quinta-feira, 24 de maio de 2018

Rm 1 Cuidado! Antes de Ler a Carta aos Romanos



Introdução 

Se você deseja estudar a Carta de Paulo aos Romanos, é bom se prevenir. Mais do que qualquer outro texto das Escrituras Sagradas, seu conteúdo transformou a vida de muitos homens na história da igreja, trazendo grande impacto e profunda transformação nas gerações seguintes.
Se você deseja continuar, faça-o! Mas lembre-se, seu conteúdo é “perigosamente maravilhoso!”
Muitos líderes da igreja influentes, em diferentes séculos, dão testemunho do impacto produzido pela Epístola aos Romanos em suas vidas, tendo sido ela, em diversos casos, o instrumento para sua conversão.

Agostinho de Hipona (354-430)

No verão do ano 386, Santo Agostinho, então professor de retórica em Milão, ainda não convertido, Ali adquiriu o costume de ouvir, as pregações do Bispo Ambrósio. A mensagem atingia cada vez mais o seu coração. Começou a  apreciar a Bíblia e a entender que todo o Antigo Testamento é um caminho rumo a Jesus Cristo. Começou, então, a ler a Bíblia e sobretudo as Cartas de São Paulo e narra que, no tormento das suas reflexões, tendo-se retirado num jardim, ouviu uma voz infantil repetindo uma cantiga que nunca tinha ouvido: tolle, lege, tolle, lege, "toma e lê, toma e lê" (Confissões VIII, 12).
Ao tomar o manuscrito que estava ao lado do amigo, seus olhos caíram nestas palavras de Paulo: “A noite é passada, e o dia é chegado. Rejeitemos, pois, as obras das trevas, e vistamo-nos das armas da luz. Andemos honestamente, como de dia; não em glutonarias, nem em bebedeiras, nem em desonestidades, nem em dissoluções, nem em contendas e inveja. Mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo, e não tenhais cuidado da carne em suas concupiscências” (Rm 13.13,14).
Entendeu que esta palavra se dirigia a ele, e assim ele registra:

“Não li mais nada, e não precisei de coisa alguma. Instantaneamente, ao terminar a sentença uma clara luz inundou meu coração e todas as trevas da dúvida se desvaneceram” (Confissões VIII.29). Sentiu assim dissipar-se as trevas da dúvida e encontrou-se enfim livre para se doar totalmente a Cristo: "Tinhas convertido a ti o meu ser" (Confissões, VIII, 12).


Martinho Lutero (1483-1546)

Em Novembro de 1515, este monge agostiniano e professor de teologia, começou a expor a Epístola de Paulo aos romanos aos seus alunos, até setembro de 1516. Conforme preparava as lições, apreciava cada vez mais a doutrina da justificação pela fé: “Ansiava muito por compreender a Epístola de Paulo aos Romanos, e nada me impedia o caminho, senão a expressão: ‘a justiça de Deus’, por que a entendia como se referindo àquela justiça pela qual Deus é justo e age com justiça quando pune os injustos... Noite e dia refleti até que... captei a verdade de que a justiça de Deus é aquela justiça pela qual, mediante a graça e a pura misericórdia, Ele nos justifica pela fé. Daí por diante, senti-me renascer e atravessar os portais abertos do paraíso. Toda a Escritura ganhou novo significado e, ao passo que antes ‘a justiça de Deus’ me enchia de ódio, agora se me tornava indizivelmente bela e me enchia de maior amor. Esta passagem veio a ser para mim uma porta para o céu.” (Luther’s Work, edição de Weimar, vol. 54)

Esta Epístola é o mais importante documento do Novo Testamento, o evangelho na sua expressão mais pura”. Aos olhos de numerosos historiadores, o comentário à Epístola aos Romanos por Lutero, em 1516, foi o verdadeiro ponto de partida da Reforma. O momento decisivo na vida de Lutero foi a descoberta que a justiça de Deus, não como julgamento e exigências, mas dada por Deus através de sua graça. A justiça de Deus revelada em Cristo. As consequências desta nova compreensão tiveram grande repercussão na história.

Philip Melanchthon (1497-1560).

Foi um dos maiores colaboradores de Lutero e redigiu a “Confissão de Augsburgo” (1530). Em 1521 concluiu sua famosa obra Loci Communes (“Tópicos comuns” da Teologia), que é de fato uma explicação da Epístola aos Romanos que na sua visão fornecia o sumário da doutrina cristã. A dogmática luterana primitiva confundiu-se, na realidade, com uma dogmática da Epístola aos Romanos. Melanchton converteu-se no principal líder do luteranismo após a morte de Lutero e é considerado o primeiro sistemático da Reforma.

William Tyndale (1484-1536)

Este pastor protestante e acadêmico inglês, mestre em Artes na Universidade de Oxford foi profundamente influenciado pela carta de Paulo ao Romanos. Traduziu a Bíblia para uma versão inicial do moderno inglês. Seu objetivo era fazer o Novo Testamento um livro tal que "todo menino de arado" pudesse lê-lo e se tornasse mais conhecedor das Escrituras que o próprio clero. Apesar de numerosas traduções para inglês, parciais ou completas, terem sido feitas a partir do século VII, a Bíblia de Tyndale foi a primeira a beneficiar da imprensa, o que permitiu uma ampla distribuição.
Tyndale estudou as escrituras e começou a defender as teses da Reforma Protestante, muitas das quais eram consideradas heréticas, primeiro pela Igreja Católica que o perseguira e depois pela Igreja Anglicana. As traduções de Tyndale foram banidas pelas autoridades e o próprio Tyndale foi queimado na fogueira em 1536 em Vilvoorde (10Km a nordeste de Bruxelas), na atual Bélgica, sob a instigação de agentes de Henrique VIII e a Igreja Anglicana. Suas últimas palavras foram, "Senhor, abre os olhos ao rei da Inglaterra", o que de fato aconteceu anos depois.
Ele fez a seguinte declaração sobre Romanos:

“Visto que esta epístola é a principal e a mais excelente parte do Novo Testamento, e o mais puro Euangelion, quer dizer, boas novas e aquilo que chamamos de Evangelho, como também luz e caminho, que penetra o conjunto da Escritura, creio que convém que todo cristão não somente a conheça de cor, mas também se exercite nela sempre e sem cessar, como se fosse o pão cotidiano da alma. Na verdade, ninguém pode lê-la demasiadas vezes nem estudá-la suficientemente bem. Sim, pois, quanto mais é estudada, mais fácil fica; quanto mais é meditada, mais agradável se torna, e quanto mais profundamente é pesquisada, mais coisas preciosas se encontram nela, tão grande é o tesouro de bens espirituais que nela jaz oculto”.

João Calvino (1509-1564)

Teólogo francês, influenciou profundamente a Reforma Protestante. Foi inicialmente um humanista, e depois do seu afastamento da Igreja Católica, começou a ser visto, como uma das vozes mais influentes do movimento protestante. Vítima das perseguições aos huguenotes na França, fugiu para Genebra em 1536, onde faleceu em 1564. Genebra tornou-se definitivamente num centro do protestantismo europeu e João Calvino permanece até hoje uma figura central da história da cidade e da Suíça. Para muitos historiadores, ele foi para o povo de língua francesa aquilo que Lutero foi para o povo de língua alemã.
Calvino também foi profundamente influenciado pela Carta de Paulo aos Romanos, em 1539 escreveu:

“Se... conseguirmos atingir uma genuína compreensão desta Epístola, teremos aberto uma amplissíssima porta de acesso aos mais profundos tesouros das Escrituras”.

Foi explicando a Epístola aos Romanos, seu primeiro comentário bíblico (publicado somente em 1540), que Calvino preparou a segunda edição das Institutas da religião cristã (1539), formulando as principais teses da doutrina calvinista”.

John Wesley (1703-1791)

O coração de Wesley foi tomado por um fogo ao ouvir um estudo sobre a Carta aos Romanos. No dia 24 Maio de 1738, Wesley visitou a sociedade moraviana perto da Rua Aldersgate.  Ali experimentou a sua conversão, que ele descreveu no seu diário:

“Ao entardecer eu fui sem grande vontade a uma sociedade na Rua de Aldersgate, onde alguém estava a ler o prefácio de Lutero à Epístola aos Romanos. Cerca de um quarto para as nove, enquanto ele estava a descrever a mudança que Deus opera no coração através da fé em Cristo, eu senti o meu coração estranhamente aquecido. Eu senti que confiava em Cristo, somente em Cristo para a salvação; e uma certeza foi-me dada que Ele havia retirado os meus pecados, mesmo os meus, e me havia salva da lei do pecado e da morte.” (Works [1872], vol. 1)

Este momento crítico da vida de João Wesley, para muitos historiadores, foi o acontecimento que mais que todos os outros, deu início ao Avivamento Evangélico do Século XVIII.

Karl Barth – (1886-1968)

Teólogo reformado suíço considerado por alguns como o maior teólogo protestante do século 20. Sua influência expandiu-se muito além do domínio acadêmico, chegando a incorporar a cultura,  o que levou a Barth ser apresentado na capa da revista TIME em 20 de abril de 1962.
Barth rejeitou sua formação na teologia liberal predominante típica do protestantismo europeu do século XIX, bem como as tendências mais conservadoras do cristianismo, assumindo  teologia dialética chamada posteriormente de neo-ortodoxia - um termo que rejeitou enfaticamente.
Barth enfatizou a soberania de Deus, particularmente através da reinterpretação da doutrina calvinista das eleições, do pecado da humanidade e da "distinção qualitativa infinita entre Deus e a humanidade". Suas obras mais famosas são a sua Epístola aos Romanos, que marcou um recorte claro de seu pensamento anterior, e seu enorme trabalho de treze volumes, a Igreja Dogmática, uma das maiores obras de teologia sistemática já escritas. O Papa Pio XII disse que Karl Barth foi “o melhor teólogo desde Tomás de Aquino”.
Em Agosto de 1918, publicou sua exposição da Epístola aos Romanos, e logo no prefácio escreveu:

“O leitor perceberá por si mesmo que este comentário foi escrito comum jubiloso sentimento de descoberta. A poderosa voz de Paulo era nova para mim e se o era para mim, certamente o será para muitos. Entretanto, agora que terminei minha obra, vejo que resta muita coisa que ainda ouvi”.

Alguém teceu a seguinte comentário: “Sua análise caiu como uma granada no pátio de recreio dos teólogos”.

Charles E. B. Cranfield (1915-2015)

Considerados um dos maiores professores de NT em todo mundo, serviu como Capelão do exército na Segunda Guerra Mundial, como pastor para prisioneiros de guerra antes de ensinar por 30 anos como professor emérito de teologia da Universidade de Durham, no Reino Unido.
É autor do famoso Comentário de Romanos “A Critical and Exegetical Commentary on the Epistle to the Romans”, e “On Romans and Other New Testament Essayscujos dois volumes integram a impressionante série mundialmente conhecida como International Critical Commentary (Icc, com 52 volumes), da qual é um dos editores.
Em 1985 fez a seguinte declaração:

“Tendo-me empenhado muito seriamente com a epístola aos Romanos durante mais de um quarto de século, ainda a encontro sempre nova e não posso lê-la sem prazer. Minha mais séria esperança é que cada vez mais pessoas se comprometam seriamente com ela, e, ouvindo o que ela tem a dizer, encontrem no Deus fiel, compassivo e Todo-Poderoso, como que ela se preocupa, alegria e esperança, bem como força até nestes sombrios, ameaçadores e – para muitos – dias carregados de angustia, através dos quais temos que viver”.


John R. W. Stott (1921-2011)

Pastor e teólogo anglicano britânico, conhecido como um dos grandes nomes mundiais evangélicos. Foi um dos principais autores do pacto de Lausanne, em 1974. Em 2005, a revista Time o colocou entre as 100 pessoas mais influentes do mundo.
Durante muitos anos foi reitor da Igreja anglicana de All Souls, em Londres. Em  1994 escreveu um dos seus grandes trabalhos acadêmicos que foi o comentário da  Carta de Paulo aos Romanos. Ele afirma o seguinte sobre esta carta: “Ela é a mais completa, a mais pura e a mais grandiosa declaração do evangelho encontrada no Novo Testamento”.

Conclusão:
F. F. Bruce afirmou:

“Não é possível predizer o que pode acontecer quando as pessoas começam a estudar a Epístola aos Romanos. O que sucedeu com Agostinho, Lutero, Wesley e Barth acionou grandes movimentos espirituais que deixaram sua marca na história do mundo. Mas coisas parecidas com essas aconteceram muito mais vezes com pessoas bem comuns, quando as palavras desta epístola penetraram nelas com poder. Assim, aqueles que a lerem até esse ponto, estejam preparados para as consequências de prosseguirem na leitura. O leitor está avisado!”

Do ponto de vista doutrinário, é uma das mais ricas e a mais notavelmente estruturada. Calvino afirma “Esta epístola toda inteira é disposta metodicamente...  entre as muitas e notáveis virtudes, a epístola possui uma em particular, a qual nunca é suficientemente apreciada, a saber: se porventura conseguirmos atingir a genuína compreensão desta epístola, teremos aberto uma amplíssima porta de acesso aos mais profundos tesouros da escritura”.

Historicamente nenhuma carta exerceu igual influência; um teólogo protestante chegou a dizer que a história da Igreja se confundia com a da interpretação desta epístola. Não há como negar que este texto sempre ocupou um lugar privilegiado na história da exegese.

Sua interpretação desempenhou papel decisivo na vida destes grandes homens, conforme descrevemos acima, e particularmente em dois momentos cruciais da história da Igreja: No século V, quando Pelágio criou uma das grandes controvérsias sobre a gratuidade da salvação e no século XVI, quando se redescobriu a doutrina da Justificação pela graça.

O estudo desta carta é vital para a saúde teológica da igreja de Cristo. Todos os reformadores da igreja viam Romanos como sendo a chave divina para o entendimento de toda a Escritura.
Então, caso você decida estudar esta carta, esteja alerta, como nos adverte F. F. Bruce.




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