Introdução:
Somos considerados a “geração
saúde”. Nunca a sociedade esteve tão preocupada quanto hoje em ser “fitness”,
praticar esportes, se alimentar bem. Termos como vegetariano, vegano,
macrobiótico, medicina natural, fazem parte da agenda de uma geração cada vez
mais disposta a cuidar da saúde. Todas
estas coisas são importantes, sem dúvida alguma. A alimentação saudável,
práticas esportivas regulares, comida mais regrada, são extremamente saudáveis.
Infelizmente cuidamos mais e mais
do corpo, mas nos esquecemos que as coisas que mais nos destroem tem a ver com
os relacionamentos e emoções mau resolvidas. Em última instância, o que mais
mata as pessoas são os ressentimentos, traições, dores na alma. Precisamos
cuidar do estilo de vida que vivemos no que se concerne ao físico, mas de forma
mais direta, precisamos cuidar da alma. Existe certo exagero, que nos assusta.
Já parou para pensar no que significa o termo “fisiculturismo”? Olha na junção destas duas palavras: trata-se
do culto ao físico.
A relação do ser humano com o
corpo ultimamente tem se tornado quase idolátrica. Para aqueles que estão
enamorados de seu físico, a exortação paulina parece um escândalo: “Exercita-te, pessoalmente, na piedade. Pois
o exercício físico para pouco é proveitoso, mas a piedade para tudo é
proveitosa, porque tem a promessa da vida que agora é e da que há de ser”
(1 Tm 4.7-8).
A opinião unânime dos
comentaristas quanto a segunda carta de Paulo a Timóteo, era que Paulo estava
na verdade, fazendo um testamento de vida e, de certa forma, se despedindo de
seu discípulo Timóteo, tão fiel e caro ao seu coração. A linguagem que ele usa
é de alguém que está percebendo que sua vida terrena estava se esvaindo, e
estava chegando a hora partir. Por isto esta carta se reveste, ainda mais, de
um significado maior. Ninguém perde tempo em trivialidades quando vê a hora de
sua partida. Nestas horas, cada segundo conta. Paulo deseja deixar bem claro a
Timóteo, o que realmente era importante para sua vida e ministério, e quais os
cuidados que eram essenciais para sua vida.
Podemos afirmar que Paulo se
concentra em três áreas: relacionamentos, saúde física e a mente.
Primeiro aspecto: cuide dos seus relacionamentos.
Estes últimos versículos estão
permeados de uma análise de Paulo sobre as pessoas que caminharam ao seu redor.
Ele fala de quatro aspectos interessantes:
A. Precisamos lidar com as perdas
significativas. “Demas me abandonou”. Vs 10.
Paulo fala de várias situações
doloridas, mas de forma pessoal, ele fala de Demas, um de seus discípulos, que
aparentemente abandonou a fé, depois de ter caminhado com a comunidade. “Procura vir ter comigo depressa. Porque
Demas, tendo amado o presente século, me abandonou e foi para a Galácia” (2
Tm 4.9,10).
Uma das maiores dores que nós
pastores sentimos é a perda espiritual de pessoas nas quais investimos tempo e
caminhamos juntos, e não são poucos que se desviam da verdade. Um antigo hino
dizia: “quantos que corriam bem, de ti
longe, agora vão; outros correm, mas porém, sem calor vivendo estão”.
Muitas vezes a morte de uma pessoa querida não é tão dolorida quanto a
apostasia. Paulo revela uma profunda dor pelo que aconteceu com Demas. Ele
simplesmente virou as costas para o ministério, e abandonou a Paulo. Isto
parece ter sido um golpe pesado para Paulo.
Precisamos cuidar de nossa vida
quando passamos por perdas significativas. Algumas vezes perdemos amigos, uma
desavença pode afastar de nós um amigo querido, uma discordância pode afastar a
pessoa de nossa comunidade, ou nos distanciar de um amigo fiel. Decepções,
enganos, traições, podem ser profundamente danosos para nossa vida. Cuide bem
do seu coração quando passar por perdas significativas.
Alguns anos atrás acompanhei um
colega de ministério, que adquiriu um câncer. Certo oncologista afirmou que
“câncer é mágoa”, e que ele perguntava aos seus pacientes quando vinham
consulta-lo: “Por que você precisa deste câncer?”. Pois bem, o câncer deste pastor
se deu logo após a saída de um grupo de sua igreja para apoiar outro
ministério. Alguns daqueles que saíram eram muito amigos dele, e ele não
conseguiu elaborar a perda. Isto pode acontecer com qualquer um de nós. Isto é
muito frequente nos casamentos.
B. Precisamos lidar com a solidão – “Somente Lucas está comigo” Vs. 10 “Todos me
abandonaram”. Vs 16.
Paulo faz uma lista de perdas que
teve. Alguns saíram por razões compreensíveis e justificáveis, outras por
razões pouco recomendáveis.
i.
Demas
apostatou e foi embora
ii.
Crescente
e Tito se mudaram: razões pessoais, familiares ou econômicas.
iii.
Outros
o abandonaram “na minha primeira defesa,
ninguém foi a meu favor; antes todos me abandonaram”.
Quanto mais idosos ficamos, maior
é a possibilidade de isolamento. Depois da aposentadoria, então, as coisas
ainda ficam mais complexas, porque muitos dos relacionamentos que possuímos são
funcionais, isto é, tem a ver com o papel social que desempenhamos e com o
trabalho e produtividade. Não se trata de algo, necessariamente errado, mas
estas coisas emprestam muito sentido à nossa vida, e precisamos tomar cuidado
porque são relacionamentos superficiais na sua própria essencial.
Paulo estava idoso e preso. Isto,
de certa forma, já o isolava.
Muitos se tornam isolados em seus
minúsculos apertados apartamentos. As pessoas estão produzindo, trabalhando,
tem pouco tempo para assentar e conversar. Isto pode gerar profunda solidão.
A solidão é considerada como um flagelo oculto da vida moderna.
O conhecido professor da Universidade Harvard, Robert Waldinger afirma que “A
solidão mata. É tão forte quanto o vício em cigarros ou álcool”, outros estudos
afirmam que o grande problema do ser humano não é o colesterol aos 50, mas a
ausência de relacionamentos significativos aos 50.
Pesquisadores avaliaram que a força dos relacionamentos reduz a
necessidade de vícios e freiam a degeneração mental durante a velhice. A chave
para a velhice saudável são os relacionamentos.
Entre muitos fatores dois cooperam tremendamente para a solidão.
Primeiro, a condição financeira. Pessoas ricas embora sejam cortejadas e
admiradas, vivem vida mais solitária, pois se relacionam geralmente com as
pessoas de forma burocrática e funcional.
Outro fator, é o distanciamento comunitário. A Inglaterra sempre
foi um país com forte experiência religiosa. Cultos, missas, encontros de
igreja e associações, tendem a unir pessoas e quebrar a solidão. Centros
comunitários, atividades em comum, solidariedade e envolvimento em projetos
sociais nos livram da armadilha de uma vida ensimesmada e solitária.
C.
Precisamos restaurar relacionamentos quebrados – “Toma contigo Marcos, e traze-o, pois me é útil para o
ministério” (2 Tm 4.11).
A relação de Paulo com João Marcos é conhecida
na Bíblia. Na primeira viagem missionária, em Atos 13, Barnabé e Saulo levaram
João Marcos, que por alguma razão não declarada na Bíblia, abandonou o grupo
quando estavam em Perge da Panfília. Comentaristas acreditam que eles estavam
lidando com ministério de misericórdia e lidando com muitos problemas de saúde
e por ser ainda jovem, Marcos ficou com medo dos desafios e decidiu voltar para
casa. (At 13.13).
Paulo visivelmente não gostou da atitude de
João Marcos, e na segunda viagem, quando Barnabé quis novamente levá-lo, Paulo
não concordou e o texto nos dá a entender que as discussões entre os dois sobre
este assunto não foram muito fraternas: “houve
entre eles tal desavença, que vieram a separar-se” (At 15.39). A situação
se tornou irreconciliável a ponto de se separarem, criando assim duas frentes
missionarias (At 15.39,40).
Paulo entendia que se alguém falhou uma vez,
não dava para fazer mais concessões. Eles se distanciaram. Mas agora, o tempo
passou, e a frase de Paulo, “traze-o,
pois me é útil para o ministério” revela que os relacionamentos não ficaram
quebrados. Era necessário tratar o assunto.
Isto nos leva a considerar que, se estamos
preocupados com nosso cuidado pessoal, precisamos aprender a restaurar
relacionamentos quebrados.
D.
Precisamos lidar com feridas – “Alexandre, o latoeiro, causou-me muitos males; o Senhor lhe
dará a paga segundo as suas obras” (2 Tm 4.14).
Não sabemos o que aconteceu. Provavelmente
maledicência. Existem pessoas que são ferinas na sua língua, deixam feridas e
causam dores.
O que fazer nestas situações?
A única saída é deixar de fato tal situação
nas mãos de Deus. Ele é quem vai resolver. “O Senhor lhe dará a paga”. Isto tem
a ver com o princípio bíblico: “Não vos
vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira de Deus, porque assim está
escrito: eu retribuirei, diz o Senhor” (Rm 12.19).
Sempre temos a grande tentação de nos
explicarmos ou de contra-atacarmos. Mas a orientação bíblica é a de deixarmos
tal situação nas mãos do Senhor. Ele é a nossa defesa. Ele vai fazer o que
precisa fazer. “A ira do homem não
produz a justiça divina” (Tg 1.20).
Todas as vezes que queremos resolver as coisas “do nosso jeito”, o resultado é
sempre catastrófico.
Paulo sofreu muitos danos pelas atitudes de
Alexandre, entretanto entendeu que isto não era para ele pessoalmente resolver.
Deus é quem deveria cuidar disto. Não era sua responsabilidade. Sua tarefa era
deixar Deus ser Deus. Apenas isto. Descansar na justiça de Deus.
Segundo aspecto: cuide da sua saúde
Diante da sua realidade, preso
numa cadeia, em dias de inverno com casas sem sistema de calefação, enfrentando
sua solidão, ele precisava de alguns cuidados materiais: “Traze a capa que deixei em Trôade” (2 Tm 4.13).
Paulo estava cuidando de sua
saúde e bem estar.
Ele queria não apenas a presença
do seu querido amigo Timóteo, mas queria que ele chegasse antes do inverno. “Apressa-te a vir antes do inverno” (2 Tm
4.21).
Precisamos cuidar da nossa saúde.
Muito sofrimento é causado por
causa de descuido pessoal. Nos alimentamos mal, temos vida sedentária, nos
empaturramos de fritura e refrigerantes, comemos de forma irregular, sem
disciplina, abusamos do nosso corpo. O problema é que o corpo tem prazo de
validade e precisa de manutenção.
O corpo é uma belíssima máquina,
com um funcionamento perfeito e harmônico. Quando somos mais jovens,
acreditamos que nada vai nos deter, mas na medida em que caminhamos, começamos
a perceber que manutenções mais periódicas e regulares precisam acontecer para
que o corpo funcione bem.
Não podemos fazer de conta que
não precisamos de cuidados. Tive um tio que sofreu um AVC quando estava com
seus 60 anos de idade, porque sua pressão era alta e ele se recusava, obstinada
e tolamente, a tomar seu remédio diário, afirmando que não queria viver a vida
inteira dependente de remédio. Resultado? Morreu aos 63 anos.
Um tempo de lazer, uma caminhada
com amigos, repouso e alimentação balanceada ainda são algumas das melhores
receitas para uma boa saúde. Outro detalhe: “Não se esqueça da capa do inverno”. Roupas confortáveis, uma cama
limpinha e quentinha, ajudam bastando a homeostase do corpo, esta máquina
maravilhosa que Deus criou. É preciso se proteger do frio, ter o mínimo de
conforto para não contrair uma pneumonia. Cuide bem de sua saúde.
Terceiro aspecto: cuide da sua mente
“Traze a capa...bem
como os livros, especialmente os pergaminhos” (2 Tm 4.13). Não há dúvida
alguma que ele está se referindo aos livros sagrados, os textos do Antigo
Testamento que compunham o cânon judaico. Livros eram coisas muito caras,
escritas em pergaminhos e papiros. Como Paulo era um rabino, que certamente
tinha algum poder aquisitivo, ele adquiriu estes preciosos textos e tinha o
luxo de ter alguns manuscritos em sua casa.
A referência aos pergaminhos, provavelmente era o
material que ele usaria para escrever suas cartas. Era um processo longo e
demorado, escrever os textos, cuidadosamente, com uma espécie de estilete, no
couro dos animais.
Podemos inferir que Paulo queria os livros sagrados para
refletir sobre eles, como bom judeu. E queria os pergaminhos para escrever suas
reflexões e cartas e enviar às igrejas e aos irmãos.
Com isto ele mantinha sua cabeça ocupada.
Um dos problemas mais sérios é a mente desocupada. Além
dela ser “oficina do diabo”, ela nos deixa entediado e vazios. Procure ocupar
sua mente com coisas boas: Boa literatura, bons filmes, ouvindo uma mensagem.
Quarto aspecto: Não perca o foco de seu chamado.
Paulo estava vivendo dias
difíceis: solidão, abandono, frio chegando, amigos partindo, acusações,
apostasia de amigos, mas no meio de todas estas coisas, vemos que ele nunca
perdeu a compreensão de seu chamado e ministério. “Mas o Senhor me assistiu e me revestiu de forças, para que, por meu
intermédio, a pregação fosse plenamente cumprida, e todos os gentios a
ouvissem, e fui libertado da boca do leão” (2 Tm 4.17).
Sublinhe a expressão ‘’ para que”, que surge no texto. No meio
de toda a turbulência, Paulo entende que todas as coisas que lhe acontecem,
cumprem o propósito de Deus em permitir que, desta forma, a pregação fosse
plenamente cumprida e os gentios, ou descrentes e pagãos, pudessem ouvir a
mensagem. Paulo nunca se sentiu vítima da situação, nem teve pasmos de auto
comiseração. A situação era aparentemente caótica, mas Deus estava revestindo
sua vida de força, para que a palavra de Deus chegasse aos ouvidos daqueles que
precisavam da salvação.
O foco da sua história não tinha
a ver com ele, mas com a obra de Deus. Deus estava entrelaçando a história, da
forma como ela se desenhava, para cumprir seus santos propósitos.
Paulo não perdeu o foco de Deus,
que tinha o controle de todas as coisas. Nem da razão de sua existência: ser
instrumento de Deus. Muitas vezes ficamos perturbados com os eventos que nos
acontecem, esta é uma forma equivocada de vermos a situação. Não deveríamos
olhar nossa vida numa perspectiva natural dos fatos, mas numa dimensão sobrenatural
dos eventos.
Paulo não perdeu o foco. Não
deixou que a pesada situação se transformasse na essência de sua vida. A
essência de sua vida estava em Deus, os fatos eram eventos secundários.
Quinto aspecto. Conte com a assistência divina.
Paulo vê em todos os eventos
naturais, a presença sobrenatural de um Deus providente, amoroso e santo. “Mas o Senhor me assistiu e me revestiu de
forças, para que, por meu intermédio, a pregação fosse plenamente cumprida, e
todos os gentios a ouvissem; e fui libertado da boca do leão. O Senhor me
livrará também de toda obra maligna e me levará salvo para seu reino celestial.
A ele, glória pelos séculos dos séculos. Amém!” (2 Tm 4.18).
i.
Deus
nos assiste - “Mas o Senhor me assistiu”.
Embora os homens nos abandonem, Deus sempre estará ao nosso lado.
ii.
Deus
nos fortalece: “Mas o Senhor ... me
revestiu de forças”. Muitas vezes nos sentimos desencorajados e desanimados
com a situação, mas o Senhor nos renova.
iii.
Deus
usa as situações catastróficas para cumprir seu propósito: “para que, por meu intermédio, a pregação
fosse plenamente cumprida”. Paulo estava preso, mas a palavra de Deus não
estava algemada. Na prisão Deus estava usando Paulo como seu precioso
instrumento. É bom perceber isto nos dias maus.
iv.
Deus
nos protege de forças políticas e históricas: “fui libertado da boca do leão”. Provavelmente Paulo está se
referindo ao fato de que, apesar de toda oposição judaica, e toda fraqueza do
sistema romano de leis, Deus lhe deu vitória. Não foram os poderes e sistemas
os vitoriosos, mas Deus.
v.
Deus
o protege do diabo: “O Senhor me livrará
também de toda obra maligna”. A ação de Satanás não pode nos atingir. O
diabo não tem poder sobre nossa vida. Não estamos nas mãos das entidades e
poderes malignos, mas nas mãos de Deus.
vi.
Deus
garante vida eterna: “O Senhor ... me
levará salvo para seu reino celestial” . Satanás ou poderes humanos, jamais
poderão impedir que a obra maravilhosa da cruz, seja ineficaz sobre nossas
vidas. Deus tem um projeto para nossa vida, e esta obra só se consumará na
eternidade.
Conclusão:
Precisamos cuidar sabiamente da nossa
vida:
cuide dos seus relacionamentos,
cuide de
seu corpo,
cuide de sua mente,
não perca o foco do seu chamado e
conte com a assistência divina.
Mas Paulo vai falar ainda de
outra coisa muito mais importante que se encontra neste texto, e que vale a
pena refletir, porque ele é central na nossa teologia cristã. “A ele, glória pelos séculos dos séculos.
Amém!”
Este deve ser o foco central
daqueles que amam a Deus. Glorificá-lo sempre.
O fim principal do homem redimido
e regenerado pela graça de Cristo é dar glória a Deus. Deus precisa ser o
centro de nossa existência.
Muito do nosso sofrimento tem a
ver com a incapacidade nossa de entender que a glória deve ser sempre dada a Deus.
Paulo estava preso, mas sua alma estava livre. Seu coração tinha uma santa obsessão:
Deus precisa ser glorificado em minha vida. E ele conclui esta perícope falando
exatamente disto. A ele seja a glória pelos séculos dos séculos.
Aqui se encontra a centralidade
do nosso culto, a razão do nosso viver.
Somos chamados para dar glória a Deus.
Soli Deo Glori
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