Edmund Husserl é chamado o pai da fenomenologia. Ele queria algo que fosse além do empirismo cientifico, e não poderia ser algo analisado num laboratório. O critério não deveria ser analítico (cientifico), mas intuitivo. (percepção com sensibilidade dos motivos por detrás dos atos.
A palavra fenômeno vem do grego phaenomeno, que significa, tudo que aparece.
A. Existe alguma coisa?
B. Ela se mostra?
C. Tal aparição é justamente o fenômeno que precisa se mostrar.
Portanto, fenomenologia é a discussão sistemática do que aparece.
A religião é limitada: seus seguidores vivem em tempos e lugares específicos. Um fenômeno não é limitado pelo tempo, nem pelo espaço. Portanto, quando um missionário entra em contato com outras culturas, precisa se desvencilhar de pressuposições para adentrar e compreender a cultura do outro no nível mais profundo. Além dos ritos visíveis. Ir à camada mais densa da imaginação popular. O que está por detrás dos eventos?
A fenomenologia entraria mais como “unsolved misteries”. O que importa não é julgar, mas perceber o fenômeno. Quando ele se manifesta, o objetivo não adotar o critério de certo ou errado, mas simplesmente percebê-lo em sua essência.
Um exemplo comum são as aparições fantasmagóricas e folclóricas de cada cultura:
Exemplo 1 :
A mulher do posto do japonês entre Anápolis e Goiânia.
Existe uma narrativa de que uma certa mulher muito bem vestida, costuma fazer aparições aos motoristas nas madrugadas entre Goiânia e Brasília. Um dia, conversando sobre este assunto, um dos nossos amigos afirmou: “eu morro de medo de alma do outro mundo”, e começamos a rir e falar de casos “mal assombrados”, e o assunto da mulher do posto do japonês veio à baila. Estava conosco outro amigo, ouvindo silenciosamente as narrativas, e quando este caso foi relatado ele disse quase murmurando: “eu já vi esta mulher nesta estrada. Coisa bizarra...”
Exemplo 2:
Certo pastor recém ordenado em Gurupí-TO, ensinava não haver possessão demoníaca. No primeiro acampamento da igreja que ele foi pastorear, duas pessoas tiveram manifestações (palavra apropriada à fenomenologia). O que ele fez? Ele foi embora e deixou o povo se virar com a manifestação.
Exemplo 3:
Em 2011, recebi do Faustino Jr, um livro autobiográfico de sua mãe, D. Francisca Serafim dos Santos, que apesar do título despretensioso “A menina que espantava pássaros”, me trouxe grandes inspirações. Ela era esposa do Rev. José Faustino, e nasceu na fazenda Areias-RN, nos idos de 1930, que como ele mesma afirma “era outro mundo”. Tenho a alegria de conviver com Débora, sua filha, uma brilhante doutora e professora universitária, casada com meu amigo e colega Rev. Heráclito- que moram em Anápolis.
Quando D. Francisca e Pr Faustino moravam em Salgueiros, ao voltarem de uma congregação da igreja, tiveram uma experiência de arrepiar...
“Tava bem escuro, eram pelas 11 horas da noite, nenhuma luz, exceto os faróis do Jipe na estrada de terra entre as moitas de mato. De repente vimos a uns 100 metros à frente um casal de noivos: a noiva toda de branco com um véu, segurando uma grinalda, de braços com o noivo. Ele alto e magro, todo num elegante terno preto. O Jipe foi se aproximando e nós vimos que não tinha mais ninguém na estrada além dos noivos. Eles vinham andando na direção do jipe de frente par nós, na beira da estrada. José diminuiu a marcha e fomos chegando, chegando, e passamos bem perto deles, eles vinham pelo lado do motorista. Quando estávamos passando, eles olharam para nós e sorriram sem dizer nada. Os rostos eram pálidos, olhos fitos em nós e um risinho leve. Um arrepio transpassou minha espinha. O jipe passou. Jose também se arrepiou , ficamos pálidos e mudos, uns 50 metros na frente jose parou. Olhamos para trás, só escuridão e poeira, José observou:
-Preta, não tem mais ninguém na estrada. Donde esses noivos apareceram?
Curioso, José manobrou o Jipe na estradinha estreita, fez a volta e focou os faróis na estrada. Esperamos a poeira sentar e... nada, nem sinal dos noivos! José deu marcha no jipe e voltou bem devagar até mais ou menos o ponto onde passamos por eles. Nada, nada!
-Vige, Preta, vamo simbora depressa! – disse.
Manobrou rápido o jipe, deu meia volta e acelerou à toda. Nunca esqueci aquela cena. Não temos explicação. O que foi aquilo? Como explicar essas coisas? José acredita que foram manifestações do maligno para dar medo na gente, ja que não cremos em fantasmas. Só pode ser isso. Mas se era para dar medo, conseguiu, pois ficamos mesmos arrepiados na hora. Já pensou, no meio do mato, naquela escuridão toda? Mas passado o susto, chegando em casa, oramos e fomos dormir tranquilos.
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(...) Embora a gente nunca fizesse alarde isso sempre causava medo, é claro, na hora, mas depois acabou virando mesmo boas histórias para contar nos alegres encontros em família, junto a outras dezenas de causos de malassombro que o povo contava e que fa parte do folclore do sertão”.
A ideia de Husserl é ir à essência das coisas. Ou, “ir às coisas mesmo”. Sem nenhum aparato ou sentido prévio. Seria um olhar sem “pré-conceito”. Ele critica a ciência positivista, porque deseja captar a verdade em “statu nascendi”, e descobrir as coisas no “princípio dos princípios”. Para ele, a lógica impede uma aproximação intuitiva que permita ao observador chegar ao cerne da questão. Aquilo que está além da própria ciência verificável e testada.
Entender esta questão, diz Husserl, exige uma mudança de perspectiva.
O desafio não é “negar o fenômeno, nem interpretar o fenômeno”, mas adentrar o mistério de tal fenômeno. Não importa o que se vê, nem como se vê. Faz-se necessário recomeçar deste o inicio.
A característica essencial da fenomenologia seria a SUBJETIVIDADE. Que assusta aqueles que estão acostumados com métodos mais rigorosos, empíricos e quantitativos da ciência. É necessário penetrar na essência do sujeito, esta seria a ciência rigorosa ou a fenomenologia.
A tese central de Husserl é que precisamos nos tornar imparciais ou simples expectadores de um jogo que nos possibilita chegar à vida intencional subjetiva.
É o conceito do Epocké, palavra grega que significa “suspensão do juízo”, e em alemão tem a ideia de “projetar-se para trás”. Buscar o sentido último. Afastar-se de todas as crenças, opiniões ou ideias que podem impedir que vejamos as coisas como de fato são.
Outro termo clássico adotado por Husserl na fenomenologia é Eidos. Seria a busca pela essência do fenômeno em questão. Tentar penetrar na natureza intrínseca do acontecimento.
A Missão e a fenomenologia
Cácio silva afirma:
“A fenomenologia é para o estudo da religião o que a linguístico é para o estudo da língua”. O objetivo é “atingir a essência da religião ou a experiência do encontro com o sagrado” (Leeuw, fenomenologista holandês)
Croatto, professor argentino de fenomenologia da religião afirma:
“A fenomenologia não estuda os fatos religiosos em si (esta é uma tarefa da história das religiões), mas sua intencionalidade (eidos, essência).
§ A pergunta do história é : Quais são os testemunhos?
§ A pergunta da fenomenologia é: O que significam?
Portanto, não interessam os fatos, mas o fenômeno.
O conceito de belo entra nesta categoria: “O que é belo?”. Se você acha que o sapo é feio, pergunte à sapa o que ela acha de sua opinião...
Ângela Bello (professora de história da filosofia em Roma), desenvolveu a ideia de “fenomenologia arqueológica”. Uma espécie de investigação regressiva que permite escavar no interior da consciência individual e coletiva até alcançar o significa real da experiência”
Fenômenos são apenas evidências. Detrás de cada experiência há uma ideia, um significado.
Na cultura popular brasileira, quanto mais você adentra o interior do pais, mais será perceptível como as pessoas simples lidam com fenômenos. Existem os famosos “causos”, a maioria relatando situações anacrônicas. Curiosamente, nestas rodas ao redor do fogão comendo batata cozida, quando um caso é relatado, seja ele macabro ou engraçado, ninguém afirma “isto é mentira”. Todos podem saber que isto se relaciona bem com o momento. Esta é a hora. Não tem relação causal, nem cientifica (não pode ser provada nem é possível de ser comprovada), nem filosófica (se é verdade ou não), é apenas um dado a ser apreciado e ouvido em silêncio e respeito. Quanto mais nos aproximamos das experiências animistas, mais evidentes isto se torna.
E onde isto se relata com missões e a fenomenologia? Ela se interessa pela essência da experiência religiosa.
Trata-se do encontro do homem com o sagrado.
Rudolfo Otto fala do sagrado como algo fascinante, e o “sentimento de estado da criatura”.
Ética e Êmica
A fenomenologia vai adentrar a visão ética e êmica., de acordo com Kennedy Pike, missionário e linguista.
A visão ética é externa (olhar de fora), inevitável e necessária. Nesta perspectiva, inexoravelmente emitimos juízos de valores.
Na visão êmica (olhando de dentro), trata-se da visão do EU em relação ao outro. Nesta visão, o missionário procura compreender como o povo entende sua manifestação cultural e religiosa: comida, ritos, símbolos e danças.
Quando não olhamos na perspectiva do outro, damos respostas equivocadas e tentamos responder àquilo que não estão perguntando. O resultado será irrelevância missionária.
Cácio Silva ilustra com caçadores da aldeia, dançando e atirando suas flechas na cabeça de um animal pendurada. O observador de fora pode indagar: trata-se de um ritual religioso pagão, no qual os nativos precisam fazer suas oferendas e danças aos deuses pagãos, ou trata-se de um treino para melhorar a pontaria?
O trabalho do antropólogo é
Olhar
Ouvir
Escrever
Desta forma se constrói o saber e se treina o olhar.
Escrever é uma forma de organizar as impressões. Quando escrevemos
ü Cristalizamos as ideias
ü Alinhamos raciocínios
ü Documentamos informações.
A religiosidade de um povo se manifesta no dia-a-dia, e não apenas em complexos rituais. As primeiras respostas não são obtidas através de perguntas verbalizadas, pontuais e objetivas, mas através das falas espontâneas. As perguntas objetivas são insuficientes.
Imagine um missionário chegando numa aldeia: como ele construirá sua percepção e compreenderá esta nova cultura?
A fenomenologia ajuda a adentrar estes segredos, mistérios, arquétipos, e assim construir uma melhor e mais eficiente estratégia de anunciar as boas novas a este diferente povo. Isto se aplica em quase todos os momentos da missiologia transcultural. Portanto, torna-se uma ferramenta indispensável para pregação do evangelho.
Assim fez Paulo ao chegar em Listra. Atos 14.
Os apóstolos precisaram lidar com os elementos de uma cultura, que adorava Mercúrio e Júpiter, deuses romanos. Como Paulo entende e lida com esta situação, na perspectiva fenomenologia? Como ele responde à tais situações?
Assim fez Paulo em Atenas - Atos 17
“Em tudo vos vejo acentuadamente religiosos (observação atenta do contexto). Porque passando e observando (olhar atento, não desprezar e registrar a realidade daquele povo) os objetos do vosso culto, encontrei um altar” (At 17.22-23).
A abordagem missionária precisa ser sensível, perceptível, intuitiva, para adentrar mistérios insondáveis e ir além das camadas superficiais e respostas imediatas que um determinado povo emite.
É isto o que busca a fenomenologia das religiões.
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