sábado, 24 de outubro de 2020

Ester 1.10-13 Fazendo hermenêutica do tempo




  

Introdução:

 

Em 1 Crônicas 12.32, quando Davi estava formando o seu staff, nomeando as pessoas para os cargos do governo, ele contratou 200 funcionários (e alguns subordinados a eles), da tribo de Issacar. Ele deu cargos e salários a todos eles, de uma só vez, porque eles tinham uma característica interessante “Dos filhos de Issacar, conhecedores da época, para saberem o que Israel devia fazer”. 

 

Aqueles jovens tinham uma formação intelectual excelente e eram atilados com a situação politica e econômica do país. Curiosamente, na Bíblia não há menções especiais desta quase esquecida tribo, mas nos dias de Davi, surgiu ali uma geração que chamou a atenção. Ah! Como gostaria de ver surgir na igreja brasileira, uma geração de gente de cabeça boa, comprometida com o reino, boa e sólida formação intelectual, que pudesse imiscuir na mídia, nas universidades, na formação intelectual do nosso Brasil. 

 

Se os filhos de Issacar tivessem vivido em nossos dias, diríamos que eles eram experts em mercado financeiro, diplomacia, liderança, mídia social, offshore, TI, e tinham noção claro de commodities, tendência e influencia social.

 

Por conhecerem o seu tempo, os filhos se Issacar também sabiam o que Israel devia fazer. É natural! Leituras corretas da história nos levam a práticas corretas. Quem interpreta bem seu tempo é homem (mulher) de visão, e por isto, se antecipa às oportunidades e se destaca. 

 

A mesma ideia acontece no texto que lemos. O rei Assuero estava na província de Susã fazendo uma festa para seus maiorais. Sua proposta: Uma festa de 180 dias (seis meses). Não era como as festas de aniversários que fazemos hoje e os churrascos que duram 3-5 horas. Era uma festa longa. Este rei é chamado na história de Xerxes, tendo governando o Império Persa de 486 a 465 a.C. A província de Susã é localizada no Sudoeste do Irã e era a capital de inverno da Pérsia. Todos sabemos o que aconteceu. A rainha Vasti teve um arroubo feminista, e disse que não iria atender ao chamado do rei que queria exibir sua beleza e assim afrontou o rei, que tomou uma decisão radical depois de ouvir os seus conselheiros: Ele a baniu da sua posição de rainha e nunca mais pode comparecer na presença da corte. 

 

A quem o rei ouviu?

Ele ouviu os seus conselheiros, chamados de sábios, “que entendiam o tempo” (Et 1.13). Um dos grandes desafios que temos na vida é entender o que está acontecendo em nosso tempo. Fazer leituras corretas. Ray Bakke afirma que para responder ao desafio das cidades, precisamos fazer uma exegese urbana. Creio que, se quisermos, como indivíduos e como igreja, entender o que acontece em nossos dias, precisamos de uma hermenêutica da história.

 

No livro do profeta Isaias lemos o seguinte: “Sentença contra Dumá. Gritam-me de Seir: Guarda, a que horas estamos da noite? Guarda, a que horas?” (Is 21.11). Eles também estavam entendendo que tempo era aquele que estavam vivendo. Certamente eram dias de perplexidade, mas como interpretar este momento da história?

 

Olhando o que temos vivido, ficamos nos indagando sobre este tempo. Qual o significado de um vírus que consegue paralisar comércio, escolas, países inteiros e até mesmo fechar templos? Qual o significado de tudo isto? Qual a hermenêutica que podemos fazer deste tempo, à luz da Palavra de Deus? 

 

Gostaria de dar quatro pistas de interpretação.

 

1.     Interprete este tempo para redirecionar seu coração.

 

Quando Deus desorganiza nossa história, precisamos discernir seus propósitos. Isto nem sempre é fácil. Uma enfermidade, uma demissão, um projeto não concretizado. Se as circunstâncias são desfavoráveis e causam uma ruptura, precisamos reorganizar propósitos e a mente. 

 

O que podemos aprender sobre nós mesmos em dias difíceis? Nestas horas observamos atitudes e reações que nem sempre são as mais saudáveis ou cristãs. Situações desfavoráveis testam a nossa fé. Levam-nos a considerar o que realmente cremos e a confiança que temos em Deus. 

 

Todas as vezes que somos desestruturados, podem ser uma grande oportunidade para olharmos para outros ângulos, enxergar novas possibilidades, considerar novos rumos até então desconhecidos. Portanto, olhe para este tempo buscando redirecionar seu coração. 

 

Tive que fazer um enorme esforço pessoal nesta pandemia. A forma de fazer as coisas simplesmente não podiam ser mais realizadas. Eu era um profeta sem voz e um pastor sem rebanho, já que não podia me aproximar fisicamente das ovelhas. Então, era necessário me reinventar. Creio que muitos de vocês, que tiveram as rotinas alteradas, experimentaram as mesmas crises. O que farei agora? Como farei agora?

 

Olhe este tempo para redirecionar seu coração. Deus pode estar te levando a perceber as coisas com nova configuração e modelo. É preciso aprender neste tempo.

 

2.     Interprete este tempo com uma compreensão mais clara da natureza da igreja. 

 

Logo que a pandemia surgiu e os templos tiveram que ser fechados, e não havia a possibilidade de realizar cultos presenciais, veio a pergunta: O que acontecerá agora? Como a igreja de Cristo vai sobreviver.

 

Certo dia minha esposa percebeu que eu estava inquieto com estas questões, e despretensiosamente ela me bateu nos ombros e disse: “Está esquecendo que a igreja é de Jesus?” Bem, eu estou cansado de dizer isto. Prego que “quem tem a noiva é o noivo”, que “é Jesus quem edifica a igreja”, que “as portas do inferno não prevalecerão contra ela”, mas agora eu precisava, de fato, internalizar esta grande verdade: A Igreja é de Cristo. Ele prometeu que a edificaria. Ele tem um compromisso com sua igreja na história. Eu preciso descansar na sua direção. 

 

Depois de tanto tempo com a situação apenas parcialmente resolvida, fica a pergunta: “como a igreja sobreviveu até agora?” Bem... a igreja sobreviveu muito bem. Os ministérios trabalharam, a equipe pastoral revelou coisas surpreendentes, durante um bom tempo vimos pregadores leigos nos trazendo mensagens edificantes, o pastor Lucas edificando a igreja com mensagens abençoadoras e profundas. Deus levantou uma equipe de gravação que tem se esmerado durante todo este tempo. Suscitou músicos. A Junta Diaconal com seu belíssimo trabalho, o conselho supervisionando a igreja. A igreja honrou todos os seus compromissos financeiros, a contribuição da igreja não sofreu grandes problemas, Deus nos abençoou. A igreja é de Cristo!!!

 

Porque de Deus somos cooperadores, lavoura de Deus, edifício de Deus sois vós” (1 Co 3.9)portanto, precisamos ter uma compreensão mais clara sobre a natureza da igreja de Cristo.

 

3.     Interprete este tempo com uma compreensão da meta-história. 

 

O que quero dizer com meta-história? 

Existe uma história detrás e acima da história que conhecemos.

 

Os eventos cotidianos, humanos e políticos estão se desenrolando dentro de uma normalidade, dentro deste escopo visível e histórico. Mas acima destes eventos humanos, existe intencionalidade divina, propósito e direção. Deus está conduzindo a história para o desfecho que ele mesmo quer, e não poder político que possa impedir a força desta meta-história.

 

O que Deus está fazendo nestes tempos. Corremos dois riscos de interpretação: primeiro, nostalgia; segundo, Medo. A nostalgia te leva a olhar para o passado e ficar preso nele. O medo tem a ver com a ansiedade e insegurança do que virá no futuro. Quando entendemos que está TUDO SOB CONTROLE, que há uma direção sábia, há um governo eterno, nosso coração descansa. Somos portanto, chamados por Deus para interpretar este tempo à luz da sua Palavra. 

 

O livro de Apocalipse fala de pragas, pandemias, tragédias, fomes, mortes. Deus estava descortinando seu plano para o apóstolo João. O termo Apocalipse vem do grego e significa revelação. Na Bíblia inglesa este é traduzido como Revelation. Podemos dividir de forma rápida em quatro blocos, que dão a João, e a nós, uma compreensão desta história por trás da história.

 

A.   Capítulos 1-3: É uma convocação de Cristo às suas igrejas para resistir à idolatria e as pressões das culturas humans.

 

Algumas destas igrejas estavam na geografia do diabo, como Pérgamo, uma cdiade tão danificada espiritualmente que Jesus afirma que nela estava o trono de Satanás. (Ap 1.13). Laodiceia, uma cidade rica, opulenta, cuja cultura estava afetando fortemente a igreja que entrou num estágio de mornidão. Os problemas estavam dentro e fora da igreja. Jesus convoca sua igreja para ouvir o que o Espírito dizia às igrejas. A frase: “Quem tem ouvidos ouça o que o Espírito diz às igrejas” aparece na exortação para todas as sete igrejas, sem exceção. 

 

B.    Capítulos 4-5: Nos deparamos com a visão da Sala do trono, e do altar. A primeira percepção, magnifica visão de João, é de um trono, “e no trono, alguém sentado” (Ap 4.2).

 

O trono não está vazio. Há governo, direção, comando. Deus governa. E no capítulo 5, o que vemos? O Cordeiro vencedor, abrindo o livro da história, que estava selado com sete selos. “O Leão da tribo de Judá, a Raiz de Davi, venceu para abrir o livro e os seus sete selos”. Outra visão maravilhosa.

 

C.    Capítulos 6-15: Nestes capítulos encontramos o que chamamos de um tempo entre as duas vindas. Jesus já não está entre nós fisicamente, e ele ainda não voltou para seu governo eterno. 

 

Este é o tempo em que vivemos. Entre dois tempos. Jesus já veio, e Jesus voltará. A vitória de Cristo é narrada aqui em todos os momentos, e sua vitória está incorporada à história e a igreja está dando testemunho de sua fé diante das forças do dragão, das bestas e do Anti-Cristo. 

 

Este é o tempo que estamos vivendo, desde que Jesus retornou aos céus. Parafraseando o Dr. Joe Wilding: “Eu só quero ver como Deus vai sair desta?”

 

D.   Capítulos 16-21: Nestas narrativas, temos a vitória completada pelo julgamento e a nova criação sendo estabelecida. “Vi novo céu e a nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe” (Jo 21.1)

 

Quando olhamos mais cuidadosamente o capítulo 6 de Apocalipse, vemos ali a descrição de quatro (ou cinco) grandes forças da história. São os cavalos de cores variadas, e a oração dos mártires. 

 

Estes quatro cavalos representam as forças da história. 

 

 

Cavalo Branco

 (A força da paz, a força de Cristo) 

saiu vencendo e para vencer” (Ap 6.2). 

Não há oportunidade dele ser derrotado ou fracassar.

 

Cavalo vermelho

(Guerra, espada) 

As guerras sempre exerceram forte poder de transformação da história, mudando geografia, destruindo culturas e subjugando impérios). Grande força da história.

 

Cavalo preto

 (Economia) 

representado ali pelo comércio, medidas, balança na mão. A transferência de bens, venda de produtos, determinam historicamente a vida e a morte de pessoas. Países pobres são subjugados, passam fome e miséria. É o poder da balança, da economia.

 

Cavalo amarelo (pestes)

Seu cavaleiro é chamado Morte. 

Uma pandemia tem o poder de matar milhares de pessoas.

 

Peste negra (1333-1351): exterminou 50 milhões de pessoas na Europa e na Ásia.

Cólera (1817-1824): Matou milhares de pessoas no mundo. Segundo a OMS, ainda hoje, 100 a 120 mil pessoas morrem todos os anos devido a doença.

Tuberculose: (1850-1950): Cerca de 1 bilhão de mortos.

Varíola: (1896-1980): 300 milhões de pessoas.

Gripe Espanhola: (1918-1919): 20 milhões de mortos.

Tifo: (1918-1922): 3 milhões de mortos na Europa Oriental e na Rússia

Sarampo: 6 milhões de mortos até 1963

Malária: 3 milhões de mortos por ano. Desde 1980.

Aids: 200 milhões de mortos desde 1981

 

Quando lemos Apocalipse 6, que descreve estas poderosas forças que se movimentam de forma concreta na história, somos levados ainda a pensar em outra forca que o texto descreve: trata-se do quinto selo, que descreve o clamor e as orações feitas pelos mártires na história. Estas orações não se perderam no tempo. Elas ainda estão diante de Deus dizendo: “Até quando, ó Soberano Senhor, santo e verdadeiro, não julgas, nem vingas o nosso sangue dos que habitam sobre a terra?” (Ap 6.10). 

 

O livro de Apocalipse nos convida a olhar a história, mas compreendendo a força da meta-história. Esta história que se move detrás da história, e o poder que se move acima dos movimentos da história. 

 

4.     Interprete este tempo com a compreensão de um Deus soberano.

 

Deus não perdeu o controle da história. 

Não há um evento da história, nenhum acontecimento no qual Deus diga: “eu não esperava por isto!”. Os céus não se surpreendemos. Nós sim. 

Por isto, precisamos ver todos acontecimentos, do menor até o maior, sob a ótica de Deus. Quando entendemos isto, podemos sossegar. Deus dirige, controla a história. A história segue um calendário divino, uma agenda divina e um propósito divino.

 

A compreensão de Deus acima de tudo, nos traz descanso. “As tuas mãos dirigem meu destino. O acaso para mim não haverá” A verdade simples é: “Medo olha as crises. Fé observa as oportunidades”.

 

Por esta razão, logo no inicio da pandemia, quando as coisas nos desestruturam psicologicamente e mexeram com nossos planos de forma tão brutal, inicialmente comecei a orar para que Deus tirasse de nós a pandemia, mas ao invés de Deus mudar a situação, Deus mudou meu coração, e eu passei a orar dizendo: “Ajuda-me a entender este tempo como a ótica dos céus. Ajuda a tua igreja a ser ousada e abençoadora neste tempo”. 

 

Conclusão

Precisamos de sabedoria para entender este tempo, para fazer a correta hermenêutica da história. Os sábios nos dias de Assuero “entendiam dos tempos”como observamos no inicio desta mensagem. Eles interpretavam com os dados humanos que tinham. Da mesma forma, nós precisamos agir olhando para Deus, seus santos propósitos. 

 

Ninguém podia abrir o livro da história de acordo com Apocalipse 5. Por isto João chorava pois não havia ninguém digno de desatar os selos. Mas quando ele olhou para os céus e viu no centro de tudo, o Leão da tribo de Judá, a Raiz de Davi, ele passou a ter uma nova compreensão dos fatos. Sua ótica mudou. Jesus estava no centro de tudo. Ele era digno. O Pai estava centrado no trono. Havia governo e direção. 

 

Nossa leitura e interpretação da história precisa ser feita a partir da compreensão mais clara da eternidade. 

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