terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Jó 1.21 Como glorificar a Deus no sofrimento?







Introdução:

O sofrimento pode enlouquecer.

Pessoas expostas a situações de grande stress e dores intensas podem perder o equilíbrio mental. O sofrimento pode levar o homem a xingar, exasperar, blasfemar, maldizer a Deus e a vida. O conhecido humorista Millor Fernandes, filho de um espanhol e uma descendente de italianos, perdeu os pais quando tinha 10 anos, ficando ele e os 4 irmãos órfãos vivendo com parentes. Diante da solidão e do luto, anotou na sua autobiografia: “Sozinho no mundo, tive a sensação da injustiça da vida e conclui que Deus, em absoluto, não existia”.

No livro de Jó encontramos pelo menos três modelos de pessoas diante de Deus: Sua mulher, seus amigos e o próprio Jó. Todos interpretando Deus de um jeito ou de outro.

Os amigos de Jó querem teologizar.

Eles fazem a “hermenêutica de Deus” e com isto passam também a fazer teologia com a dor do outro, redundando em aberrações teológicas e trazendo sobre eles juízo (Jó 42.7-9). Suas orações deixam de ter valor aos olhos de Deus. Além de acrescentar dor ao já ferido coração de Jó. Lidar com perdas, dores e lutos já é um processo dolorido, mas com uma teologia equivocada, o problema se torna superdimensionado.

Conheci uma mulher que se divorciou, casando-se em seguida com outra pessoa. Logo depois se engravidou e a criança nasceu com uma disfunção neuromuscular. Uma pessoa veio visitá-la, com requintes de crueldade e falsa espiritualidade disse que a criança nascera doente por causa do pecado que ela havia cometido. Que diferença de interpretação esta profetisa e Jesus. “Os seus discípulos lhe perguntaram: Mestre, quem pecou, este ou seus pais para que nascesse cego? Respondeu Jesus: Nem ele pecou, nem seus pais; mas foi para que se manifestem nele as obras de Deus” (Jó 9.2-3). Como a falsa teologia pode acrescentar dor à dor...

A teologia que quer explicar tudo, ou tenta justificar a Deus é sempre um fracasso. Deus é misterioso e incompreensível, e muitas vezes não somos capazes de entender seus desígnios, mas não precisa de ser defendido por nós. Deus é Deus. Se as pessoas crerem ele é Deus, se não crerem, ele continua sendo Deus. "Os dons e vocação de Deus são irrevogáveis". Por isto, diante do mistério e da dor, o silêncio contemplativo pode nos ajudar mais que a resposta que tentamos dar às situações complexas que a vida nos oferece.

A mulher de Jó blasfema e apostata da fé.

A dor descompensou a mulher de Jó.
Quando ela percebeu o mundo ruindo aos seus pés, vendo seu marido naquele estado fetal, sentado em cinza, com um caco para raspar-se por causa da irritação de sua pele ela afirmou: “Ainda conservas a tua integridade? Amaldiçoa a Deus e morre. Mas ele respondeu: Falas como qualquer doida; temos recebido o bem de Deus e não receberíamos também o mal? Em tudo isto não pecou Jó com os seus lábios” (Jó 1.9-10).

O salmista Asafe, também reagiu da mesma forma numa de suas crises depressivas. Diante de Deus ele fez uma série de conjecturas: “Rejeita o Senhor para sempre? Acaso, não torna a ser propício? Cessou perpetuamente a sua graça? Caducou a sua promessa para todas as gerações? Esqueceu-se de ser benigno? Ou, na sua ira, terá ele reprimido suas misericórdias?” Depois de todas estas inquietantes perguntas conclui: “Isto é a minha aflição; mudou-se a destra do Altíssimo” (Sl 77.7-10). Ele entra numa linha de ceticismo e cinismo, mas finalmente percebe que suas questões apontavam para a intensidade de sua dor, e não realmente para o caráter de Deus. Sua aflição o levara a uma leitura equivocada de Deus.

Dores, aflições e angústias são capazes de desencadear mecanismos que distorcem a realidade da situação e de quem é Deus, foi isto que acontecer à mulher de Jó.

Jó transforma a dor em adoração.

Quando o caos transtornou sua história, toda sua segurança foi abalada e seu universo simbólico desorganizado: bens, amigos, reputação, família, saúde; mesmo assim, Jó conseguiu olhar para Deus e glorificá-lo. Ele transformou sua dor em ato de louvor:

“Então, Jó se levantou, rasgou o seu manto, rapou a cabeça e
lançou-se em terra e adorou”(Jó 1.20).

Ele correu para o único lugar do mundo onde algum sentido poderia ser encontrado – em Deus.
“E disse: Nú sai do centre de minha mae, e nu voltarei;
o Senhor o deu, o Senhor o tomou, bendito seja o nome do Senhor”
(Jó 1.21)

Como Jó conseguiu fazer isto?

1. Tirou os olhos do caos e os colocou em Deus – “Lançou-se em terra, e o adorou” (Jó 1.20)

Esta é a mesma atitude que encontramos em Jeremias diante do caos iminente: “Quero trazer à memória, o que me pode dar esperança. As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim, renovam-se cada manhã”. (Jr 3.23-24). Se nosso foco é a dor em si, não manteremos a saúde emocional e espiritual. Eventualmente o sofrimento é tão grande que não seremos capazes de elaborar a perda. Por isto, precisamos colocar o nosso olhar em Deus e não na força do vento, como fez Pedro. Ao tirar os olhos do maravilhoso Jesus que andava sobre as águas, começou a submergir.

Uma velha música americana diz assim:


Vivendo aqui neste velho mundo cheio de pecado,
onde não é fácil encontrar conforto e enfrentando sozinho as tentações
você pode me dizer: Onde poderia ir senão para o Senhor?
Buscando refúgio para minha alma, precisando de um amigo para me socorrer
Você pode me dizer: Onde poderia ir senão para o Senhor?
A vida aqui é tão boa, com amigos que são tão queridos,
E eu encontro conforto na Palavra de Deus
Mas quando enfrento a mão gelada da morte
Você pode me dizer: Onde eu poderia ir, senão para o Senhor?

Quando as forças do mal, adversidades, luto e a morte nos atingem, para onde iremos? A fé nos capacita a pairar acima das situações. Posso não entender, posso questionar, sofrer, mas não preciso blasfemar. “Em tudo isto Jó não pecou nem atribuiu a Deus falta alguma” (Jó 1.22). Sua dor era real e profunda, mas ele conseguiu firmar o seu coração num local seguro.

Esta é a diferença do homem de Deus e daquele que não tem Deus como referência de sua história. O homem de Deus possui uma capacidade especial de discernir o que está além da própria história, dos fatos, eventos e até mesmo do caos.

Por isto a Bíblia afirma que “Abraão, esperando contra a esperança, creu para vir a ser pai de muitas nações, segundo lhe fora dito”(Rm 4.18).

Abraão não crê porque as circunstâncias eram favoráveis, mas a despeito delas, e quando tudo parecia dizer o contrário, ele firmou o seu coração nas promessas de Deus. Esta é a fé cristã, muitas vezes frágil, eventualmente ambígua e dialética, mas que “espera contra a esperança”, capaz de discernir ordem no caos, luz nas trevas, sentido na confusão, direção na desordem. Para que isto se dê, precisamos tirar os olhos da força do vento e ver o Deus que anda sobre as turbulentas águas do Mar da Galiléia.

2. Jó reconheceu que Deus tem todo direito de ser Deus“O Senhor o deu, o Senhor o tomou, bendito seja o nome do Senhor” (Jó 1.21).

A raça humana tem muita crise com a prerrogativa de Deus ser Deus. Não queremos nos subordinar à sua soberania. Brigamos com Deus porque não admitimos que Ele seja Deus, isto é, que exerça a função de decidir, conduzir e governar a história. Queremos ser ovelhas de Cristo, mas sem depender do pastor. É a luta adâmica de querer construir a vida à margem de Deus, por causa de nossa suspeita sobre seu caráter.

O Sl 23.1 afirma: “O Senhor é meu pastor e nada me faltará”. Entretanto, não queremos ser ovelhas. Queremos agir com independência e autonomia. Jó reconhece que se Deus “resolveu alguma coisa, quem o pode dissuadir? O que ele deseja, isso fará” (Jó 23.13). Ele é Deus!

Jó estava absolutamente certo de que Deus tinha absoluto controle sobre tudo e todos. O capitulo 12 demonstra esta soberania de Deus que é presente em toda Bíblia: “Na sua mão está a alma de todo ser vivente, e o Espírito de todo gênero humano”(Jó 12.10). “O que ele deitar abaixo não se reedificará, lança na prisão e ninguém a pode abrir”(Jó 12.14). Jó carregava a compreensão da soberania de Deus e se rendia a ele, embora muitas vezes fizesse isto com luta.

Certa pessoa ímpia declarou: “Detesto esta mania de Deus ser Deus”.
Ao ouvir esta frase considerei que, na verdade, só existe um ser que pode ter esta prerrogativa – o próprio Deus. Só ele pode reivindicar sua divindade. Jó sabia que foi Deus quem deu, e Deus quem tomou, e por isto ele deveria ser glorificado. Tudo estava confuso na sua história pessoal, mas “it’s well with my soul”, (Está tudo bem com minha alma), como é originalmente a letra da musica que em português foi traduzida como “sou feliz com Jesus”.

3. Jó entende que adoração não tem a ver com circunstâncias favoráveis ou não, mas com a compreensão da natureza intrínseca de quem Deus é. “Bendito seja o nome do Senhor” (Jó 1.21). Deus não é adorado porque a situação é positiva, mas por causa de Deus em si mesmo.

Paulo afirma: “Em tudo dai graças, porque esta é a vontade de Deus em Cristo Jesus para convosco” (1 Ts 5.18). Esta não é uma ordem um tanto esdrúxula: Em tudo dai graças?

Como agradecer e adorar se a situação é adversa? Se as coisas não vão bem?
Já pararam para refletir que o texto não diz: "Dê graças por tudo", mas "dê graça em tudo?". A Bíblia não está dizendo que você deve estar feliz com a dor em si, e nem precisa dizer: "Aleluia, estou com câncer". O texto nos encoraja a olhar para o sofrimento e dizer: "Deus, apesar de estar tudo tão difícil, eu sei que o Senhor me ama, e que Tú tens propósito de bondade para minha vida, e por isto quero te dar graças. Não somos ensinados a dar graça pela dor em si, mas agradecer a Deus a despeito da dor, e ter atitude de adoração quando enfrentamos situações semelhantes.

Quantas vezes já vimos pessoas que amam verdadeiramente a Deus, agindo assim. No meio do sofrimento, glorificando e exaltando a Deus. Dando louvores ao seu nome, apesar de não estarem felizes com a doença crônica que enfrentam ou com a tragédia com a qual tiveram que se deparar.

Jó rasga suas roupas, raspa a cabeça, lança-se na terra e adora o Deus que estava ali. Ele sabia disto. Estava doendo e era pesado, mas ainda assim Deus merecia ser louvado porque é santo, soberano e bom. Foi isto que Deus afirmou para seu povo quando estava sendo exilado para Babilônia: “Eu é que sei que pensamentos tenho a vosso respeito. Pensamentos de bem e não de mal, para vos dar o fim que desejais” (Jr 29.11). Jó coloca a boca no pó, rasga suas vestes, e exalta o Deus de sua vida.

Esta é a fé do “ainda que”, encontrada no livro de Habacuque:

“Ainda que a figueira não floresça, não haja fruto na vide, ainda que o fruto da oliveira mente, os campos não produzam mantimento, as ovelhas sejam arrebatadas do aprisco, nos currais não haja gado, eu, todavia, me alegrarei no Senhor, e exulto no Deus da minha salvação”
(Hb 3.17-18). 

O profeta não estava feliz com a situação, mas encontrava motivos para louvores em Deus.

Conclusão:

Não é fácil glorificar a Deus na perda, na enfermidade, na angústia e no sofrimento. Jó conseguiu.

Jó tirou os olhos do caos e os colocou em Deus. Ele reconheceu que Deus tinha o direito de ser Deus na sua vida e que sua adoração não estava relacionada às circunstâncias favoráveis, mas no reconhecimento do caráter de Deus, por saber quem Deus era.

Não é isto que aprendemos quando olhamos para o Evangelho? Já perceberam que a cruz é contracultural e descontrucionista? A cruz é o lugar de dor, da maldição, da condenação. Mas quando olhamos para Jesus o que vemos? Enfrentamento com fé. Um olhar que transcende a situação de horror no Calvário. Jesus glorifica a Deus! Ele perdoa seus algozes. Porquê?

Ao agir como agiu, Jesus tinha seus olhos colocados em Deus. Sua morte não era mera morte, sua dor não era mera dor. A cruz nos revela o amor de um Deus, presente no sofrimento. Apesar do brado de Jesus, "Meu Deus, meu Deus, porque me desamparaste", Deus sempre esteve com Cristo. Este brado reflete o fato de que Deus estava colocando toda condenação e culpa que era nossa sobre seu Filho, e o horror do pecado recai sobre Cristo. Em nenhum momento Deus esteve tão presente como na cruz. Na cruz, Deus estava reconciliando consigo mesmo o mundo rebelde, pecador, distante, e formando um povo através de um pacto de sangue. Jesus estava nos substituindo, e pelas suas pisaduras fomos sarados.

A cruz faz a hermenêutica da história. A cruz nos ajuda a adentrar um pouco o mistério do sofrimento. A cruz nos faz perceber que por mais cruel que seja, a dor não é desproposital, e nem o sofrimento é mero sofrimento.

Que Deus nos dê a graça de o glorificarmos, “ainda que”, e mesmo diante das notícias mais assustadoras, colocar a boca no pó em silêncio, mas adorá-lo reverentemente.

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2 comentários:

  1. A paz Pr.Samuel. Deus o abençoe! Irei colocar o link desse texto no meu blog para que as pessoas que me visitarem possam ler. Att. Ana (Meu Blog é http://paixaoana.blogspot.com.br/)

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  2. Ótimo estudo, realmente o q qro na minha vida em um nome de dor... Ajudou mto essas palavras.

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