sexta-feira, 16 de junho de 2017

Sl 77 Emoções distorcem a realidade


Certa pessoa, desempregada há vários meses, com todas as suas finanças em desequilíbrio, procura o terapeuta por causa de uma grave crise no seu casamento. Depois de um tempo de conversa e apoio, pode ver que aquela, definitivamente, não era boa hora para discutir relacionamento conjugal, afinal, poderia ele julgar corretamente os fatos debaixo da pressão da falta de recursos financeiros?

Uma jovem recém casada procura sua mãe, sentindo-se inadequada, triste e deprimida. Sua mãe, sabiamente a indaga se naqueles dias em que estava na sua tensão pré menstrual, ela estaria apta para julgar a realidade sem que fosse afetada pelas suas alterações hormonais.  A jovem compreendeu que realmente não estava em boas condições, já que sua TPM a fazia distorcer os fatos, fazendo com que os problemas parecessem maiores do que realmente eram.

Em todos estes casos, podemos perceber que as leituras que faziam estavam sendo distorcidas por uma circunstância ou pela saúde, e isto é muito mais comum do que imaginamos. Portanto, considere o seguinte: Ao fazer julgamentos duros, implacáveis e severos demais sobre a vida, os outros, sobre você ou Deus, pergunte a si mesmo: Estou emocionalmente bem para avaliar corretamente os fatos ou estou deixando que a pressão do momento, o stress ou meus hormônios me dirijam?

A realidade é que nem sempre vemos as coisas como de fato são, na sua essência, sem observá-las sobre o crivo de determinada visão ou preconceito, e sem sermos afetados emocionalmente pela leitura que fazemos. Até mesmo a leitura da Bíblia pode ser distorcida. Bultmann, teólogo não muito recomendável afirmou acertadamente: “Ninguém se aproxima da Bíblia sem pressuposições”.

Ambiente do Salmo 77

Neste texto, encontramos o relato e desabafo do salmista Asafe, um dos grandes músicos de Israel, e sua visão sobre a vida e sobre Deus estava profundamente alterada. “De noite indago o meu íntimo, e meu espirito perscruta. Rejeita o Senhor para sempre? Acaso não torna a ser propício? Cessou perpetuamente sua graça? Esqueceu-se Deus de ser bondoso?” Ao lermos atentamente estes versículos concluímos que algo estava distorcido na sua compreensão sobre o Eterno, mas em seguida, ele faz a seguinte observação: Então, disse eu: Isto é a minha aflição!”
Sua situação emocional estava profundamente abalada.

...”A minha alma recusa consolar-se” (vs.2)
...”Lembro-me de Deus e passo a gemer; medito, e me desfalece o espírito” (vs. 3). Sua comunhão com Deus tem efeito reverso. oração tem reação reversa. Ele geme ao lembra-se de Deus. Não deveria sentir paz e alívio? Ao meditar seu espírito se desfalece. Não deveria ser fortalecido pela meditação, por considerar a realidade de Deus?
...”Não me deixas pregar os olhos” – Insônia (vs.4)

Suas questões:
O Salmista encontra-se em crise com Deus (Sl 77.7-9), e isto afeta toda a compreensão de sua própria realidade. Não é assim que geralmente fazemos? Nossa amargura, murmuração e raiva, é antes de tudo contra Deus, ou não encontra-se Deus acima e detrás de tudo?

Princípios
Na leitura do texto, percebemos algumas verdades:

1.     Não há problema em Deus, mas na nossa lente – Como vemos na reação do salmista, a realidade é que sua dor causava distorção. “Isto é a minha aflição”. Quando estivermos alterados emocionalmente, precisamos lembrar que Deus é fiel. Sua fidelidade, estabilidade, devem nos orientar e não a situação que estamos enfrentando. Deus é santo, e seus motivos são sempre corretos.

2.     O estado do humor nos leva a conclusões equivocadas. Muitas vezes até mesmo a variação de hormônios pode gerar sentimento de irritabilidade ou depressão.

Em alguns parques de diversões temática podemos encontrar simuladores. Você entra em determinados tubos e carrinhos, e eles passam um filme em alta velocidade, e com alguns movimentos no seu assento, dando-lhe a impressão de que você está voando, mas na verdade, a tela é que está se movendo. Quando bate o desespero e ficamos com medo, a regra é simples. Basta olhar para o lado para perceber que na verdade tudo está no mesmo lugar. Você apenas tem impressão de velocidade.
Acho que isto ilustra bem o que sentimos na vida. Muitas vezes nos desesperamos, culpamos a Deus, fazemos leituras equivocadas, mas basta olhar para Deus, observar sua fidelidade e sua soberania na história para vermos como tudo está como Deus sempre quis que estivesse. Deus é Deus. Ele tem controle sobre todas as coisas.
Muitas discussões que temos em família passam por esta vertente. Pegamos uma linha de interpretação e começamos a fazer associações indevidas e eventualmente pesadas. Isto destrói a alegria e a espontaneidade.

3. Para superar esta distorção, precisamos colocar os olhos em Deus – Na sua estabilidade, no seu caráter, e ao mesmo tempo, tirar os olhos de nós mesmos, da instabilidade emocional, variação humoral.

Onde o salmista coloca seu olhar?
Antes de mais nada, ele se lembra do fato de que Deus já construiu história no meio de seu povo, de Israel. Sua ação na história é concreta, não abstrata. Ele não pode negar o fato de que Deus já deu vitória, participou de sua história.
Foi assim que Davi venceu o gigante Golias. “Tu vens a mim, com espada e escudo, eu vou a ti em nome do Senhor dos Exércitos”. Por que ele se sentia tão seguro? Porque Deus já lhe dera outras vitórias contra o leão e o urso. A vitória de ontem pode dar segurança e vitória hoje. Se Deus já revelou seu cuidado, porque deveríamos andar inseguros?

Para obter vitória, o salmista lança mão da memória. “Recordo os feitos do passado”. Esta foi a mesma estratégia do profeta Jeremias no meio do caos: “Quero trazer à memória o que me pode dar esperança. As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não tem fim, renovam-se a cada manhã. Grande é a tua fidelidade” (Lm 3.23,24).
Quando o apóstolo Pedro escreve a sua segunda carta, ela fala muito da importância da memória (2 Pe 1.13,15; 3.1). “Quero recordar a vossa memória esclarecida”. Precisamos aprender que na vida, quem vive melhor não é quem se lembra mais, mais quem tem memória melhor.

O que o salmista recorda?
a.     A santidade de Deus – (Sl 77.13). Santidade tem a ver com motivos. Se Deus é santo, seus motivos para conosco serão sempre os melhores. Deus não brinca com nossa dor.

b.     Seu poder – “Que Deus é tão grande como nosso Deus?” Ele sabe que o Deus em quem ele coloca sua confiança, é Todo-Poderoso, soberano, e nada lhe é impossível. Se ele não faz alguma coisa é porque isto faz parte de seus propósitos eternos e muitas vezes misteriosos, que a nossa humanidade não é capaz de apreender. Somente Deus tem a prerrogativa de ser Deus. De fazer o que deseja, sem ter que explicar suas razões.

c.     Sua forma misteriosa de agir – “Deus caminha sem deixar vestígios”. É esta a afirmação que lemos no Sl 77.13. Ele passa misteriosamente pela história. Assim é o Espírito de Deus: Como o vento. Ouves a sua voz, mas não  sabe de onde vem, nem para onde vai.

d.    A direção sábia e pastoral de Deus – Esta afirmação encontra-se claramente no vs. 20: “O teu povo, tu o conduziste como rebanho, pelas mãos de Moisés e de Arão”. Deus usa pessoas para realizar seus propósitos, mas é Deus quem está por detrás de todas estas coisas.

Conclusão

Conflitos, enfermidades, lutos e tragédias podem nos desequilibrar, e quando tomamos decisões ou fazemos asseverações radicais nestes momentos, quase que inevitavelmente nos equivocaremos e traremos consequências danosas para nossa vida.
Então, se conseguir lembrar, veja se as emoções, a situação e a saúde são aliados ou inimigos. Se perceber que algum destes fatores o leva a julgamentos equivocados, reflita um pouco mais, antes de ser conclusivo. Outros momentos melhores virão quando, com ânimo sereno, você terá condições de julgar melhor os fatos.
Dráuzio Varella, no livro “o fio da navalha” afirma que “preconceitos distorcem a realidade mais do que alucinações”. O mesmo podemos dizer das emoções. Uma pessoa debaixo de pressão, pode encontrar dificuldade de ver as coisas como de fato elas são, e avaliar baseado naquilo que parecem ser. Cuidado com seu emocional: ele pode distorcer seus julgamentos e até mesmo a realidade.

Então, ao julgar, considere:
Primeiro: Estou com equilíbrio emocional para avaliar a situação?

Ou estou debaixo de grande pressão, com saúde debilitada, com variação humoral? É importante considerar estas coisas porque a saúde, o stress e a irritabilidade, podem alterar minha capacidade de julgamento.

Segundo, Estou entendendo bem que Deus é?
A confiança no caráter de Deus dá descanso. Nada é mais salutar que uma correta compreensão de quem Deus é, e nada pode nos adoecer mais que uma teologia errada, ou suspeita de Deus. Paulo afirma a Timóteo: “Eu sei em quem tenho crido, e estou bem certo de que ele é poderoso para guardar o meu tesouro, até o dia final”(2 Tm 1.12).

Faça as perguntas, mas não pare nas perguntas.
O Salmista fez todas as perguntas, mas não é um ser em permanente crise. Corre-se o risco de ficar apenas nos questionamentos, sem encontrar respostas e soluções. Certo casal tinha uma criança de 5 anos que pergunta incansavelmente, em todas as situações: “Por que papai?” Certo dia seu pai, irritado lhe disse: “filhinho, você pergunta demais, o tempo todo: por que? Por que?”, e o filhinho resignado perguntou: “Por que será que faço isto papai?”

Reflita sobre a obra de Deus
O salmista não para nas perguntas, mas reflete sobre a intervenção de Deus na história.
Que tal pensar na obra de Cristo?
A cruz é um lugar de paradoxos. Você nunca se perguntou porque Jesus foi para a cruz?
Quando olhamos para a cruz, não consigo entender mais nada.
Por que este Deus, que não precisa de nada de nossa parte, já que é auto suficiente, decidiu entregar seu filho por mim? Como entender a redenção?
Um Deus que morreu por mim, que paga a preço do meu pecado para me reconciliar com ele...
Como entender o paradoxo deste Jesus, verdadeiro Deus, que clama ao Pai, verdadeiro Deus, “por que me desamparaste?”

Apesar de não ter explicações para este tão grande amor, nos deleitamos na sua graça e no seu mistério. Ali, todas as grandes questões não explicadas, tornam-se claras, pelo poder de Deus.

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