Introdução:
A segunda carta de Paulo a
Timóteo é chamada de “pastoral”, mas eu preferiria o termo “pessoal”, ainda que
seu conteúdo também seja altamente pastoral. O motivo é simples: Paulo está se
sentindo idoso, desamparado e só. Na prisão, as condições não eram favoráveis:
o julgamento era iminente e com grande possibilidade de morte. Ele estava na
cadeia por causa se testemunho do Evangelho e por pregar Jesus.
Ao escrever esta carta, ele pede
para que seu discípulo Timóteo, lhe traga a capa, antes do inverno. Sua idade,
situação e condição lhe deixam fragilizado. O inverno está chegando, e este
fato, por si só, aumentaria a solidão. Morei por quase 9 anos no nordeste dos
EUA, onde o frio e o longo inverno são capazes de tirar a alegria de muitos. O
mês de fevereiro, com suas longas noites e dias curtos é estatisticamente o
tempo de maior número de suicídios. Estudiosos daquela região encorajam as
pessoas a deixarem a maior quantidade possível de luzes acesas na casa para diminuir
o ambiente escuro. Eu, que felizmente não sou tendente à depressão, admito que
estes meses eram realmente mais complicados, e sempre ficava com necessidade de
sentir o calor e ter mais luminosidade.
Paulo pede a Timóteo que “viesse ter com ele antes de chegar o inverno”.
Inverno é bem mais que uma
estação. Inverno é um condição de alma.
Todos passamos dias que se
comparam ao verão: muito sol, calor, luz, são dias quentes. Passamos também
pelo outono, quando as folhas caem, e o ambiente se torna não muito
encorajador. Felizmente temos a primavera, com toda sua vida e cor, trazendo
esperança e anunciando um tempo de plantio e expectativa de colheitas. O
inverno, porém, é tempo de reclusão, silêncio, solidão. E todos nós
atravessamos estes dias.
O que fazer em tais
circunstâncias?
Neste texto, Paulo revela toda
sua humanidade. Seus pedidos revelam necessidades da alma. Tais realidades se
aplicam diretamente a cada um de nós, quando precisamos atravessar o inverno.
Como atravessar o inverno?
Este texto nos dá algumas
sugestões para estes dias:
Primeiro, tenha amigos por perto
Nesta carta, Paulo fala de boas e
más experiências de andar com as pessoas. Ele se sente injustiçado e ignorado
por alguns e abandonado por outros.
Podemos destacar pelo menos três
grupos de pessoas que caminharam ao seu redor.
Um era o grupo da debandada.
Paulo vê uma série de amigos e companheiros seguindo sua história pessoal e o
deixando. “...Crescente foi para a Galácia Tito, para a Dalmácia” (2 Tm 4.10);
“Quanto a Tíquico, mandei-o até Éfeso” (2 Tm 4.12). O segundo grupo foi de oposição.
Ele cita pelo menos três companheiros que se tornaram adversários: Alexandre, que
parece ter sido muito hostil, já que Paulo afirma ter sofrido grandes danos de
sua parte “Alexandre, o latoeiro,
causou-me muitos males” (2 Tm 4.1.14), Figelo e Hermógenes - “Estás ciente de que todos os da Ásia me
abandonaram; dentre eles cito Figelo e Hermógenes” (2 Tm 1.15); e o
terceiro grupo que foi do abandono. Ele fala de Demas, que o abandonou, “seguindo
o presente século”, indicando uma aparente apostasia por parte deste irmão, que
não apenas prefere seguir sua vida sem dar satisfação, como abandonou a verdade
da fé cristã (2 Tm 4.10).
Por isto ele pede a Timóteo: “Procura vir ter comigo depressa” (2 Tm
4.9).
Neste momento de sua vida, um
amigo revelou-se um companheiro inestimável. Trata-se de Onesíforo (2 Tm 1.16).
Ele afirma que ele lhe deu ânimo (2 Tm 1.16), não se afastou dele quando foi
preso (2 Tm 1.16), e não desistido de procurá-lo em Roma. Parece que o local
onde Paulo se encontrava não era muito fácil de achar, mas Onesíforo indagou,
perguntou, até achá-lo. Associar-se com pessoas fracassadas ou suspeitas não
parece ser uma atitude natural das pessoas. Gente bem sucedida facilmente faz
amigos, não gente em necessidade.
Por isto Paulo insiste na vinda
de Timóteo. Para atravessar o inverno, é necessário ter amigos por perto. Não é
fácil atravessar dias sombrios solitariamente. A solidão pode matar mais que a
escuridão e o frio do inverno.
Segundo, cuide-se fisicamente
Paulo pede que Timóteo lhe traga
a capa que havia deixado em Trôade (2 Tm 4.13). Dá para entender a razão.
o termo capa, vem do grego phelones, que era uma pesada capa de inverno, feita de lã grosseira normalmente sem mangas, mas com uma passagem no meio, para a cabeça. agia como protetor contra o frio e a chuva. Provavelmente o frio de Roma era bem mais intenso que da Judeia. Paulo sabe que não estar bem agasalhado poderia lhe trazer graves complicações físicas. Era necessário aquecer-se.
o termo capa, vem do grego phelones, que era uma pesada capa de inverno, feita de lã grosseira normalmente sem mangas, mas com uma passagem no meio, para a cabeça. agia como protetor contra o frio e a chuva. Provavelmente o frio de Roma era bem mais intenso que da Judeia. Paulo sabe que não estar bem agasalhado poderia lhe trazer graves complicações físicas. Era necessário aquecer-se.
Eventualmente passamos pelos dias
de inverno, de forma descuidada. Não nos preocupamos com a higiene, a saúde, a
alimentação e o exercício físico. Ficamos com o corpo resfriado, nos expomos à
baixas temperaturas e congelamos. Paulo precisava manter o seu corpo de forma
aquecida.
Era necessário se cuidar bem
fisicamente.
Terceiro, restaure relacionamentos quebrados
Há neste texto uma menção sutil a
João Marcos. Esta situação é interessante quando entendemos quem foi este
rapaz. Ele se tornou o pivô de uma grave crise de Paulo com Barnabé, quando se preparavam
para a segunda viagem missionária.
Na primeira viagem, Paulo e
Barnabé foram separados por Deus para que a obra avançasse. João Marcos era
primo de Barnabé, e este resolveu convidá-lo a se unir aos dois. O resultado
foi ruim, porque Marcos deixou o grupo no meio do projeto e decidiu voltar para
casa. Eles estavam na ocasião em Perge da Panfília (At 15.13). Comentaristas
afirmam que estavam cuidado de pessoas que estavam doentes e muitos estavam
morrendo. Marcos considerou a situação e não quis mais se expor desta forma. .
Esta situação desagradou profundamente a Paulo.
Na segunda viagem, novamente
Barnabé quis levou a Marcos, mas Paulo não concordou. A situação foi tão tensa
que vieram a separar-se. A linguagem bíblica parece apontar para uma grave
crise de relacionamento. “Houve entre
eles tal desavença que vieram a separar-se” (At 15.31). Na nossa linguagem diríamos que eles bateram boca e esmurraram a
mesa. Resultado? Barnabé e Paulo se separaram em definitivo e passaram a fazer
viagens missionárias com diferentes equipes.
Portanto, quando Paulo pede para
que João Marcos venha para estar com, isto revela que as coisas entre eles foi
resolvida.
Eventualmente discordamos uns dos
outros, quanto a forma de fazer, o tipo de abordagem empregado e algumas vezes o
fazemos de forma veemente, e até mesmo não conseguimos mais caminhar juntos.
Isto pode deixar marcas de rupturas, amarguras e distanciamento. Quando Paulo
pede para trazer Marcos, isto mostra que eles já haviam resolvido as coisas que
as pessoas podem falhar na vida mas precisam ter outras chances para demonstrar
seu valor, e ainda mais, Paulo parece fazer uma confissão explícita de que errou
ao tratar Marcos com tanta dureza.
Não devemos atravessar o inverno
com coração mal resolvido.
“Toma contigo Marcos e traze-o, pois me é útil para o ministério” (2
Tm 4.11). Paulo reconhece que precisa dele para continuar seu ministério e que já
os havia restaurado e que as diferenças haviam sido resolvidas. A presença de
Marcos seria extremamente útil para os projetos ministeriais que Paulo tinha em
mente. Paulo admite que o queria por perto.
Quarto, cuide da mente
“Traga os livros especialmente os pergaminhos” ((2 Tm 4.13). Isto revela a necessidade que Paulo
tinha de continuar lendo, pensando, escrevendo. Livros (no grego biblion), é uma forma plural. É possível que indique rolos de velo, um material de escrita era extremamente caro, pelo que o papiro, material mais perecível, era empregado. A melhor tradução aqui seria “traga-me os pergaminhos”. Paulo está se
referindo aos “rolos” com conteúdo escrito, o material que era usado pelos
rabinos, pelos escribas e nas sinagogas. Provavelmente Paulo não tinha muito
coisa, mas aqueles livros seriam suficientes para manter sua ponderação
intelectual e reflexão sobre os textos sagrados.
Pergaminhos, eram livros ou documentos feitos de peles preparadas de bezerro, de antílope, de cabra ou de ovelha.O material mais caro era feito de bezerro ainda não nascido, devido à sua textura fina e por isso eram caríssimos e poucas pessoas possuíam livros feitos deste material.
Pergaminhos, eram livros ou documentos feitos de peles preparadas de bezerro, de antílope, de cabra ou de ovelha.O material mais caro era feito de bezerro ainda não nascido, devido à sua textura fina e por isso eram caríssimos e poucas pessoas possuíam livros feitos deste material.
Não ocupar a mente no inverno
pode ser fatal.
A ociosidade, aliada ao abandono
e esquecimento, mesclado com dias de pouca luminosidade e frio, podem
desencadear sérios fatores de risco.
A mente precisa estar aguçada.
Geriatras recomendam as pessoas que
as pessoas mantenham suas mentes em atividade. Para atravessar bem o inverno, é
medicinal ter mente clara, arguta, reflexiva, crítica e analítica. Paulo queria
ter o livro para pesquisa e leituras, podemos vê-lo debruçado horas a fio
nestes textos averiguando as promessas de Deus e os textos messiânicos.
Bons livros orientam, inspiram,
aconselham, desafiam, ampliam a visão.
Quinto, experimente a presença de Deus
Paulo observa cinco coisas
maravilhosas para quem anda com Deus:
a. Deus nos assiste – “mas o Senhor me assistiu” (2 Tm 4.17). É
maravilhoso saber que a assistência de Deus é sempre presente. “Deus é nosso refúgio e fortaleza, socorro
bem presente nas tribulações” (Sl 46.1).
b. Deus nos fortalece - “mas o Senhor me assistiu de forças” (2
Tm 4.17). quando nos sentimos fracos e desencorajadas, podemos saber que sua
força nos revestirá para a luta.
c. Deus nos usa como instrumentos
mesmo quando somos fracos. “...Para que,
por meu intermédio, a pregação fosse plenamente cumprida” (2 Tm 4.17).
Paulo estava preso, recluso, parece que seu ministério tinha perdido o efeito.
Ele estava preso, “mas a palavra de Deus
não está algemada” (2 Tm 2.9). Muitas vezes nos sentimos fracos,
impotentes. Não se assuste, você está nas mãos de um Deus sábio e poderoso, que
pode fazer coisas maravilhosas mesmo com seus limites.
d. Deus o livra do inimigo – “...e fui libertado da boca do leão” (2
Tm 4.18). Quem era “o leão?” Provavelmente o Império Romano. Para muitos ficar
ainda hoje longe da boca do leão (fisco), seria um grande notícia, mas Paulo
estava falando de algo (ou alguém), que colocava em risco sua integridade física.
Para Pedro leão era o próprio diabo.
e. Deus garante vida eterna – “...e me levará a salvo para o seu reino
celeste” (2 Tm 4.18). É maravilhoso saber que andar com Deus é sempre algo
que tem implicações eternas.
Conclusão
Na vida atravessaremos muitos desertos
e muitos invernos.
São situações, ambientes,
ocasiões, em que nos sentiremos fracos, impotentes. Tempo de frio e escuridão,
mas mesmo neste ambiente, a graça de Deus há de nos fortalecer e encorajar.
O inverno de Cristo
Nosso Senhor Jesus também
experimentou situação de abandono, de frio e escuridão. “Então, lhes disse: A minha alma está profundamente triste até a morte;
ficai aqui e vigiai comigo” (Mt 26.38). Apesar de seu pedido, os seus
discípulos e amigos não conseguiram cuidar dele. Na cruz, ele experimentou a solidão
mais cruel: O abandono de Deus: “Por
volta da hora nona, clamou Jesus em alta voz dizendo: Eli, Eli, lamá sabactani?
O que quer dizer: Deus meu, Deus, por que me desamparaste?” (Mt 27.46). O
profeta Isaias afirma que “designaram-lhe
a sepultura com os perversos, mas com o rico esteve na sua morte, posto que
nunca fez injustiça, nem dolo algum se achou em sua boca” (Is 53.9).
O único que experimentou a solidão absoluta foi Jesus. Deus se distanciou dele. Aqui temos uma questão dialética desafiadora: Deus se isolou de Deus! Naquele momento ele experimentou toda a ira de Deus contra o pecado da raça humana. Jesus experimentou o que nunca experimentaremos, a não ser que rejeitemos o sacrifício de Cristo e não sejamos salvos. Apenas o inferno contém esta dimensão do completo abandono de Deus. Jesus experimentou a solidão, sem poder contar com Deus. Sua dor era lancinante, porque estava, naquele momento, longe do Pai. Isaías afirmou que o Senhor decidiu "esmagá-lo", pelas nossas transgressões.
O único que experimentou a solidão absoluta foi Jesus. Deus se distanciou dele. Aqui temos uma questão dialética desafiadora: Deus se isolou de Deus! Naquele momento ele experimentou toda a ira de Deus contra o pecado da raça humana. Jesus experimentou o que nunca experimentaremos, a não ser que rejeitemos o sacrifício de Cristo e não sejamos salvos. Apenas o inferno contém esta dimensão do completo abandono de Deus. Jesus experimentou a solidão, sem poder contar com Deus. Sua dor era lancinante, porque estava, naquele momento, longe do Pai. Isaías afirmou que o Senhor decidiu "esmagá-lo", pelas nossas transgressões.
Apesar de toda situação de dor, o
profeta faz duas afirmações áureas sobre esta pesada experiência de Cristo: A
primeira diz mas com o rico esteve na sua
morte. Apesar de todo aparente abandono de Deus, em nenhum lugar da terra,
Deus se fazia tão presente, porque naquele lugar, Jesus levava sobre si a
iniquidade da raça humana, do seu povo eleito, que agora estava sendo redimido
pela sua obra completa de justificação dos pecadores diante do Pai. A segunda
afirmação foi: “Ele verá o fruto do
penoso trabalho de sua alma e ficará satisfeito; o meu Servo, o justo, com o
seu conhecimento, justificará a muitos, porque as iniquidades deles levará
sobre si” (Is 53.11).
Jesus atravessou intencionalmente
o inverno de sua vida, para nossa redenção. Ele estava substituindo os
pecadores, o justo pelos injustos. O seu inverno foi proposital, Jesus o
enfrentou para que eu e você não tivéssemos mais a condenação pelos nossos
pecados. Ele o fez por amor. O seu inverno de dor, trazia justificação a muitos,
e ele, o Cordeiro de Deus, vendo o penoso fruto de sua alma, ficaria
satisfeito.
Não se assuste, portanto, com o
inverno.
Depois dele sempre vem a
primavera.
A morte de Cristo, enfrentando
este terrível inverno, trouxe a cada um de nós, liberdade, perdão, justificação,
vida eterna.
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