção dos fatos.
Moisés
teve pena de si mesmo, sentiu-se vitimado.
Você
já se sentiu vitima? Das pessoas, Deus, situações? Já acusou seu marido, filho,
ou pai, ou pastor do seu fracasso?
É
muito comum atribuirmos aos outros a causa de nosso fracasso. Uma mulher pode
dizer: “Não consegui estudar, por causa do marido”; ou o marido: “Não fiz as
coisas por causa da minha mulher”, ou o filho: “a culpa é de meus pais”. Talvez
eles sejam realmente culpados e tenham errado em muitos aspectos, mas não dá
para achar que o problema todo sejam eles. Pessoas vitoriosas enfrentaram
barreiras muito maiores que as suas, mas isto não as impediu de avançarem.
Para
superar os obstáculos, é mais desafiador dizer: “tenho sido indolente,
preguiçoso, não aproveitei as oportunidades, planejei mal, fiz opções erradas”,
do que pegar o outro para justificar seu fracasso.
Muito
menos, culpar a Deus.
Cuidado
com a lente que você está usando...
Segundo, Moisés deu ao problema enfrentado,
uma dimensão equivocada.
O
que ele fez?
Ele
transformou a acusação e a pressão do povo, que diminuía a sua popularidade e
aceitação publica (isto não é bom para nenhum líder), em algo relacionado ao
seu caráter.
Sua
leitura estava errada.
Sua lente
esta fora do foco...
O
pessoal não o estava acusando de ser desonesto ou irresponsável. O povo queria
carne. A forma como o povo fez isto foi pressionando a liderança. Mas Moisés
interpretou isto como se fosse um questionamento do seu caráter.
“Se assim me tratas, mata-me de uma vez, eu
te peço, se tenho achado favor aos teus olhos; e não me deixes ver a minha
miséria” (Nm 11.15). Que miséria? Não ser capaz de providenciar comida ao
povo murmurador?
Existe
um nome disto em psicologia. Chama-se co-dependência. Isto acontece quando nos
sentimos culpados pelo erro dos outros ou fracasso dos outros.
Moisés
não enfrentaria nenhuma miséria por não dar carne e atender às expectativas das
pessoas, mas não era isto o que ele via. Não resolver aquele problema, não o
transformava em um fracasso, nem significava que ele estava na miséria.
Gosto
muito de refletir no que John Haggai afirmou:
“Se
você perder tudo, mas mantiver sua integridade moral e espiritual, é possível
reconstruir tudo”.
A
grande miséria nossa é moral, pecaminosa. Tem a ver com vícios do caráter
relacionados à ambição, a preguiça e à mentira. Isto realmente nos leva a uma
situação de fracasso. Popularidade não é o problema. Às vezes a impopularidade
apenas revela que estamos indo na direção oposto aos anseios pecaminosos de uma
comunidade cheia de caprichos, como estava acontecendo neste caso.
Terceiro, Moisés colocou seu olhar nas impossibilidades
ao invés de crer nas infinitas possibilidades de Deus.
Ele olha
para o problema como algo insolúvel. E se seu olhar não levasse em conta o
poder de Deus, ele estaria certo. Contudo, quando Deus ouve o relato de Moisés
ele afirma: “comereis carne” (Nm
11.18). E ainda o surpreende ao dizer que não faria isto por um dia, nem por
uma semana, mas por um mês inteiro.
Moisés
que já vira tantos milagres de Deus poderia apenas crer. Ele poderia apenas
dizer: “Senhor, já vi o Senhor fazendo tantas coisas maravilhosas e
surpreendentes. Já vi o mar se abrindo... já vi águas amargas se tornarem
saudáveis... Tenho visto o milagre da sua provisão diária, sustentando diariamente
dois milhões de pessoas com o maná que desce dos céus. Sei que nada disto é fácil,
mas o Senhor tem todo poder”.
Ao
invés de uma resposta de fé, como Moisés responde? Com incredulidade e ironia (Nm
11.21,22). Ele não apenas descrê, mas trata com sarcasmo o que Deus afirma. Ele
ironiza...
A percepção
de Moisés sobre Deus estava equivocada. Suas lentes distorcidas.
Diante
disto Deus faz uma pergunta importante, essencial: “Ter-se-ia encurtado a mão do Senhor?” (Nm 11.23).
Pensando
nesta pergunta de Deus a Moisés e em outras ocasiões nas quais ele faz
afirmações similares, percebemos que em três outras ocasiões Deus sempre dirige
esta palavra não a incrédulos, mas para seu povo crente, a fim de que eles
entendessem o que ele estava fazendo. Deus faz colocações semelhantes a Abraão,
Jeremias e Maria. Um time respeitável de crentes, não? Se ele fez isto a
pessoas tão comprometidas, será que não deveríamos nos perguntar de tempos em
tempos se existe problema maior do que Deus e se a terra tem dor que o céu não
possa curar, se há alguma coisa que Deus não consegue fazer?
Um olhar em Abraão
Deus
lhe promete um filho (Gn 17.15-17). As condições eram realmente desfavoráveis
considerando a situação. Qual foi a resposta incrédula e irônica de Abraão: “Tomara que viva Ismael diante de ti”. (Gn
17.18). Percebe a sutileza? Deus não estava falando de Ismael, mas o que faz
Abraão: “entendi...Ismael é a solução...”
Como Deus responde a Abraão? “De fato,
Sara, tua mulher te dará um filho” (Gn 17.19).
O
que faz Sara quando ouve? Ela ri... “riu-se
Sara no seu íntimo” (Gn 18.12).
Então,
Deus faz a clássica afirmação: “Acaso
haveria alguma coisa demasiadamente difícil para mim?” .
Um olhar em Jeremias
Veja
que situação dramática!
Jeremias
é o profeta que anuncia a destruição iminente de Jerusalém. Ele afirma que nada
vai sobrar, Deus vai destruir tudo, as pessoas vão morrer, e muitos serão
levados ao exilio para se tornarem escravos. Nas vésperas da invasão, Deus o
leva a comprar uma propriedade. Quem compraria uma terra sabendo que a invasão
será imediata? Entretanto, o que fez Jeremias? Em obediência ele compra. Mas
apesar de ter obedecido, as coisas não fazem sentido para o seu coração
confuso. Ele questiona: “Contudo, ó
Senhor Deus, tu me disseste: Compra o campo por dinheiro e chama testemunhas,
embora a cidade já esteja entregue nas mãos dos caldeus” (Jr 32.25).
Qual
a resposta que Deus dá?
“Eis que eu sou o Senhor , o Deus de todos os
viventes; acaso, haveria coisa demasiadamente maravilhosa para mim?” (Jr
32.27).
Ele afirma
a Jeremias que apesar daquele dramático momento para o povo de Israel, terras
voltariam a ser negociadas nos contornos de Jerusalém (Jr 32.43-45).
Deus
não precisa de ambiente favorável para cumprir suas promessas. Ele é Deus.
Então,
fracassamos quando limitamos os sonhos à realidade que enfrentamos, ao invés de
olhar para as possibilidades de Deus. Esbarramos na nossa tristeza diante de
impossibilidades, sem nos lembrarmos que Jesus de Nazaré é que tem a última
palavra.
Certo
tesoureiro numa igreja de Goiânia, quando indagado sobre o orçamento da igreja
e os desafios a serem alcançados, se seria possível atingir as metas ele
respondia: “quer que eu fale como homem de Deus ou como economista?”.
Um olhar em Maria
O
terceiro texto se encontra no Novo Testamento, no anúncio dado à Maria por
Gabriel. Ela recebe a notícia do inusitado evento: “Eis que conceberás e darás a luz um filho” (Lc 1.31).
Maria
não consegue juntar as peças na sua mente: “como será isto, pois não tenho relação com homem algum” . Gabriel
responde: “Descerá sobre ti o Espírito
Santo” e afirma: “Porque para Deus
não haverá impossíveis em todas as suas promessas” (Lc 1.37).
É
interessante observar que o questionamento de Maria se refere ao como, ou à operacionalização do fato, à
metodologia de Deus. Deus não fala muito do como, mas coloca ênfase na sua
natureza capaz de realizar prodígios e milagres.
Conclusão
Como o Evangelho se aplica a todas estas
verdades?
Um olhar em Jesus
A
anatomia do fracasso está clara aqui na admirável pessoa de Moisés. Moisés é um
homem de Deus, mas isto não o impede de ser incrédulo e até mesmo cínico e
desconfiado com Deus. Moisés trata a situação com ironia, até que Deus lhe afirma:
“ter-se-ia encurtado o meu braço?”
O
braço de Deus vai muito além do que imaginamos.
Seu
poder vai muito além daquilo que podemos equacionar. Ele pode dar infinitamente
mais do que tudo aquilo que pedimos ou pensamos.
Mas a grande obra, a grandiosa obra, a eterna
obra se daria num lugar de contradições: na cruz do calvário.
Foi
além que Jesus fez algo muito maior do que poderíamos imaginar. Jesus se deixa
levar para uma cruz, para ser humilhado e esmagado por nós. Ele morreu pelos
nossos pecados. Ele nos redimiu da culpa dos pecados, ele nos livra do inferno
e das mãos do diabo. Quem poderia imaginar que num lugar tão tosco e vil,
reservado aos condenados, Deus estava estendendo seu braço para salvar todos
aqueles que pela fé creriam nele e colocariam sua confiança na sua obra.
Naquela
cruz, o braço de Deus se ampliou grandemente para alcançar os seus eleitos.
Poucas
pessoas entenderam tão bem esta verdade quanto Spurgeon:
“Minha
fé não está firmada no que sou, nem no que devo ser, nem no que sinto, nem no
que sei, mas no que Cristo é, no que ele fez e no que ele está fazendo”.
O
seu braço estendido, alarga-se, para alcançar pessoas miseráveis e pecadores,
para dar esperança aos que sofrem. Pessoas consumidas pela culpa podem ser
resgatadas da escravidão, pessoas que sofrem podem encontrar esperança e
alegria nele, aqueles que titubeiam, podem encontrar nele a segurança e certeza
de que nossa vida não depende da capacidade nossa de crer na grandeza de Deus,
mas na grandeza de Deus em nos alcançar quando, assim como Moisés, achamos que
o desafio é grande demais, até para o próprio Deus.
E
sua resposta será sempre: ““Ter-se-ia
encurtado a mão do Senhor? Agora mesmo, verás, se se cumprirá ou não a minha
palavra” (Nm 11.23)
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