Além de todos os desafios espirituais presentes na pregação da Palavra de Deus, a obra missionária se torna ainda mais desafiadora, porque mais do que qualquer esforço na comunicação da mensagem, na pregação transcultural precisamos considerar as imensas diferenças entre a cosmovisão e cultura do mensageiro e o receptor. Culturas diferentes abrigam surpresas incalculáveis. Todo missionário que deseja comunicar o evangelho de forma eficiente precisa levar a sério o estudo da antropologia e conhecer a cultura das pessoas que irão ouvi-lo.
“Os comunicadores evangélicos frequentemente subestimam a importância dos fatores culturais na comunicação. Alguns se preocupam tanto com a preservação da pureza do evangelho e das suas formulações doutrinárias que têm sido insensíveis aos padrões de pensamento e comportamento culturais das pessoas às quais proclamam o evangelho.”[1]1 (Bruce Nicholls)
É fundamental que aquele que se sente chamado para exercer o ministério transcultural, conheça a cultura daqueles a quem são enviados. A mensagem do Evangelho precisa ser “decodificada” às pessoas que ouvem a palavra. É preciso ter sensibilidade e compreensão dos ouvintes, afinal, comunicação não é aquilo que você diz, mas aquilo que o outro entende.
Jesus demonstrava grande preocupação com seus ouvintes:
“E com muitas parábolas semelhantes lhes expunha a palavra, conforme o permitia a capacidade dos ouvintes.” (Mc 4.33)
Ele não ministrava sem considerar o receptor da mensagem, sua história, dramas, símbolos, mitos e pressupostos ao ouvir a palavra que ele trazia aos seus corações.
Ao ministrarmos a palavra de Deus em outras culturas, é fundamental a compreensão e entendimento de alguns conceitos antropológicos. Daí a necessidade de se considerar a relação entre a Bíblia e a cultura e entender alguns conceitos antropológicos.
O que é antropologia?
Antropologia pode ser definida como uma forma de conhecimento sobre a diversidade cultural, ou compreensão do que somos a partir do espelho fornecido pelo outro. Trata-se, portanto, de uma maneira de situar entre as fronteiras de vários grupos sociais e culturais abrindo janelas entre eles. Entender como diferentes grupos sociais se comportam, quais são os seus costumes (hábitos comuns aos membros de um grupo social), sua cosmovisão e cultura.
“Qual a relação entre fé e cultura? A fé deve continuamente sustentar o diálogo com todas as culturas, inclusive com aquelas que estão nascendo agora; fé e cultura devem estimular-se mutuamente; a fé purifica e enriquece a cultura, mas a cultura purifica e enriquece a fé, pois o diálogo continuo com as diversas culturas liberta a fé, permitindo-lhe mais plena expressão de si mesma e a superação dos limites, dentro dos quais uma cultura determinada poderia encerrá-la. A fé difunde sua luz sobre a vida cotidiana, sobre nosso mundo real.”
Missiólogos afirmam que é necessário levar em conta dois aspectos fundamentais.
1. Lançar mão da antropologia como ciência a partir de si mesma. Não desprezar a pesquisa, estudos e análises de pessoas que, ainda que secularizadas, são capazes de trazer compreensão sobre a realidade de determinadas etnias e culturas,
2. A partir da análise científica construir pontes de comunicação. Dr. John R. W. Stott afirma que “pregar é construir pontes”, entre a cultura do tempo em que a palavra de Deus foi escrita e a realidade que vivemos atualmente. A antropologia oferece as ferramentas de compreensão cultural, enquanto a missiologia aplica tais resultados à prática pastoral, iluminada pela teologia bíblica. Assim a cultura é aprendida e analisada, para que a comunicação do Evangelho seja teologicamente fiel e culturalmente inteligível.
Todo missionário leva consigo a cultura (padrões, normas, rituais, tradições, critérios, crenças), e por mais que se deseja ser culturalmente neutro, pregando simplesmente o Evangelho, ele transmite sua cosmovisão. Ele tende a construir sua teologia a partir das formas que ele absorveu em sua cultura de origem, e isto transparece na liturgia do culto, na tradução de materiais didáticos, nas ilustrações, e assim por diante. Dependendo da forma como o faz, o resultado pode ser uma espécie de “colonização” cultural.
Não é muito fácil criticar sua própria cultura, entretanto, transplantar modelos pode ser a causa do fracasso na comunicação, porque o que deu certo na cultura de origem, não necessariamente se torna aplicável à nova cultura na qual se pretende comunicar a mensagem de Deus. Isto muitas fases traz insucesso e descrédito.
Gildásio Reis afirma que é preciso, portanto considerar pelo menos 3 princípios para entender essa tensão dinâmica entre evangelho e culturas humanas:
1o) O Evangelho deve ser separado de todas as culturas humanas.
Ele é revelação divina e não mera expressão humana. A tendência de associarmos o cristianismo com nossa própria cultura (não importa quem ou onde) tem sido um desastre e um sério tropeço em muitas ações missionárias.
2o) O Evangelho se expressa em todas as culturas
Embora o evangelho seja diferente das culturas humanas, ele sempre dever ser expresso em formas culturais. Os homens não podem recebê-lo fora de seus idiomas, símbolos e rituais. Se as pessoas devem ouvir e crer no evangelho, ele precisa ser apresentado em formas culturais.
Todas as culturas podem servir de canal para a comunicação do evangelho – não é preciso mudar de cultura para se tornar um cristão! Isso não significa que não haja maior grau de dificuldade para se comunicar o evangelho em algumas culturas.
3o) O Evangelho propõe mudanças para todas as culturas
Assim como a vida de Cristo foi uma condenação para nossa natureza pecaminosa, assim também o Reino de Deus julga todas as culturas. Uma teologia verdadeiramente contextualizada deve não só reforçar os valores positivos (sob crivo bíblico) da cultura onde está sendo formulada, mas também deve desafiar aqueles aspectos dela que expressam o pecado e a maldade humanas.
O evangelho exerce uma função profética, mostrando o caminho que Deus planejou para vivermos como seres humanos, julgando nossas vidas e nossas culturas por essas normas. Como cristãos, devemos lutar sempre com as questões sobre o que é o evangelho e sobre o que é cultura – e qual é a relação entre eles. Não fazer isso é correr o risco de perder as verdades do evangelho.”[2]
A Antropologia Missionária busca interpretar as diferenças de culturas, de povos e de pessoas. Por isto se torna fundamental a todos que desejam fazer missões, ajudando-os a perceber as diferenças de culturas, de outros povos, ajudando-o a respeito das tradições e culturas locais para ajudar a respeitar, o outro.
Todo Missionário deve atentar, e entender a diferença entre cultura, tradição e hábito.
Hiebert afirma que a antropologia missionária é fundamental em cinco direções:
A. Faz compreender as diferentes situações transculturais;
B. Ilumina as tarefas missionárias como a tradução da Bíblia e aquisição de uma nova língua;
C. Auxilia a compreensão dos processos de conversão, incluindo a mudança social;
D. Ajuda a comunicar o evangelho de forma relevante;
E. Constrói relacionamentos interculturais criando pontes de compreensão e comunicação.[3]
A antropologia não é apenas para entender culturas de povos “exóticos”. Quando estudamos antropologia missionária, procuramos também tornar o evangelho mais compreensível e relevante para aqueles que o ouvem, inclusive na sociedade em que vivemos, quando tratamos públicos distintos, e diferentes grupos sociais. A Antropologia missionária pode ser aplicada na plantação de igrejas, discipulado, evangelismo, ações sociais, etc.
Ela nos ajuda compreender melhor o ouvinte, a quem queremos comunicar a mensagem. Muitas vezes lidamos com universitários, secularistas, ou classes pobres ou até mesmo comunidades ricas. A antropologia contribuir para nos ajudar a ver e melhor conhecer o outro; escutá-lo, conhecer seus valores e pensamento, respeitá-lo como ser humano. Ela se torna prática em muitos sentidos, principalmente quando se trata do processo da evangelização contextualizada.
Quais as contribuições da antropologia missionária?
Antropólogos e missionários não raramente entram em choque quanto à sua abordagem. Os primeiros primam por processos que promovem a pesquisa, enquanto os missionários se debruçam no desenvolvimento de relações diretas com a sociedade. Facilmente os antropólogos taxam missionários de intervencionistas tóxicos e os missionários classificam antropólogos como socialmente estéreis, já que apenas querem estudar os fenômenos culturais e não estão interessados no bem estar das pessoas.
Ronaldo Lidório[4] adverte que na relação com a cultura, é possível encontrar três aspectos a serem evitados:
Primeiro, toda ação missionária corre o risco de intervir na cultura e se tornar culturalmente dominadora. Este é o risco da imposição, quando o missionário aplica ao outro seu padrão cultural, trazendo elementos não essenciais do evangelho, como forma, liturgia, roupagens, associadas ao conteúdo. Assim ele confunde essência com acidente, histórico com revelado e temporal com o eterno. O missionário transcultural deve ter em mente que nem tudo da outra cultura é pecaminoso, mas que todas as culturas (inclusive a dele) trazem as marcas do pecado. Por isso, somente o que é pecaminoso na cultura do homem precisa ser regenerado pelo Evangelho.
Segundo, o perigo do pragmatismo. Isto acontece quando o missionário adota uma postura simplesmente prática, baseada em resultados. Ele não está interessado em real transformação da pessoa, mas em apresentar números à agência missionária que o enviou. Números, e não pessoas, tornam-se seu alvo, e assim perdem a capacidade da compreensão mais profunda da mensagem.
Terceiro, o perigo sociológico – com a postura simplesmente humanista, baseada em soluções rápidas. Ele não tem interesse pela evangelização, mas acredita que é possível humanizar sem comunicar as boas novas. Seu interesse em cuidar pode se tornar dissociado da mensagem eterna da salvação.
O Evangelho não destrói culturas
A antropologia missionária nos ajuda a entender que a cultura não é uma barreira para a evangelização. Se entendermos seus símbolos, mitos, pode até mesmo ser aliada.
Em At 13-14 encontramos “o padrão bíblico de missão”, conforme argumenta Ray Stedman, que pode ser aplicado ao testemunho cristão em qualquer tempo e em qualquer cultura, e se este padrão for seguido teremos os mesmos resultados ainda hoje. Por se tratar de princípios, e não métodos ou estratégias, são eternos e podem ser aplicados a qualquer cultura, em qualquer tempo.
Para ele, o grande problema nas missões contemporâneas é o abandono destes princípios, que quando negligenciados redundam em fracasso para a obra missionária. Por isto precisamos prestar atenção cuidadosa aos princípios encontrados nestes capítulos. Existem muitas organizações evangélicas zelosas que tem estabelecido o alvo pregar o evangelho a todo mundo nesta geração, o que é um desejo legitimo e bíblico, mas elas falham não porque falta zelo, compromisso e dedicação, mas porque ignoram os princípios bíblicos.
No capítulo 14 de Atos vemos Paulo e Barnabé ministrando em três diferentes cidades: Icônio, Listra e Derbe. Em duas delas, em meio a um grande número de conversões, se seguiram reações violentas de oposição.
“Em Icônio, Paulo e Barnabé, como de costume, foram à sinagoga judaica. Ali falaram de tal modo que veio a crer grande multidão de judeus e gentios. Mas os judeus que se tinham recusado a crer incitaram os gentios e irritaram-lhes os ânimos contra os irmãos” (At 14.1,2).
Quais são estes padrões bíblicos de missões?
Descobrir os Pontos de Contato
Paulo busca este ponto para comunicar o evangelho. “Como de costume, foram à sinagoga judaica”.
Icônio era uma cidade pagã, atualmente na Turquia e ali havia uma sinagoga judaica formada por um número significativo de judeus da diáspora, então os apóstolos ao chegarem na cidade, se dirigiram para a sinagoga por causa da identificação com a religião, cultura e língua. Eles procuraram pessoas com as quais os pontos de contatos para comunicação do evangelho pareciam estar mais presentes e facilitava a comunicação da mensagem.
Este é o primeiro princípio: comece com aquilo que faz o ouvinte identificar-se com a mensagem.
Sempre há pontos no quais poderemos contatar quando desejamos comunicar a palavra. Deus sempre deixa suas bússolas culturais em todas as tribos pagãs, que facilitam e dinamizam a pregação do Evangelho. Para uma leitura aprofundada do assunto sugerimos a leitura de “O Fator Melquisedeque”, de Don Richardson[5].
Para Richardson, Deus preparou o mundo para o evangelho: esta é a tese que Don Richardson procura demonstrar, nas páginas de seu livro:
“Uma vez por ano, os artesãos de uma tribo da Indonésia constroem um barco de madeira em miniatura e o levam à beira do rio. O chefe religioso da tribo amarra uma galinha num lado do barquinho e coloca uma lanterna acesa no outro lado. Logo em seguida, cada membro da tribo passa perto do barquinho e coloca um objeto invisível entre a galinha e a lanterna. Quando se pergunta às pessoas o que deixaram no barquinho, elas respondem: meu pecado. Depois, o chefe deixa o barquinho ser levado pela correnteza do rio, enquanto os expectadores gritam: “Estamos salvos!”
Embora esta cerimônia religiosa não salve ninguém do seu pecado, Don Richardson a vê como exemplo de uma ponte para o conhecimento do Evangelho.
Precisamos identificar aspectos que facilitem a comunicação da mensagem, mesmo que seja com um povo pagão. Quando Paulo e Barnabé pregaram, “veio a crer grande multidão de judeus e gentios” (At 14.1). Eles conseguiram encontrar este canal que os identificava e o evangelho os atingiu com enorme poder. Eles se identificaram com a mensagem e a entenderam.
Muitos missionários não fazem aquilo que Ray Bakke denomina “exegese urbana”, e o que os missiólogos chamam de “semente do verbo” ou “bússola cultural” (Don Richardson) que possibilita romper as barreiras entre o missionário e seu público. Precisamos entender a cultura daqueles a quem dirigimos a mensagem. Comunicação, como corretamente afirmam, não é o que você diz, mas o que o outro entende.
Isto é nítido nos sermões de Paulo.
Quando ele dirige sua mensagem aos “varões israelitas” (At 13.16), ele expõe o Antigo Testamento e fala da história de Israel (At 13.16-41), mas quando prega aos politeístas atenienses, ele não cita a Bíblia sequer uma vez, mas comunica o evangelho a partir da perspectiva filosófica daquele povo. Ele faz uma observação empírica daquilo que ele presencia, e a partir das suas conclusões, prega o Evangelho (At 17.16-34). Da mesma forma, ele emprega este recurso neste texto. Ao invés de citar Moisés, desconhecido para aquele público pagão, ele começa seu discurso falando da criação e do Criador.
De acordo com a Associação de Missões Transculturais Brasileiras (AMTB) o Brasil possui 15 mil missionários transculturais espalhados no mundo, desde os povos minoritários brasileiros até as nações de mais difícil acesso, com um alto índice de missionários com nível de escolaridade até o ensino médio: 30,2%; Baixo índice em treinamentos linguístico (27,6%) e antropológico (39,4%) oferecidos pelas organizações, e todos estes dados são muito preocupantes.
A preocupação encontra-se no fato de que a maioria dos missionários não se preocupou em refletir sobre as diferenças culturais que poderão se tornar verdadeiros empecilhos na comunicação da mensagem. Tome-se dois exemplos simples:
Paul Long, no seu livro “O Homem do chapéu de couro” (Casa de Cultura Cristã, São Paulo, 1984), narra a difícil situação que enfrentou no Congo, ao manter contato com a tribo dos pigmeus, que quando querem expressar seu apreço e amizade ofereciam sua esposa para dormir com o visitante. Como responder sem ofender a cultura? O chefe da tribo afirmou que se ele recusasse, o seu Deus o mataria. O Rev. Long teve graça de Deus dizendo: “Se eu aceitar, o meu Deus me mata”. E sua resposta, felizmente, foi aceita.
O que fazer quando você vai pregar o evangelho a um povo, que considera Judas Iscariotes o herói, porque na sua cultura, o traidor é o mais esperto e deve ser admirado? Entre os sawis, uma tribo de canibais caçadores de cabeças, a tradição era mais que uma filosofia de vida. Constituía-se num “ideal que um sem número de gerações passadas haviam concebido, organizado e aprimorado”. “Cevar com amizade”, para depois assassinar a vítima, era para eles a mais elevada forma de traição. Que tipo de impacto poderia o evangelho causar sobre um povo que veneraria Judas como um símbolo de masculinidade e consideraria o beijo da traição como a expressão suprema da deslealdade? (O Totem da Paz, Don Richardson, Venda Nova-MG, Ed. Betânia, 1977).
A comunicação eficaz do evangelho se dá quando é possível descobrir os pontos de contato. Em Listra, Paulo procura comunicar a partir da cosmovisão do povo. Isto é surpreendente!
Identificação do público com a mensagem
Como falamos acima, o evangelho precisa ser anunciado de forma que os ouvintes possam identificar-se com a mensagem e compreendê-la. Jesus usava constantemente esta estratégia. Ele pregava “conforme permitia a capacidade de seus ouvintes” (Mc 4.33). Ele levava em consideração quem o ouvia. Muitos obreiros ignoram, desconhecem ou não sabem lidar com esta variável.
Neste texto encontramos o padrão para comunicar a mensagem a pessoas não religiosas. Se você quer comunicar a pessoas que não mostram interesse em coisas espirituais, nem interesse na igreja e nada sabem da Bíblia, você precisa comunicar a partir da natureza. Quando Paulo prega aos judeus ele começa pelas Escrituras, mas quando fala aos gentios, ele começa pela natureza, a verdade de Deus que eles já conhecem e isto estabelece uma linha de diálogo com pessoas secularizadas e não religiosas.
Quando Paulo deseja tornar a mensagem acessível para seus ouvintes, ele fala a partir de sua cosmovisão. A natureza, e não as Sagradas Escrituras, é o ponto de contato que ele encontra para dialogar com aquela cultura pagã. As pessoas precisam ouvir a Palavra, mas a forma como ele dialoga é a partir da compreensão que eles tem do mundo.
A Antropologia nos ajuda a entender o contexto, para que saibamos das perguntas e crises, ou seja, como o ser humano naquele ambiente vivencia a angústia primal da humanidade, produzida pelo pecado, como a solidão, a falta de sentido, opressões religiosas por causa do paganismo, superstições e obras malignas, e, a partir dai, apresentar o Evangelho que consola, confronta e transforma o homem, bem como sua cultura.
Formação de liderança indígena (local)
“E, promovendo-lhes, em cada igreja, a eleição de presbíteros, depois de orar com jejuns, os encomendaram ao Senhor, em quem haviam crido” (At 14.23).
Uma obra missionária se estabelece num contexto transcultural, quando atinge a população indígena, isto é, quando líderes locais, nativos, surgem na igreja. Enquanto a liderança estiver nas mãos dos “estrangeiros”, não se pode dizer que a semente está verdadeiramente plantada e a igreja estabelecida. Por isto, quanto antes, os missionários tirarem seu dedo, mais facilmente a igreja florescerá.
Os apóstolos rapidamente elegiam os presbíteros nas igrejas por onde passavam. o oficio do presbítero equivale ao ministério pastoral. A clássica divisão que Calvino fez entre presbíteros regentes e docentes, pode esvaziar a função do presbiterato, que era focado na questão da supervisão e do ensino teológico da igreja. Biblicamente, o presbítero é um pastor. Quando Paulo fala aos presbíteros de Éfeso ele afirma: “Atendei por vós, e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes, a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue” (At 20.28)
Para que não surjam imprevistos nem surpresas, que uma cultura distinta pode trazer, é fundamental que os missionários visitam novamente o campo para “fortalecer a alma dos discípulos e exortá-los a permanecer firmes na fé” como fizeram Paulo e Barnabé (At 14.22). é necessário, informar, formar e supervisionar. Elementos culturais podem implodir a obra missionária. Isto quase aconteceu em Atos 15 quando os fariseus convertidos queriam impor a circuncisão aos novos convertidos.
Estes princípios missiológicos, são alguns dos muitos que podemos encontrar no Livro de Atos. Fazemos bem quando abrimos as Escrituras e aprendemos destes homens que se tornam referência e modelo para a ação missionária em nossos dias.
Implicações das Diferenças Culturais em Missões.
Certamente as diferenças culturais são importantes para um missionário ao lidar com o choque cultural, apreender aspectos sociais e aprender a superar os mal-entendidos, e traduzir a sua mensagem de modo que ela seja entendida na linguagem e cultura locais.
A Antropologia Missionária torna-se uma ferramenta útil, para nos ajudar a compreender o homem e seu universo social, suas atitudes e crenças, e assim, anunciar o Evangelho com mais eficácia.
Lidório usa um exemplo que nos ajuda a entender esta questão: suponha que você está em uma tribo canibal, onde os pais acertam o casamento de seus filhos quando ainda são crianças. Ambos os aspectos fazem parte da cultura da tribo. Qual aspecto necessita de regeneração? Claro que é o canibalismo, pois é pecado condenado por Deus. Já a forma como é arranjado o casamento faz parte da cultura, e por mais que nós ocidentais e condenemos a Bíblia não impõe restrições a esta prática. Que dizer a respeito da forma pelo qual Abraão arrumou uma esposa para o seu filho Isaque?
Três perguntas principais devem ser feitas:
-Como é a dinâmica social desta sociedade? Isto engloba comida, crenças, relações familiares, valores, etc.
-O que está por detrás dos atos e intenções? Isto tem a ver com a cosmovisão. Quais são as normas subjacentes e profundas que determinam a conduta dos membros desta sociedade?
-Como tais valores são preservados? Determinados valores estão associados a status e tabus ou até mesmo padrões de beleza, como por exemplo, pés pequenos na cultura nipônica, e pescoços longos como podemos ver no Tibet.
Lidório afirma: “Ainda que haja muita controvérsia a respeito da Antropologia Aplicada, é indiscutível a tendência mundial instrumentalista, cada vez mais forte, de utilizar a Antropologia como área de conhecimento humano aplicada às soluções dos problemas sociais. A Antropologia Aplicada é reconhecida como a união entre conhecimento e a ação, a pesquisa e a atividade. A Antropologia Missionária pode ser vista, portanto, como a Antropologia aplicada às pesquisas e ações missionárias. (LIDÓRIO, 2011:30).
Utilizando todos os meios para ganhar alguns…
Paulo afirma que se fez de fraco para ganhar os fracos ... tudo para todos, para por todos os meios chegar a salvar alguns ... (1 Co 9.19-27). Isto se chama adaptação cultural e da mensagem. Paulo não era hipócrita, ele apenas buscava se identificar com seus ouvites. É o esforço para se adaptar. Não impondo sistemas importados para seus ouvintes. A luta de Paulo contra a incircuncisao revela como ele queria se desvencilhar dos aspectos desnecessários da cultura judaica para que a mensagem mais facilmente se adequasse aos gentios.
Missões implicam num encontro de culturas, que possa gerar intercâmbio criativo. As culturas não são superiores nem inferiores, são diferentes.
Inculturação
A inculturação é, pois, um processo ligado diretamente à missão de evangelizar. Trata-se de uma ferramenta básica e indispensável para a Missão, com um longo processo de aproximação entre as culturas, em suas mais variadas formas de vida, costumes, crenças, práticas religiosas, idiomas e culinária. Inculturação envolve uma inserção na vivência do outro, fazendo-se irmão com o outro. A humildade e a proximidade ao povo são necessárias para aprender a sua língua e conhecer seus costumes, suas problemáticas, sua maneira de entender a realidade histórica e social. Isto não se realiza em poucos dias; leva tempo e depende da sensibilidade e dos limites do próprio missionário. Ainda assim, nunca chegaremos a uma inculturação total e completa, porque cada um de nós leva sempre consigo sua herança cultural.
Esta é a tarefa da evangelização. Este é o modelo de Cristo. Este também foi o método da igreja primitiva. Ao olharmos para Cristo, entendemos seu amor pela humanidade, sua inserção cultural, caminhando na história como o primeiro missionário. Totalmente desvestido de sua glória celestial. Perfeitamente identificado com a raça humana, sensível às dores e angustias da alma humana.
[1] NICHOLLS, Bruce. Contextualização: Uma teologia do Evangelho e Cultura. São Paulo, SP: Edições Vida Nova. 1983. p. 8
[3] HIEBERT, Paul G. O Evangelho e a Diversidade das Culturas: Um Guia de Antropologia Missionária. São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 15-16).
[4] LIDORIO, R. Introdução à Antropologia Missionária. São Paulo: Edições Vida Nova, 2001.
_____. Comunicação e Cultura. São Paulo: Edições Vida Nova, 2014.
[5] “O Fator Melquisedeque”, de Don Richardson, São Paulo, Edit Vida Nova, 1998
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