Introdução:
Você
realmente acredita nesta afirmação bíblica de que “é melhor serem dois do que um?”
Muito
bem, antes de responder sim ou não, pense no seguinte: somos hábeis em dar
resposta que as pessoas esperam de nós, ou as respostas politicamente corretas,
ou, se preferirem, teologicamente corretas.
Afirmamos
confiar em Deus mas quando as coisas se fragilizam, somos facilmente
desestruturados. Isto revela nossa falta de confiança em Deus e nossa confiança
na força dos nossos braços.
Afirmamos
crer na Bíblia, mas quando confrontados com versículos como: “trazei todos os dízimos à casa do Senhor”,
ficamos em dúvida se isto realmente se aplica à nossa vida ainda hoje.
Então,
antes de responder afirmativamente, pense seriamente: Você realmente crê que “é melhor serem dois do que um?”
Você me dá azar!
Talvez
não!
Talvez
você acredite que “seria melhor estar sozinho”, como a história daquele homem
internado no hospital depois de um infarto que começa a dizer à sua esposa:
“Querida, tenho refletido muito sobre nossa vida e chegado à compreensão de que
todos os momentos difíceis da minha vida você está ao meu lado. Quando meu pai
quase levou à empresa da família à falência, você estava ao meu lado. Quando
sofri aquele grave acidente de carro, você estava ao meu lado. Quando perdi o
emprego, estava agora lembrando, você estava ao meu lado. Sabe minha conclusão?
Mulher, você me dá azar!”
As raízes do meu fracasso
Você
nunca culpa seu cônjuge por não ser bem sucedido, não ser feliz, ou não ganhar
dinheiro? Muitas vezes acreditamos que não tivemos sucesso, nem somos prósperos
ou felizes, porque “o outro”, atrapalha a nossa vida. Seria melhor sem ele (a).
O outro é o meu problema.
Não
é difícil empregar todos os possíveis mecanismos de defesa nesta hora:
Deslocamento, projeção, transferência de culpa. Responsabilizamos o outro. É
menos dolorido.
Esta
realidade é adâmica.
No
Éden, ao se ver numa situação embaraçosa diante de Deus, ele respondeu de
imediato: “A mulher que me deste!” Não apenas culpa a mulher, mas
responsabiliza Deus por ter colocado aquele estorvo e encosto ao seu lado. Sem
ela, nada errado teria acontecido. Se Deus tivesse um pouco mais de cuidado,
estaria agora livre deste problema.
Alguém
até chegou a afirmar que “marido é alguém que você convida para resolver
problemas que você não teria se não fosse casado”. Mark Grougor, comediante
cristão americano, afirma que há um texto claro da Bíblia sobre como evitar
problemas, e que poucos o colocam em prática. Se ao menos considerássemos
aquilo que a Bíblia ensina, jamais teríamos problema no casamento: “Queres
ficar livre de preocupação? Não te cases!” (1 Co 7.32).
Adão
culpou Eva pelo seu fracasso. O seu problema era Eva.
Raquel
culpou a Jacó pela sua esterilidade. “Vendo
Raquel que não dava filhos a Jacó, teve ciúmes de sua irmã e disse a Jacó:
Dá-me filhos senão eu morro! Então, Jacó se irou contra Raquel e disse: Acaso
estou eu lugar de Deus, que ao teu ventre impediu de frutificar?” (Gn
30.1,2). Não é este um comportamento comum? Acusar o outro pela nossa
esterilidade, pela depressão que temos, pelo insucesso?
Relacionamentos permeados pela amargura
Qual
o resultado disto?
Desenvolvemos
amargura nos relacionamentos
Col
3.19 afirma: “Maridos, amai vossas
mulheres e não as trateis com amargura”. Curioso como a falta de amor,
desenvolve amargura no outro.
Sempre
vi este texto na seguinte perspectiva: Quando o marido não trata bem sua
esposa, ele gera amargura no seu coração. O amor do homem, é capaz de trazer
cura e terapia na alma feminina. Ainda acredito que este princípio é
verdadeiro. Recentemente, porém, minha esposa me mostrou um ângulo diferente a
este texto, e que acredito seja talvez muito mais próximo do sentido deste
texto. Ela chamou a atenção de que o marido pode fazer as coisas para sua
esposa, eventualmente até de forma “positiva”, mas ainda assim, com amargura.
Então, o resultado será, todo tratamento passará pelo filtro da raiva, rancor,
ira, ressentimento. O tratamento assim se torna carregado de amargura, e assim,
as respostas quase sempre serão repletas desta carga pesada. Assim, o marido se
torna reativo, ferino, sem sensibilidade. Acho que esta análise tem um profundo
sentido.
Andréia e o marido culpado
O
nome acima é fictício, mas a situação é real.
Recentemente
acompanhei o caso de uma mulher profundamente magoada com seu marido, e
ressentida porque seu filho estava envolvido com drogas, e ela achava que ele
nada fizera para impedir. Em outras palavras, ela está convencida de que a
culpa para rebeldia de seu filho era responsabilidade dele. Ele era o problema.
Por
causa de sua ira e hostilidade, ela vomitou ininterruptamente por quase meia
hora, acusando-o de forma agressiva e triste. Ela realmente estava com raiva.
Tentei interpor e argumentar, mas era inútil, ela estava no limite. Depois de
um determinado tempo, pedi ao marido que saísse da sala para ver se
encontrávamos um ponto de razoabilidade naquele diálogo. Tentei mostrar-lhe que
“as emoções distorcem a realidade”, ela foi se tornando mais razoável, mas não
estou certo de que consegui convencê-la de nada do que argumentamos.
Ela
realmente pensa que o fracasso de sua família seja responsabilidade do seu
marido. Ele é o estorvo! Sua indiferença, apatia, silêncio, tudo isto estaria
gerando este caos, embora sua família, apesar desta luta pontual com seu filho
adolescente, se encontre num estágio relativamente pacifico.
O
que fazer quando achamos que o outro é o problema?
Será
que realmente cremos que ““é melhor serem
dois do que um?”
Tentando encontrar o eixo
É
bom considerar que, por mais que julguemos o outro responsável pelo caos e
fracasso, o outro não é o meu problema, nem a minha solução! Por isto não é
possível culpar o outro pelo meu fracasso.
Só
há crescimento emocional num quando não precisamos do outro para nossa própria
sobrevivência. “Se não conseguirmos abraçar nossa própria solidão, simplesmente
usaremos o outro como escudo contra o isolamento. Nossa relação será sufocante.
Se você é incapaz de desistir do casamento, então o casamento está condenado”.
Quando
acontece o oposto, surge o que Erich Fromm chama de “simbiose incestuosa” que
pode ser ilustrado na figura de uma trepadeira que suga da ceifa da árvore, até
exaurir toda sua energia. Quando a árvore morre, morre também a trepadeira,
porque depende completamente da árvore para sua sobrevivência. Só amadurecemos quando entendemos quando
atacamos o inimigo real ao invés de atacar o outro. Diante do fracasso pessoal,
depressão, envelhecimento, precisamos observar que o outro não é salvador nem
adversário, nem vitima nem algoz, mas alguém que enfrenta o mesmo ciclo de vida,
com suas lutas e desafios.
O
caminho passa pela confissão, auto compreensão e auto percepção. O problema é
que muitas vezes é mais fácil apodrecer que amadurecer. Quando não olhamos para
nossas próprias lutas com reflexão desenvolvemos co-dependência e amargura.
Em
Lc 15.17 vemos que o filho pródigo “caiu em si”. O problema é que, geralmente
caímos no outro. Deslocamos, acusamos, culpamos, transferimos responsabilidade.
Luta pelo poder, não necessariamente para mandar, mas como Jorge Maldonado
chamou de “poder para saber quem tem razão”.
Na
relação abusiva e patológica há sempre a possibilidade de que o sádico se
encontre com o masoquista. Ai neuroticamente encontramos o que sente prazer em
machucar e o outro que sente prazer em ser machucado, em sofrer a dor. Na
violência domestica não é raro encontrarmos a mentalidade opressora convivendo
com a mentalidade do oprimido. Um é o que fere, o outro, o que se deixa ferir,
conscientemente ou não.
“Melhor
é serem dois do que um”
Ec 4.9-12
Neste
texto de Eclesiastes, encontramos um elemento surpresa. Por varias vezes vemos
a ênfase em duas pessoas caminhando juntas. “Dois”, é o termo que mais aparece
(3 x), entretanto, quando o texto está no fim, o autor faz uma menção sutil e
curiosa: “O cordão de três dobras não se
rebenta com facilidade”.
O
que é esta “terceira dobra”? Este “terceiro elemento” se imiscuindo na
dualidade.
Na
verdade, podemos entender esta “terceira dobra” como aquela que dá consistência
aos dois cordões. Aqui temos uma terceira realidade. Sem esta “terceira presença”, as dobras são
frágeis, mas com a terceira dobra, o cordão não se rebenta com facilidade.
Esta
é a presença invisível, “sacramental”(usando este termo na dimensão de Ef 5.32:
“Grande é este mistério, mas me refiro a
Cristo e a igreja”, já que a palavra misterium,
foi traduzida por Jeronimo, do grego para a Vulgata Latina, como sacramentum).
Tim
Keller no livro, O significado do casamento, pergunta: Por que achamos que duas
pessoas narcisistas, pecaminosas e auto centradas, e que querem ser o centro e
serem agradadas, entrariam num casamento para servir o outro? Ele chama isto de
Idealismo fantasioso.
O
outro não é perfeito, mas o outro revela a dimensão de Deus na minha história.
Keller afirma ainda que o alvo de Deus para o marido é que este ajude a mulher
na sua caminhada de fé em direção a Deus, assim como Cristo fez pela igreja,
sacrificando-se para apresentá-la diante de Deus.
Jesus
é a terceira dobra neste cordão.
Sua
presença empodera casamentos como os nossos, de pessoas frágeis e pecadores,
incapazes de refletir o caráter de Deus.
Não
raras vezes já me vi diante de minha esposa, admitindo para Deus minha absoluta
incapacidade de entendê-la, de ajudá-la. Facilmente acho que “melhor é serem um
que dois”, que a vida seria mais fácil sem ela, e Deus, de forma misteriosa nos
ajuda para que saiamos do ciclo da mesquinhez, insensibilidade e confusão para
adentrar o misterium que ele desejou
estabelecer em nosso relacionamento.
É
graça divina operando.
É
quando o Evangelho entra em ação.
“Não que por nós mesmos sejamos capazes de
pensar alguma coisa como se saísse de nós, pelo contrário, a nossa suficiência
vem de Deus” (2 Co 3.5).
só
desta forma seremos capazes de perceber a maravilhosa presença de Deus, que nos
leva à compreensão de que “melhor é serem
dois do que um”.
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