Certa pessoa, desempregada há vários
meses, com todas as suas finanças em desequilíbrio, procura o terapeuta por
causa de uma grave crise no seu casamento. Depois de um tempo de conversa e
apoio, pode ver que aquela, definitivamente, não era boa hora para discutir
relacionamento conjugal, afinal, poderia ele julgar corretamente os fatos
debaixo da pressão da falta de recursos financeiros?
Uma jovem recém casada procura sua
mãe, sentindo-se inadequada, triste e deprimida. Sua mãe, sabiamente a indaga
se naqueles dias em que estava na sua tensão pré menstrual, ela estaria apta
para julgar a realidade sem que fosse afetada pelas suas alterações
hormonais. A jovem compreendeu que realmente não estava em boas condições,
já que sua TPM a fazia distorcer os fatos, fazendo com que os problemas
parecessem maiores do que realmente eram.
Em todos estes casos, podemos
perceber que as leituras que faziam estavam sendo distorcidas por uma
circunstância ou pela saúde, e isto é muito mais comum do que imaginamos.
Portanto, considere o seguinte: Ao fazer julgamentos duros, implacáveis e
severos demais sobre a vida, os outros, sobre você ou Deus, pergunte a si
mesmo: Estou emocionalmente bem para avaliar corretamente os fatos ou estou
deixando que a pressão do momento, o stress ou meus hormônios me dirijam?
A realidade é que nem sempre vemos as
coisas como de fato são, na sua essência, sem observá-las sobre o crivo de
determinada visão ou preconceito, e sem sermos afetados emocionalmente pela
leitura que fazemos. Até mesmo a leitura da Bíblia pode ser distorcida.
Bultmann, teólogo não muito recomendável afirmou acertadamente: “Ninguém se
aproxima da Bíblia sem pressuposições”.
Ambiente do Salmo 77
Neste texto, encontramos o relato e
desabafo do salmista Asafe, um dos grandes músicos de Israel, e sua visão sobre
a vida e sobre Deus estava profundamente alterada. “De noite indago o meu íntimo, e meu espirito perscruta. Rejeita o
Senhor para sempre? Acaso não torna a ser propício? Cessou perpetuamente sua
graça? Esqueceu-se Deus de ser bondoso?” Ao lermos atentamente estes versículos
concluímos que algo estava distorcido na sua compreensão sobre o Eterno, mas em
seguida, ele faz a seguinte observação: Então, disse eu: Isto é a minha aflição!”
Sua situação emocional estava
profundamente abalada.
...”A minha alma recusa consolar-se” (vs.2)
...”Lembro-me de Deus e passo a gemer; medito, e me desfalece o espírito”
(vs. 3). Sua comunhão com Deus tem efeito reverso. oração tem reação reversa.
Ele geme ao lembra-se de Deus. Não deveria sentir paz e alívio? Ao meditar seu
espírito se desfalece. Não deveria ser fortalecido pela meditação, por
considerar a realidade de Deus?
...”Não me deixas pregar os olhos” – Insônia (vs.4)
Suas questões:
O Salmista encontra-se em crise com
Deus (Sl 77.7-9), e isto afeta toda a compreensão de sua própria realidade. Não
é assim que geralmente fazemos? Nossa amargura, murmuração e raiva, é antes de
tudo contra Deus, ou não encontra-se Deus acima e detrás de tudo?
Princípios
Na leitura do texto, percebemos
algumas verdades:
1. Não há problema em Deus, mas na nossa lente – Como vemos na reação do salmista, a realidade é que sua dor
causava distorção. “Isto é a minha
aflição”. Quando estivermos alterados emocionalmente, precisamos lembrar
que Deus é fiel. Sua fidelidade, estabilidade, devem nos orientar e não a
situação que estamos enfrentando. Deus é santo, e seus motivos são sempre
corretos.
2. O estado do humor nos leva a conclusões equivocadas. Muitas
vezes até mesmo a variação de hormônios pode gerar sentimento de irritabilidade
ou depressão.
Em alguns parques de diversões temática podemos
encontrar simuladores. Você entra em determinados tubos e carrinhos, e eles
passam um filme em alta velocidade, e com alguns movimentos no seu assento,
dando-lhe a impressão de que você está voando, mas na verdade, a tela é que
está se movendo. Quando bate o desespero e ficamos com medo, a regra é simples.
Basta olhar para o lado para perceber que na verdade tudo está no mesmo lugar. Você
apenas tem impressão de velocidade.
Acho que isto ilustra bem o que
sentimos na vida. Muitas vezes nos desesperamos, culpamos a Deus, fazemos
leituras equivocadas, mas basta olhar para Deus, observar sua fidelidade e sua
soberania na história para vermos como tudo está como Deus sempre quis que
estivesse. Deus é Deus. Ele tem controle sobre todas as coisas.
Muitas discussões que temos em
família passam por esta vertente. Pegamos uma linha de interpretação e
começamos a fazer associações indevidas e eventualmente pesadas. Isto destrói a
alegria e a espontaneidade.
3. Para superar esta distorção, precisamos colocar os olhos em Deus –
Na sua estabilidade, no seu caráter, e ao mesmo tempo, tirar os olhos de nós
mesmos, da instabilidade emocional, variação humoral.
Onde o salmista coloca seu olhar?
Antes de mais nada, ele se lembra do
fato de que Deus já construiu história no meio de seu povo, de Israel. Sua ação
na história é concreta, não abstrata. Ele não pode negar o fato de que Deus já
deu vitória, participou de sua história.
Foi assim que Davi venceu o gigante
Golias. “Tu vens a mim, com espada e
escudo, eu vou a ti em nome do Senhor dos Exércitos”. Por que ele se sentia
tão seguro? Porque Deus já lhe dera outras vitórias contra o leão e o urso. A
vitória de ontem pode dar segurança e vitória hoje. Se Deus já revelou seu
cuidado, porque deveríamos andar inseguros?
Para obter vitória, o salmista lança
mão da memória. “Recordo os feitos do
passado”. Esta foi a mesma estratégia do profeta Jeremias no meio do caos:
“Quero trazer à memória o que me pode dar
esperança. As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos,
porque as suas misericórdias não tem fim, renovam-se a cada manhã. Grande é a
tua fidelidade” (Lm 3.23,24).
Quando o apóstolo Pedro escreve a sua
segunda carta, ela fala muito da importância da memória (2 Pe 1.13,15; 3.1). “Quero recordar a vossa memória esclarecida”.
Precisamos aprender que na vida, quem vive melhor não é quem se lembra
mais, mais quem tem memória melhor.
O que o salmista recorda?
a. A santidade de Deus – (Sl 77.13).
Santidade tem a ver com motivos. Se Deus é santo, seus motivos para conosco
serão sempre os melhores. Deus não brinca com nossa dor.
b. Seu poder – “Que Deus é tão grande como nosso Deus?”
Ele sabe que o Deus em quem ele coloca sua confiança, é Todo-Poderoso,
soberano, e nada lhe é impossível. Se ele não faz alguma coisa é porque isto
faz parte de seus propósitos eternos e muitas vezes misteriosos, que a nossa
humanidade não é capaz de apreender. Somente Deus tem a prerrogativa de ser
Deus. De fazer o que deseja, sem ter que explicar suas razões.
c. Sua forma misteriosa de agir – “Deus caminha sem
deixar vestígios”. É esta a afirmação que lemos no Sl 77.13. Ele passa
misteriosamente pela história. Assim é o Espírito de Deus: Como o vento. Ouves
a sua voz, mas não sabe de onde vem, nem
para onde vai.
d. A direção sábia e pastoral de Deus – Esta afirmação encontra-se claramente no vs. 20: “O teu povo, tu o conduziste como rebanho,
pelas mãos de Moisés e de Arão”. Deus usa pessoas para realizar seus
propósitos, mas é Deus quem está por detrás de todas estas coisas.
Conclusão
Conflitos, enfermidades, lutos e
tragédias podem nos desequilibrar, e quando tomamos decisões ou fazemos
asseverações radicais nestes momentos, quase que inevitavelmente nos
equivocaremos e traremos consequências danosas para nossa vida.
Então, se conseguir lembrar, veja se
as emoções, a situação e a saúde são aliados ou inimigos. Se perceber que algum
destes fatores o leva a julgamentos equivocados, reflita um pouco mais, antes
de ser conclusivo. Outros momentos melhores virão quando, com ânimo sereno,
você terá condições de julgar melhor os fatos.
Dráuzio Varella, no livro “o fio da
navalha” afirma que “preconceitos distorcem a realidade mais do que alucinações”.
O mesmo podemos dizer das emoções. Uma pessoa debaixo de pressão, pode
encontrar dificuldade de ver as coisas como de fato elas são, e avaliar baseado
naquilo que parecem ser. Cuidado com seu emocional: ele pode distorcer seus
julgamentos e até mesmo a realidade.
Então, ao julgar, considere:
Primeiro: Estou com equilíbrio
emocional para avaliar a situação?
Ou estou debaixo de grande pressão,
com saúde debilitada, com variação humoral? É importante considerar estas
coisas porque a saúde, o stress e a irritabilidade, podem alterar minha
capacidade de julgamento.
Segundo, Estou entendendo bem que
Deus é?
A confiança no caráter de Deus dá
descanso. Nada é mais salutar que uma correta compreensão de quem Deus é, e
nada pode nos adoecer mais que uma teologia errada, ou suspeita de Deus. Paulo
afirma a Timóteo: “Eu sei em quem tenho
crido, e estou bem certo de que ele é poderoso para guardar o meu tesouro, até
o dia final”(2 Tm 1.12).
Faça as perguntas, mas não pare nas
perguntas.
O Salmista fez todas as perguntas,
mas não é um ser em permanente crise. Corre-se o risco de ficar apenas nos
questionamentos, sem encontrar respostas e soluções. Certo casal tinha uma
criança de 5 anos que pergunta incansavelmente, em todas as situações: “Por que
papai?” Certo dia seu pai, irritado lhe disse: “filhinho, você pergunta demais,
o tempo todo: por que? Por que?”, e o filhinho resignado perguntou: “Por que
será que faço isto papai?”
Reflita sobre a obra de Deus
O salmista não para nas perguntas,
mas reflete sobre a intervenção de Deus na história.
Que tal pensar na obra de Cristo?
A cruz é um lugar de paradoxos. Você
nunca se perguntou porque Jesus foi para a cruz?
Quando olhamos para a cruz, não
consigo entender mais nada.
Por que este Deus, que não precisa de
nada de nossa parte, já que é auto suficiente, decidiu entregar seu filho por
mim? Como entender a redenção?
Um Deus que morreu por mim, que paga
a preço do meu pecado para me reconciliar com ele...
Como entender o paradoxo deste Jesus,
verdadeiro Deus, que clama ao Pai, verdadeiro Deus, “por que me desamparaste?”
Apesar de não ter explicações para
este tão grande amor, nos deleitamos na sua graça e no seu mistério. Ali, todas
as grandes questões não explicadas, tornam-se claras, pelo poder de Deus.
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