Introdução:
Um dos maiores desafios do
intérprete da Bíblia e do devoto estudioso da Bíblia é entender o papel da
obediência da Lei. Qual sua validade? Se sou salvo pela graça, por que deveria
guardar os mandamentos? Se eu desobedecer não corro o risco de "perder a minha salvação?" Os riscos imediatos são o legalismo e antinomismo.
Legalismo
Neste caso, aqueles que são
estritos na guarda da lei, cumprindo rigorosamente todas as prescrições, sendo
criteriosos em tudo e com forte tendência de julgar os outros, apontar seus
defeitos, e, inevitavelmente achar que, por que guardam a lei de Deus, este lhe
deve alguma coisa. Este grupo se torna religioso, cioso, e Jesus os criticou
mais do que qualquer outro grupo. Jesus chegou a afirmar que “publicanos e
meretrizes os precederiam no reino dos céus”, porque apesar do rigor externo na
guarda do mandamento, o coração não era atingido e transformado pelo amor,
misericórdia e justiça.
O legalista observa
rigorosamente a lei, mas está sob sua servidão. Uma vez que não é capaz de
cumprir integralmente a lei, acaba vivendo de aparências. Pauta seu
comportamento pela religiosidade hipócrita. Observa excessivamente o exterior,
mas não é capaz de examinar o próprio interior. Aponta os pecados alheios, mas
não enxerga os próprios erros.
Antinomismo ou libertinagem
O Segundo grupo é aquele
que acredita na graça de Cristo, e já que são salvos, não precisam se preocupar
com a guarda dos mandamentos. Tendem a se tornar descuidados na sua santidade e
compromisso com o reino, e desenvolvem uma “graça barata”, como bem apontou Bonhoeffer. Erroneamente afirmam: “Se é
pela graça imerecida que Deus dá todas as coisas, nada do que eu fizer, vai
mudar o coração de Deus”. A vida de descaso espiritual, mundanismo e futilidade
facilmente dominam tais corações.
O antinomista detesta a lei
e a lança fora. Transforma a liberdade em libertinagem. Rejeita integralmente a
lei e se declara completamente livre de suas exigências. Vive sem normas ou
limites.
O Modus operandi da Lei
O princípio da Lei é claro:
o homem viverá diante de Deus pela guarda da Lei. “Faça isto e viverás”, a desobediência traz morte e condenação.
Deus desejava trazer vida por meio da obediência. o modus operandi da lei é: "Faço, portanto sou amado!" o modus operandi da lei é: "Sou amado, por isto faço!".
Por esta razão, a leitura de Dt
28 nos desafia, porque ela fala das bençãos da obediência e os trágicos resultados da desobediência. Como a lei o evangelho se complementam quando o assunto é obediência?
A lei tinha objetivos
claros:
Dt 5.33: “Andareis em todo caminho que vos o manda o
Senhor, para que vivais, e bem vos suceda, e prolongueis os dias na terra que
haveis de possuir” (Dt 5.33).
Dt 6.3: “Ouve, pois, ó Israel, e atenta em os
cumprires, para que bem te suceda e muito te multipliques na terra que mana
leite e mel, como te disse o Senhor Deus de teus pais”.
Dt 6.18: “farás o que é reto e bom aos olhos do
Senhor, para que bem te suceda, e entreis e possuas a boa terra, a qual, o
Senhor, sob juramento prometeu dar a teus pais”.
O Objetivo da Lei
A obediência era a forma de
receber as bençãos de Deus. Os mandamentos foram dados para a vida. O alvo de
Deus era abençoar seu povo por meio dos seus mandamentos. Deus estava cuidando
do seu povo através da sua lei. O objetivo era “para que vivais”.
Muitos acham os mandamentos
de Deus opressivos, repressivos, mas Deus os deu para que, através de seu
cumprimento, recebêssemos vida em abundancia. Por isto as leis de Deus tinham
objetivos distintos:
A. Leis humanitárias – Visavam proteger os
escravos, e o grupo que classicamente representa àqueles de quem foram tirados
os privilégios e cidadania: orfão, viúva e o estrangeiro.
B. Leis ecológicas – Algumas destas leis
tinham objetivo de proteger a natureza contra a ambição humana, como aquelas
que estavam relacionadas ao jubileu da terra e ao seu sabático. “de sete em
sete anos a terra deveria “descansar”. Nem mesmo o pensamento ecológico mais
moderno jamais pensou em algo tão sensível quanto isto. Havia os mandamentos
voltados para proteção dos animais, que não poderiam ser maltratados. Deus
providenciou que os animais tivessem descanso, comida, proteção contra
ferimentos e ajuda quando enfrentassem dificuldades (Ex 23.4,5; Dt 22.10;
25.4). Em provérbios lemos: “O justo atenta
para a vida dos seus animais, mas o coração do perverso é cruel” (Pv
12.10).
C. Leis de higiene – Várias leis nos parecem
estranhas como ter que se manter recluso depois de tocar num cadáver, as
severas leis acerca da lepra, os rituais de lavar as mãos antes da comida e
mesmo a circuncisão. Curiosamente, o menor índice de câncer no colo do útero no
mundo é entre as mulheres israelitas, por causa da obrigatoriedade da
circuncisão nos homens.
D. Leis civis – Muitas leis tinham
objetivo de legislar a relação dos direitos humanos, da aplicação da justiça,
direito à propriedade, à vida, a honradez. Era uma forma de regulara sociedade.
Não sem razão a justiça do ocidente tem como base princípios e valores contidos
nas leis judaico-cristãs, enfim, Proporcionar bem-estar e preservação da raça
humana.
E. Leis cerimoniais – Relacionadas ao culto,
ao sacrifício, o local da adoração, sacerdócio, responsabilidade diante de
Deus, uso do tempo, adoração. O objetivo delas era direcionar a forma de adorar
a Deus.
O Lugar da Lei
no Evangelho
Quando chegamos ao Novo
Testamento, vemos que existe uma diretriz clara na forma como o cristão deve
ser aproximar da lei. O princípio básico é:
Nenhum de nós é capaz de guardar toda lei.
A lei não tem problema em si, mas os homens são
Incapazes de obedecê-la por causa do pecado.
Veja o que ensina a Bíblia:
“Que
diremos então? A lei é pecado? De maneira nenhuma! De fato, eu não saberia o
que é pecado, a não ser por meio da lei. Pois, na realidade, eu não saberia o
que é cobiça, se a lei não dissesse: "Não cobiçarás".
Mas o pecado, aproveitando a oportunidade dada pelo mandamento, produziu em mim todo tipo de desejo cobiçoso. Pois, sem a lei, o pecado está morto.
Antes, eu vivia sem a lei, mas quando o mandamento veio, o pecado reviveu, e eu morri”(Rm 7.7-9).
Mas o pecado, aproveitando a oportunidade dada pelo mandamento, produziu em mim todo tipo de desejo cobiçoso. Pois, sem a lei, o pecado está morto.
Antes, eu vivia sem a lei, mas quando o mandamento veio, o pecado reviveu, e eu morri”(Rm 7.7-9).
Ao ler este texto percebemos que se alguém ainda acredita que
será salvo pelo seu currículo moral ou espiritual, ou crê na sua justiça
pessoal para ser salvo, não entendeu ainda o evangelho nem a importância da
obra de Cristo. A Bíblia afirma que “aquele
que não conheceu pecado, Deus o fez pecado por nós, para que nele fossemos
feitos justiça de Deus” (2 Co 5.21).
A nação de Israel
considerava a lei uma salvaguarda contra o pecado, mas a religião vivida sob o
domínio de códigos de leis não possibilita mérito diante de Deus. A salvação,
bem como a luta contra o pecado e a prática dos preceitos de Deus, deve ser
entendida a partir da fé na obra redentora do Senhor Jesus Cristo.
A salvação nos é dada, gratuitamente, por meio dos méritos de
Cristo. O céu não é ganho por merecimento. “A lei é santa;
e o mandamento, santo, e justo, e bom” (Rm 7.12). Segundo F. F. Bruce,
os ouvintes de Paulo entendiam que, devido à penosa conformidade com um código
de leis, era possível adquirir mérito para salvação diante de Deus.
O correto lugar da lei
Os cristãos respeitam, amam
e obedecem à lei. Se alegram pela libertação do regime da lei e pela liberdade
que Deus dá para cumpri-la. Regozijam-se pela oportunidade de observar a
revelação de Deus.
O problema da lei
encontra-se quando os homens acreditam que possam ser salvos através do seu
cumprimento. A lei é ineficaz para nos justificar, não porque haja qualquer
problema nela mesma, mas por causa da incapacidade do homem em cumpri-la. Paulo
explica isto cuidadosamente em Rm 7.10-12. Depois do seu desespero diante da
lei, Paulo dá um brado de alegria pela compreensão da obra de Cristo. “Graças a
Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor! De modo que, com a mente, eu próprio sou
escravo da lei de Deus; mas, com a carne, da lei do pecado” (Rm 7.25). Apenas
em Cristo podemos ser justificados diante de Deus.
Há algo errado com a lei? A
resposta de Paulo é enfática: “De modo
nenhum!” (Rm 7.7). O apóstolo precisava ter certeza de que seus
ouvintes não deturpariam seus ensinos sobre a lei. A verdade, porém, é: “visto que ninguém será justificado diante
dele por obras da lei, em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do
pecado” (Rm 3.20).
Como a lei se
aplica aos cristãos ainda hoje?
Então, ao lermos tudo isto,
podemos ficar confusos em relação à validade da lei de Deus para nossos dias.
Entretanto, precisamos entender a lei na perspectiva do evangelho, caso
contrário, corremos o risco de pegar Dt 28 e jogá-lo no lixo.
Primeiro lugar: Orientação.
A lei serve como placas de
advertência no trânsito. Fazemos bem em obedecê-la, porque elas estão ali para
nos proteger.
Muitas vezes olhamos as
placas e achamos que não faz sentido e desta forma as ultrapassamos pela nossa
própria vontade. A partir deste momento, você está correndo risco não apenas de
levar uma multa, mas de sofrer consequências.
O objetivo da lei é o de
orientar o povo de Deus.
Segundo Lugar: benção
A lei traz bençãos para
nossa vida quando a obedecemos (Dt 28.1) e graves consequências para nossa alma
quando a desobedecemos (Dt 28.15-58).
É impressionante ler
atentamente a consequência da desobediência para o ser humano:
ü Confusão e ameaça – (Dt
28.20)
ü Loucura e perturbação de
espirito (Dt 28.28)
ü Fracasso pessoal (Dt 28.29)
ü Quebra da unidade familiar
(Dt 28.32)
ü Até a semente parece não
frutificar (Dt 28.38)
ü Angústia e aperto (Dt
28.53)
ü Mesquinhez dos afetos (Dt
28.56-57)
ü Desanimo, falta de brilho
nos olhos (Dt 28.65)
ü Falta de esperança (Dt
28.66)
A obediência não é para
obter salvação, mas plenitude de alma, alegria e satisfação interior, “pois afastado de Deus, quem pode comer ou
quem pode alegrar-se?” (Ec 3.25). F. F. Bruce afirma que a vida e a justiça
são o resultado da união com Cristo.
A regra é simples: “Não
viole os princípios de Deus se você deseja ganhar ou manter as bençãos de Deus”
(Andy Stanley). Deus não tem compromisso com infidelidade, e não pode abençoar
a infidelidade.
Conclusão
O lugar da
lei no Evangelho
Então, é fundamental
entender o papel da lei e como ela se aplica às nossas vidas, quando estamos
vivendo debaixo da graça de Cristo e do evangelho.
1. Nenhum de nós é capaz de
guardar a lei.
Como vimos, não há problema na lei em si mesma, mas em nós, e na incapacidade
de obedecê-la. Portanto, se você acredita que será salvo pelo seu currículo
moral ou espiritual, ou crê que sua bondade e justiça pessoal, boas obras e
caridade, podem lhe dar salvação, você não entendeu as verdades do evangelho e
nem compreendeu a importância da obra de Cristo.
A salvação é dada
gratuitamente pelos méritos de Cristo Jesus.
2. Dois grandes equívocos podem sobrevir quando
equivocamos na compreensão do lugar da lei: Acreditar que posso confiar em mim
mesmo e obedecer a lei de Deus ou acreditar que a salvação é obra de Cristo e
já que é de graça, não preciso viver em santidade diante de Deus. Jesus afirmou
que “pelos frutos podemos conhecer as árvores”. A consequência de uma vida na
presença de Cristo é o desejo de santidade. Não podemos viver no relativismo
moral nem de forma libertina (Hb 6.11-12; 12.28-29).
John Stott alerta para o
fato de que estar emancipado da escravidão da lei não significa estar livre
para fazer o que quiser. Libertação da lei não significa liberdade para pecar,
e sim liberdade para servir a Deus (Rm 7.6).
3. Podemos ficar obcecados pelas bençãos de Deus e não pelo Deus das bênçãos – Entretanto, o alvo de nossa vida não
são as bençãos, mas uma vida de adoração a Deus. Bençãos são resultados, como
bem afirmou Nani Azevedo:
… Eu não
correrei atrás de bênçãos
Sei que elas vão me alcançar
Onde eu colocar a planta dos meus pés
Sei que a sua bênção chegará
Sei que elas vão me alcançar
Onde eu colocar a planta dos meus pés
Sei que a sua bênção chegará
Nosso alvo é o próprio
Deus, glorificar a Cristo em nossa vida e não a obsessão pelas bençãos que
ele pode nos dar. Todos os que vivem desta forma, terminam amargurados com Deus
porque acham que são merecedores de bençãos que Deus não quer mas que deveriam ser entregues por causa de seus méritos; por
conseguinte, eles são bons e Deus é mau.
É óbvio que estar com Cristo,
obedecer a Deus e sua palavra, sempre redundará em riqueza e benção, mas o alvo
não é buscar bençãos, mas buscar a Deus.
Um dos grandes problemas da
raça humana é querer buscar a alegria como um fim em si mesma. Alegria não é o
objetivo, mas resultado. Da mesma forma nos equivocamos quando andamos buscando
a Deus por interesse de bençãos, ao invés de o buscarmos porque ansiamos sua
intimidade.
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