Introdução:
Este texto narra a defesa de Estevão
perante o Sinédrio. o maior sermão do Livro de Atos dos Apóstolos encontra-se
no capítulo sete de Atos. Estevão encontrava-se diante da corte mais poderosa
de Israel, chamada de Sinédrio. o mesmo tribunal que julgou a Jesus,
posteriormente Tiago e Joao (At 4 e 5), e agora julga Estevão. Esta corte,
embora tivesse poder sobre a vida e a morte, não tratava dos temas políticos,
mas religiosos. Estevão não é acusado de um crime comum, ou político, como foi
Jesus, mas de um desvio teológico. Ele está sendo julgado de acordo com a lei.
Estevão se defende, demonstrando que
aqueles homens estavam incorrendo em cinco crimes muito comuns a todas as
pessoas religiosas, e Estevão denuncia estes pecados. São eles:
Primeiro, sacralizar objetos, coisas e locais
A acusação do Sinédrio é específica: “Este homem não cessa de falar contra o lugar
santo e contra a lei”(At 6.13).
O que Estevão faz?
Ele tenta demonstrar que este erro
decorria de uma interpretação errada daqueles homens, pois o profeta Isaias já
havia profetizado que Deus não cabe dentro de uma estrutura e não pode se
limitar a um prédio. “Entretanto, não
habita o Altíssimo em casas feitas por mãos humanas; como diz o profeta: O céu
é o meu trono e a terra, o estrado de meus pés; que casa me edificareis, diz o
Senhor, ou qual é o lugar do meu repouso?” (At 7.48,49).
Para justificar seu ponto de vista,
cita ainda a experiência de Davi, ansioso por “prover morada para o Deus de Jacó”
(At 7.46). Se formos ao Antigo Testamento, veremos que Deus não se empolgou com
a sugestão de Davi, e até mesmo pediu ao Profeta Natã para que fosse lá e lhe
dissesse, que ao contrário do que Davi pensava, não seria ele quem faria uma
casa para Deus, mas Deus lhe faria uma casa.
Religiosos sempre caem na armadilha de
sacralizar, objetos, coisas e lugares.
O Deus que criou os céus e a terra,
transcende a tudo isto. O céu é o seu trono, e a terra o estrado de seus pés.
Sua glória não se limita a um espaço criado por homens, nos quais eles imaginam
que poderão aprisionar a Deus.
Quanto mais antiga uma estrutura, mais
ela atrai e é carregada de um peso religioso e sagrado. Monumentos antigos,
lugares sagrados, se tornam "irremovíveis" e algumas vezes é considerado
sacrilégio algum questionamento sobre o assunto.
Certo pastor estava tentando mudar de
um local onde a igreja se reunia por mais de trinta anos, e isto se transformou
num enorme problema, porque as pessoas abraçavam as paredes e as portas da
igreja dizendo que não poderiam sair dali, porque aquelas paredes eram
sagradas. É fácil sacralizar órgãos, púlpitos, arquitetura.
Na verdade, um prédio tem a finalidade
não de aprisionar Deus, mas de facilitar os adoradores. E não ha nada de errado
nisto. É bom se reunir numa estrutura adequada, organizada e com uma
arquitetura atraente, mas sempre corremos o risco de confundir essência com
acidente, temporal com o eterno, monumento com movimento. Quando isto acontece,
estamos perdendo a essência da adoração.
Este é o primeiro equívoco denunciado
por Estevão. Ele denuncia o sinédrio
...e nos denuncia ainda hoje.
Segundo, manter a aparência, desprezar o conteúdo
Isto é dito de forma explícita quando
Estevão fala do histórico comportamento do povo de Israel no deserto. “A quem nossos pais não quiseram obedecer;
antes, o repeliram e, no seu coração, voltaram para o Egito” (At 7.39). Ele não diz que o povo
voltou para o Egito, e sim que, o coração deles havia voltado. O problema não
era o ato praticado, mas a disposição interna.
Na música Tomé da
Fé, dos Vencedores por Cristo, vemos a seguinte questão: “O que fazer se o
coração não consegue mais crer, o que sabe ser verdade?”. O grande ponto de
convergência e divergência encontra-se exatamente no coração. Quando o coração
não vem, nada acontece. Ele serve como uma bússola para a vida.
A Bíblia afirma que “do coração procede todas as fontes da vida”,
por isto ele deve ser protegido.
Este é um problema
muito comum no coração do homem religioso. O problema o é o que fazemos, mas em
que ponto está o coração. Podemos agir de forma mecânica, automática,
religiosa, sem que o coração esteja presente. “Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe”.
Podemos ainda não fazer nada, mas o coração já estar longe. O povo de Deus não
havia voltado literalmente, mas “no seu coração, voltaram para o Egito”. O que
tinha acontecido interiormente era o problema, não seus atos.
É fácil para o
religioso, se auto enganar, se distanciar, esfriar, tornar-se indiferente, sair
do diapasão divino, se afastar, voltar ao Egito, sem sequer ter chegado na
fronteira geográfica da terra que se opõe a Deus. O problema não é geográfico,
mas existencial. Mantem-se a aparência, mas despreza-se o conteúdo, mantem-se a
forma, mas nega-se a essência.
Terceiro, perder a humildade e o
quebrantamento
Estevão
afirma que eles eram de dura cerviz. O que isto significa? Cerviz é a
parte posterior do pescoço nuca. Mostra a atitude de pessoas que não se
humilham, não se ajoelham, não se quebram, mas continua empertigadas,
endurecidas e rígidas, com o nariz empinado. Não se dobram.
Pessoas de dura cerviz são literalmente “obstinadas” ou “teimosas”.
Os membros do Sinédrio eram os religiosos mais tradicionais de Israel, eles
preservavam e aplicavam a lei, eles eram assíduos nos cultos e praticantes da
religião, contudo, eram duros, resistentes, não se curvavam e agiam de
forma irredutível, rebelde. Pessoas de dura cerviz não
"abaixam a cabeça". A expressão “cerviz” aparece 23 vezes no Antigo
Testamento e isto demonstra quão facilmente pessoas frequentadoras da atos
religiosos podem ter dificuldade em em se curvar diante de Deus.
A Revista Ultimato fez o seguinte comentário sobre a dura
cerviz: “ponha uma dobradiça no pescoço. Baixe a cabeça, submeta-se. A cerviz
dura é um problema realmente sério: “O homem que muitas vezes repreendido
endurece a cerviz, será quebrantado de repente sem que haja cura” (Provérbios
29:1). Somente a dobradiça na parte posterior do pescoço resolve esta questão.
Você precisa se abaixar. Todos precisam se abaixar. Sobretudo diante de Deus.
Por causa da glória dEle e por causa da miséria nossa. Este foi o pedido de
Josué ao povo de Israel, depois da ocupação e da partilha da Terra Prometida: “Inclinai o vosso coração ao Senhor Deus de Israel”
(Josué 24:24)”.
Quarto, coração e ouvido bloqueados
Estevão afirma que os membros do Sinédrio tinham “coração e
ouvidos incircuncisos”. A circuncisão no AT era um sinal feito no órgão sexual
masculino, (Gn 17.12). Uma exigência de Deus que deveria ser aplicado a todos
que eram do sexo masculino como uma forma de marcar o povo de Deus e sua
descendência. No NT, este sinal é substituído pelo batismo (Cl 2.11-12).
Desde o AT, Deus demonstrava a circuncisão da carne, apontava
para algo mais profundo que Deus queria fazer. Seu propósito era a mudança do
coração, e não do exterior. “Circuncidai, pois, o vosso coração espiritual;
retirando toda a obstrução carnal, e deixai de ser insubmissos e teimosos!”(Dt
10.16). “Purificai-vos ao Senhor, circuncidai os vossos corações, homens de
Judá e habitantes de Jerusalém” (Jr 4.4). Deus estava apontando através dos
profetas que sua obra precisava aprofundar.
No NT, o que importava não era um corte na pele, mas a marca
feita no coração, simbolizando a obra de Deus no seu povo (Rm 2.25). Deus
deseja fazer circuncisão no coração, para refletir sua obra em nós. Os líderes
judaicos estavam fechados à circuncisão do coração e dos ouvidos.
Paulo afirma que os sentidos dos filhos de Israel tinham
espiritualmente se tornado embotados. “Pois,
até ao dia de hoje, quando fazem a leitura da antiga aliança, o mesmo véu
permanece, não lhes sendo revelado que, em Cristo é removido, mas até hoje,
quando é lido Moisés, o véu está posto sobre o coração deles. Quando, porem,
algum deles se converte ao Senhor, o véu lhe é retirado” (2 Co 3.14-16).
Este é um risco constante do povo de Deus ainda hoje.
Religiosos podem se tornar endurecidos. Isto ocorre quando se
dessacraliza-se o Sagrado, quando a santidade e o compromisso com a Palavra de
Deus perde o poder em nossa vida. É fácil sacralizar objetos, coisas e lugares
que não são sagrados, assim como é fácil também fazer o contrário: tirar a
sacralidade daquilo que é santo. Desta forma, o coração já não pode ser tocado
pelas coisas Eternas. Coração e ouvidos tornam-se incircuncisos.
Precisam remover o véu interior que cobre a nossa mente e
coração impedindo de assimilar as verdades de Deus. Por isto o salmista ora: “Sacrifícios e ofertas não quiseste; abriste
os meus ouvidos” (Sl 40.6). Eugene Peterson traduz a parte final deste
versículo assim: “cavastes ouvidos em
mim”. Precisamos ter a capacidade de ouvir. Afinal, esta é a recomendação
divina: “Quem tem ouvidos, ouça, o que o
Espírito diz às igrejas”. Só pessoas com coração e ouvidos descobertos e
circuncidados, poderão captar a visão e o coração de Deus para viver de forma
que lhe agrade.
Quinto, resistir ao Espírito Santo
Esta atitude é grave. O sinédrio, apesar de toda sua
religiosidade, e prática de comportamentos sagrados, resistia ao Espírito de
Deus. Será que tinham consciência disto?
O que significa resistir ao Espírito?
Trata-se de abandonar a possibilidade de arrependimento, se
tornar insensível ao pecado e resistente à santificação pessoal. Resistir ao
Espírito Santo é recusar, de forma consciente, a vontade divina transmitida.
Estevão afirma que os religiosos do Sinédrio não faziam isto de
forma esporádica e isolada, mas continuamente resistiam ao Espírito
Santo, recusando de forma deliberada a obra de Deus em suas vidas. O verbo
resistir usado no texto originalmente vai além de uma mera resistência passiva
e significa lutar contra.
Será que tinham consciência disto?
Será que temos consciência quando também corremos o risco de
resistir ao Espírito? Será que somos capazes de perceber esta armadilha de
nossa alma?
Por isto é apropriado pensar na exortação bíblica: “Hoje, se
ouvirdes a sua voz, não endureçais o vosso coração, como foi na provocação”(Hb
3.15).
Conclusão
Ser religioso não ajuda a compreender o Evangelho e muitas vezes
se torna um grande obstáculo. “...e não
comeceis a dizer entre vós mesmos: Temos por pai a Abraão; porque eu vos afirmo
que destas pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão” (Mt 3.9). A
religiosidade do povo, a herança religioso, lhes dava falsa segurança e João
Batista denuncia tal atitude.
Jesus censurou severamente os religiosos. Basta uma lida atenta
em Mt 23 para entendermos como a atitude religiosa pode ser complicado. “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas,
porque limpais o exterior do copo e do prato, mas estes, por dentro, estão
cheios de rapina e intemperança” (Mt 23.25). A religiosidade pode ser
mortal, porque nos dá uma falsa segurança e nos enche de justiça própria. Jesus
censurou mais os religiosos de seu tempo que os pecadores, publicamente
declarados como tal.
Paulo igualmente questiona a falsa impressão que a religião pode
gerar no coração. “Portanto, és
indesculpável, ó homem, quando julgas, quem quer que sejas; porque, no que
julgas a outro, a ti mesmo te condenas; pois praticas as próprias coisas que
condenas”(Rm 2.1).
Religiosos são facilmente presos nas armadilhas que Estevão
denunciou.
Estas armadilhas são mais atuais que nunca.
Estes são alguns dos perigos teológicos do coração do homem religioso
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