Se você deseja estudar
a Carta de Paulo aos Romanos, é bom se prevenir. Mais do que qualquer outro
texto das Escrituras Sagradas, seu conteúdo transformou a vida de muitos homens
na história da igreja, trazendo grande impacto e profunda transformação nas
gerações seguintes.
Se você deseja
continuar, faça-o! Mas lembre-se, seu conteúdo é “perigosamente maravilhoso!”
Muitos líderes da
igreja influentes, em diferentes séculos, dão testemunho do impacto produzido pela
Epístola aos Romanos em suas vidas, tendo sido ela, em diversos casos, o
instrumento para sua conversão.
Agostinho de Hipona (354-430)
No verão do ano 386,
Santo Agostinho, então professor de retórica em Milão, ainda não convertido,
Ali adquiriu o costume de ouvir, as pregações do Bispo Ambrósio. A mensagem atingia
cada vez mais o seu coração. Começou a apreciar a Bíblia e a entender que
todo o Antigo Testamento é um caminho rumo a Jesus Cristo. Começou, então, a
ler a Bíblia e sobretudo as Cartas de São Paulo e narra que, no tormento das
suas reflexões, tendo-se retirado num jardim, ouviu uma voz infantil repetindo
uma cantiga que nunca tinha ouvido: tolle, lege, tolle, lege, "toma e lê,
toma e lê" (Confissões VIII, 12).
Ao tomar o manuscrito
que estava ao lado do amigo, seus olhos caíram nestas palavras de Paulo: “A noite é passada, e o dia é chegado.
Rejeitemos, pois, as obras das trevas, e vistamo-nos das armas da luz. Andemos
honestamente, como de dia; não em glutonarias, nem em bebedeiras, nem em
desonestidades, nem em dissoluções, nem em contendas e inveja. Mas revesti-vos
do Senhor Jesus Cristo, e não tenhais cuidado da carne em suas concupiscências”
(Rm 13.13,14).
Entendeu que esta
palavra se dirigia a ele, e assim ele registra:
“Não li mais
nada, e não precisei de coisa alguma. Instantaneamente, ao terminar a sentença
uma clara luz inundou meu coração e todas as trevas da dúvida se desvaneceram”
(Confissões VIII.29). Sentiu assim dissipar-se as trevas da dúvida e
encontrou-se enfim livre para se doar totalmente a Cristo: "Tinhas
convertido a ti o meu ser" (Confissões, VIII, 12).
Martinho Lutero (1483-1546)
Em Novembro de 1515,
este monge agostiniano e professor de teologia, começou a expor a Epístola de
Paulo aos romanos aos seus alunos, até setembro de 1516. Conforme preparava as
lições, apreciava cada vez mais a doutrina da justificação pela fé: “Ansiava
muito por compreender a Epístola de Paulo aos Romanos, e nada me impedia o
caminho, senão a expressão: ‘a justiça de Deus’, por que a entendia como se
referindo àquela justiça pela qual Deus é justo e age com justiça quando pune
os injustos... Noite e dia refleti até que... captei a verdade de que a justiça
de Deus é aquela justiça pela qual, mediante a graça e a pura misericórdia, Ele
nos justifica pela fé. Daí por diante, senti-me renascer e atravessar os
portais abertos do paraíso. Toda a Escritura ganhou novo significado e, ao
passo que antes ‘a justiça de Deus’ me enchia de ódio, agora se me tornava
indizivelmente bela e me enchia de maior amor. Esta passagem veio a ser para mim
uma porta para o céu.” (Luther’s Work, edição de Weimar, vol. 54)
Esta Epístola é o mais
importante documento do Novo Testamento, o evangelho na sua expressão mais
pura”. Aos olhos de numerosos historiadores, o comentário à Epístola aos
Romanos por Lutero, em 1516, foi o verdadeiro ponto de partida da Reforma. O
momento decisivo na vida de Lutero foi a descoberta que a justiça de Deus, não
como julgamento e exigências, mas dada por Deus através de sua graça. A justiça
de Deus revelada em Cristo. As consequências desta nova compreensão tiveram
grande repercussão na história.
Philip Melanchthon (1497-1560).
Foi um dos maiores colaboradores
de Lutero e redigiu a “Confissão de Augsburgo” (1530). Em 1521
concluiu sua famosa obra Loci Communes
(“Tópicos comuns” da Teologia), que é de fato uma explicação da Epístola aos
Romanos que na sua visão fornecia o sumário da doutrina cristã. A dogmática
luterana primitiva confundiu-se, na realidade, com uma dogmática da Epístola
aos Romanos. Melanchton converteu-se no principal líder do luteranismo
após a morte de Lutero e é considerado o primeiro sistemático da Reforma.
William Tyndale (1484-1536)
Este pastor
protestante e acadêmico inglês, mestre em Artes na Universidade de Oxford foi
profundamente influenciado pela carta de Paulo ao Romanos. Traduziu a Bíblia para
uma versão inicial do moderno inglês. Seu objetivo era fazer o Novo
Testamento um livro tal que "todo menino de
arado" pudesse lê-lo e se tornasse mais conhecedor das Escrituras que
o próprio clero. Apesar de numerosas traduções para inglês, parciais ou
completas, terem sido feitas a partir do século VII, a Bíblia de Tyndale foi a primeira a
beneficiar da imprensa, o que permitiu uma ampla distribuição.
Tyndale estudou as
escrituras e começou a defender as teses da Reforma Protestante, muitas das quais eram
consideradas heréticas, primeiro pela Igreja Católica que o perseguira e depois
pela Igreja Anglicana. As traduções de Tyndale foram
banidas pelas autoridades e o próprio Tyndale foi queimado na fogueira em 1536 em Vilvoorde (10Km
a nordeste de Bruxelas), na atual Bélgica,
sob a instigação de agentes de Henrique VIII e a Igreja Anglicana.
Suas últimas palavras foram, "Senhor, abre os olhos ao rei da
Inglaterra", o que de fato aconteceu anos depois.
Ele fez a seguinte
declaração sobre Romanos:
“Visto que esta
epístola é a principal e a mais excelente parte do Novo Testamento, e o mais
puro Euangelion, quer dizer, boas
novas e aquilo que chamamos de Evangelho, como também luz e caminho, que
penetra o conjunto da Escritura, creio que convém que todo cristão não somente
a conheça de cor, mas também se exercite nela sempre e sem cessar, como se
fosse o pão cotidiano da alma. Na verdade, ninguém pode lê-la demasiadas vezes
nem estudá-la suficientemente bem. Sim, pois, quanto mais é estudada, mais
fácil fica; quanto mais é meditada, mais agradável se torna, e quanto mais
profundamente é pesquisada, mais coisas preciosas se encontram nela, tão grande
é o tesouro de bens espirituais que nela jaz oculto”.
Teólogo francês,
influenciou profundamente a Reforma Protestante. Foi inicialmente um humanista,
e depois do seu afastamento da Igreja Católica, começou a ser visto, como uma
das vozes mais influentes do movimento protestante. Vítima das perseguições
aos huguenotes na
França, fugiu para Genebra em 1536, onde faleceu em 1564. Genebra tornou-se
definitivamente num centro do protestantismo europeu e João Calvino permanece
até hoje uma figura central da história da cidade e da Suíça. Para muitos
historiadores, ele foi para o povo de língua francesa aquilo que Lutero foi para
o povo de língua alemã.
Calvino também foi
profundamente influenciado pela Carta de Paulo aos Romanos, em 1539 escreveu:
“Se...
conseguirmos atingir uma genuína compreensão desta Epístola, teremos aberto uma
amplissíssima porta de acesso aos mais profundos tesouros das Escrituras”.
Foi explicando a Epístola
aos Romanos, seu primeiro comentário bíblico (publicado somente em 1540), que
Calvino preparou a segunda edição das Institutas da religião cristã (1539),
formulando as principais teses da doutrina calvinista”.
John Wesley (1703-1791)
O coração de Wesley
foi tomado por um fogo ao ouvir um estudo sobre a Carta aos Romanos. No dia 24
Maio de 1738, Wesley visitou a sociedade moraviana perto da Rua Aldersgate.
Ali experimentou a sua conversão, que ele descreveu no seu diário:
“Ao entardecer
eu fui sem grande vontade a uma sociedade na Rua de Aldersgate, onde alguém
estava a ler o prefácio de Lutero à Epístola aos Romanos. Cerca de um quarto
para as nove, enquanto ele estava a descrever a mudança que Deus opera no
coração através da fé em Cristo, eu senti o meu coração estranhamente aquecido.
Eu senti que confiava em Cristo, somente em Cristo para a salvação; e uma
certeza foi-me dada que Ele havia retirado os meus pecados, mesmo os meus, e me
havia salva da lei do pecado e da morte.” (Works [1872], vol. 1)
Este momento crítico
da vida de João Wesley, para muitos historiadores, foi o acontecimento que mais
que todos os outros, deu início ao Avivamento Evangélico do Século XVIII.
Teólogo reformado
suíço considerado por alguns como o maior teólogo protestante do século 20. Sua
influência expandiu-se muito além do domínio acadêmico, chegando a incorporar a
cultura, o que levou a Barth ser apresentado na capa da revista TIME em
20 de abril de 1962.
Barth rejeitou sua
formação na teologia liberal predominante típica do protestantismo europeu do
século XIX, bem como as tendências mais conservadoras do cristianismo,
assumindo a teologia dialética chamada posteriormente
de neo-ortodoxia - um termo que rejeitou enfaticamente.
Barth enfatizou a
soberania de Deus, particularmente através da reinterpretação da doutrina
calvinista das eleições, do pecado da humanidade e da "distinção
qualitativa infinita entre Deus e a humanidade". Suas obras mais famosas
são a sua Epístola aos Romanos, que marcou um recorte claro de seu pensamento
anterior, e seu enorme trabalho de treze volumes, a Igreja Dogmática, uma das
maiores obras de teologia sistemática já escritas. O Papa Pio XII disse
que Karl Barth foi “o melhor teólogo desde Tomás de Aquino”.
Em Agosto de 1918,
publicou sua exposição da Epístola aos Romanos, e logo no prefácio escreveu:
“O leitor
perceberá por si mesmo que este comentário foi escrito comum jubiloso
sentimento de descoberta. A poderosa voz de Paulo era nova para mim e se o era
para mim, certamente o será para muitos. Entretanto, agora que terminei minha
obra, vejo que resta muita coisa que ainda ouvi”.
Alguém teceu a
seguinte comentário: “Sua análise caiu como uma granada no pátio de recreio dos
teólogos”.
Charles E. B. Cranfield (1915-2015)
Considerados um dos
maiores professores de NT em todo mundo, serviu como Capelão do exército na
Segunda Guerra Mundial, como pastor para prisioneiros de guerra antes de
ensinar por 30 anos como professor emérito de teologia da Universidade de
Durham, no Reino Unido.
É autor do famoso
Comentário de Romanos “A Critical
and Exegetical Commentary on the Epistle to the Romans”, e “On Romans and
Other New Testament Essays” cujos dois volumes integram a
impressionante série mundialmente conhecida como International Critical
Commentary (Icc, com 52 volumes), da qual é um dos editores.
Em 1985 fez a seguinte
declaração:
“Tendo-me empenhado
muito seriamente com a epístola aos Romanos durante mais de um quarto de
século, ainda a encontro sempre nova e não posso lê-la sem prazer. Minha mais
séria esperança é que cada vez mais pessoas se comprometam seriamente com ela,
e, ouvindo o que ela tem a dizer, encontrem no Deus fiel, compassivo e Todo-Poderoso,
como que ela se preocupa, alegria e esperança, bem como força até nestes sombrios,
ameaçadores e – para muitos – dias carregados de angustia, através dos quais
temos que viver”.
John R. W. Stott (1921-2011)
Pastor e teólogo anglicano britânico,
conhecido como um dos grandes nomes mundiais evangélicos. Foi um dos principais
autores do pacto de Lausanne, em 1974. Em 2005, a revista Time o
colocou entre as 100 pessoas mais influentes do mundo.
Durante muitos anos foi
reitor da Igreja anglicana de All Souls, em Londres. Em 1994 escreveu um dos seus grandes trabalhos
acadêmicos que foi o comentário da Carta
de Paulo aos Romanos. Ele afirma o seguinte sobre esta carta: “Ela é a mais
completa, a mais pura e a mais grandiosa declaração do evangelho encontrada no
Novo Testamento”.
Conclusão:
F. F. Bruce afirmou:
“Não é possível
predizer o que pode acontecer quando as pessoas começam a estudar a Epístola
aos Romanos. O que sucedeu com Agostinho, Lutero, Wesley e Barth acionou
grandes movimentos espirituais que deixaram sua marca na história do mundo. Mas
coisas parecidas com essas aconteceram muito mais vezes com pessoas bem comuns,
quando as palavras desta epístola penetraram nelas com poder. Assim, aqueles
que a lerem até esse ponto, estejam preparados para as consequências de
prosseguirem na leitura. O leitor está avisado!”
Do ponto de vista doutrinário,
é uma das mais ricas e a mais notavelmente estruturada. Calvino afirma “Esta
epístola toda inteira é disposta metodicamente... entre as muitas e notáveis virtudes, a
epístola possui uma em particular, a qual nunca é suficientemente apreciada, a
saber: se porventura conseguirmos atingir a genuína compreensão desta epístola,
teremos aberto uma amplíssima porta de acesso aos mais profundos tesouros da
escritura”.
Historicamente nenhuma
carta exerceu igual influência; um teólogo protestante chegou a dizer que a
história da Igreja se confundia com a da interpretação desta epístola. Não há
como negar que este texto sempre ocupou um lugar privilegiado na história da
exegese.
Sua interpretação
desempenhou papel decisivo na vida destes grandes homens, conforme descrevemos
acima, e particularmente em dois momentos cruciais da história da Igreja: No
século V, quando Pelágio criou uma das grandes controvérsias sobre a gratuidade
da salvação e no século XVI, quando se redescobriu a doutrina da Justificação
pela graça.
O estudo desta carta é
vital para a saúde teológica da igreja de Cristo. Todos os reformadores da
igreja viam Romanos como sendo a chave divina para o entendimento de toda a
Escritura.
Então, caso você decida
estudar esta carta, esteja alerta, como nos adverte F. F. Bruce.
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