segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Retirando as máscaras no casamento



Introdução: 

Durante a pandemia da Covid-19, algumas estatísticas se tornaram reveladoras, assustadoras e relevantes acerca dos casamentos no Brasil: 

No dia 15 de Julho, o jornal o Globo trouxe a seguinte manchete: “Na cidade de Sorocaba-SP, o aumento de divórcio foi de quase 900%.” Dentre os motivos apontados estavam o aumento das discussões e brigas entre os cônjuges. Acostumados a passar o dia inteiro separados, a o fato de ficarem muito tempo agora juntos, estava se transformando em um grave problema relacionado à liberdade e privacidade. 

A pandemia revelou que as pessoas não estão acostumadas a repartir seu espaço e tempo. No site de procura do Google, a procura por advogados com especialização em consultoria de família, aumentou 177%. Em Março de 2019, houve um aumento de 82% na pergunta: “como dar entrada no divórcio?” 

Em Abril,, houve um salto de 9.900% no interesse de buscas “divórcio online gratuito”. Tudo isto apontou para um fato curioso e dramático: Os casais não estavam acostumados a conviver tanto tempo, e quando precisaram lidar com a realidade de quem realmente eram, isto se tornou um problema. Em outras palavras, quando as máscaras caíram, e as pessoas revelaram quem elas realmente eram, o problema se tornou visível. A convivência insuportável. 

Como remover as máscaras que sufocam tanto a vida e atingem diretamente o relacionamento em casa? Principalmente num tempo em que os “avatares” surgem tão frequentemente? 

É muito comum vermos pessoas com uma imagem popular, pública e midiática que nada tem a ver com sua personalidade e imagem real. Como se formam as máscaras? Quais seus perigos e a questão mais principal, como removê-las? 

Como se formam as máscaras

A máscara se torna uma defesa, uma forma de prevenir feridas, e se estabelecem como uma tentativa de resolução de conflitos. Poderíamos apontar três aspectos que se tornam a base, o fundamento e a razão de construirmos nossa vida em falsos fundamentos. 

1. Máscaras como aprendizado familiar – é complexo pensar nisto, mas muitas famílias aprenderam a viver em negação e mentiras. 

Os filhos aprendem por imitação e sustentam esta danosa cultura familiar. Nas famílias onde a mentira é sempre uma realidade, os pais facilmente contaminam os filhos, que por sua vez, reproduzirão estes comportamentos inadequados. A mentira se torna uma forma de viver e se relacionar. A superficialidade, a dificuldade em tratar dos medos e inseguranças impedem que a integridade e a verdade, ainda que sejam afirmadas como valores, nunca estão presentes. Os filhos não aprendem aquilo que lhe dizemos, mas aquilo que veem. 

Existem famílias que apregoam a verdade mas vivem na mentira. E esta mentira, facilmente se reproduz, chegando às próximas gerações. Por isto a cultura familiar é tão dificilmente quebrada: ela se torna o paradigma de gerações e é difícil quebrar tais condicionamentos. 

2. Co-dependência – Aliado à mentira, existe um fator sutil chamado co-dependencia. Ela é igualmente séria, porque o que está em jogo não é a mentira que intencionalmente se diz, como no item anterior, mas a mentira que se vive. 

Na co-dependência cria-se um “faz de conta”. São lares marcados por farsas, negações, muitas vezes até graves como no caso de abusos sexuais cometidos por parentes e que as pessoas recusam a admitir, embora a verdade esteja tão patente. Nega-se para evitar o confronto, para manter as aparências. O pai ou o mãe, ou ambos, se recusam a reconhecer que algo está perigosamente em risco e não tratam o assunto. Busca-se a ordem mais que a verdade; a paz, mais que valores. O medo da intransigência, de enfrentar a dor da confissão, do perdão, pode levar famílias a viverem sempre numa situação de um “desconfortável conforto”. 

Todos percebem algo sinistro, silencioso e malévolo no círculo familiar, mas ninguém quer falar do assunto, tocar em temas polêmicos ou sensíveis. A maldição se perpetua. 

Um exemplo dramático deste processo encontra-se na família de Jacó. Dez irmãos venderam José aos amalequitas e construíram a farsa de que seu irmão fora devorado por um animal, e esta mentira foi propagada entre a família. Um pacto sinistro de mentira. 

É fácil imaginar que num determinado dia, um dos irmãos, numa crise de culpa e consciência, tenha revelado a verdade a uma de suas esposas, e esta, por sua vez, tenha contado a uma de suas amigas da família. É fácil ver como esta família viveu por muitos anos, sustentando-se num frágil pilar de um enredo e de uma narrativa falsa. Mas ninguém ousou tocar neste assunto e desmascarar toda pecado e injustiça cometidos. Famílias facilmente se sustentam em mentiras e co-dependência. 

3. Experiências negativas – Máscaras também se constroem, por causa de experiências negativas na tentativa da confissão, do confronto e do perdão. Por isto, muitos passam a acreditar que as máscaras podem se tornar um recurso necessário, um subterfúgio necessário. Buscam se defender com a construção do silêncio e da negação. 

Em determinados ambientes, palavras como verdade e confissão são tabus. Enquanto a Bíblia afirma que diante do pecado e das falhas, “o que confessa e deixa alcança misericórdia”, em certas comunidades, o que confessa, mesmo deixando, é punido severamente. A lei do silêncio se torna “protetiva”, ainda que não liberte ninguém. Cria-se assim uma cultura da não-confissão, onde as máscaras precisam ser constantemente usadas para que novas feridas não sejam abertas. 

Na espiritualidade clássica do cristianismo, sabemos que quando fazemos confissão, entramos em contato com nosso medo e somos libertos. A única forma saudável de lidar com a dor, a vergonha e a culpa, e a única forma de encontrar liberdade é olhando corajosamente para o fracasso e expondo-o. Quando o pecado deixa de ser encoberto, ele perde o poder da acusação e da culpa. Satanás perde o poder da acusação e esvazia suas poderosas armas da vergonha e da ameaça. A verdade liberta. 

Perigos das máscaras 

Antes de mais nada, as máscaras aprisionam, sufocam, dificultam o encontro com nosso verdadeiro ser. Por isto, na Bíblia, antes de nos encontrarmos com a graça de Deus, precisamos entrar em contato com a tragédia de nossa humanidade caída. O arrependimento é fundamental na restauração. Trata-se de uma virtude cardeal da fé cristã. 

O que é o arrependimento senão a admissão da culpa, na qual admito não ter defesas? “Pequei contra os céus e diante de ti, já não sou digno de ser chamado seu filho, trata-me como um dos teus trabalhadores”. É o encontro duro com a percepção da falibilidade, é a auto acusação, a auto denúncia. Fundamental para a caminhada cristã. Aquele que diz não ter pecado, é mentiroso, e chama Deus de mentiroso. É preciso ir fundo na nossa miséria, para descobrir a beleza do amor e da aceitação divina. Pessoas legalistas e 
moralistas, que encontram dificuldade em reconhecer seus pecados e admitir fraquezas e vulnerabilidades, encontram enorme dificuldade de se encantar com a graça de Deus. 

Um segundo perigo é o fato de que as máscaras, por encobrirem nosso eu real, podem facilmente nos trair e revelar quem somos. As máscaras são ilusórias, mentirosas e nos traem. Quando menos imaginamos, estamos no centro da praça despidos como na velha fábula do rei nú. O rei estava se achando perfeito, mas uma criança o denunciou. 

A farsa acaba, as máscaras caem. As máscaras podem nos livrar da censura e da crítica imediata que tememos, mas não podem nos livrar do cinismo. Um dia a casa cai. A mentira tem pernas curtas, e se denuncia. “Não há nada oculto que não venha a ser revelado.” 

Por que usamos máscaras? 

Se as máscaras são assim tão prejudiciais, porque ainda insistimos em manter um guarda roupa repleto de vários modelitos sofisticados, que se escondem cada vez mais nas penumbras da mídias sociais e de uma vida de aparência, mas não se sustentam nos relacionamentos diários, e são ineficazes para manter a beleza de um casamento? 

A. Máscaras são disfarces – Por não gostarmos da imagem do espelho, tentamos transmitir uma ideia falsa sobre nós. É uma tentativa de ocultar a identidade, que não se parece tão charmosa e glamorosa. 

O disfarce é, sem dúvida alguma, o lado mais negro e perverso da máscara. Nele, tentamos ser o que não somos, nos tornamos cínicos e hipócritas, mentimos, enganamos, encobrimos a verdade. Somos atores no sentido mais perverso: fraudamos, oferecemos algo que não temos. Isto é coquetismo. É o lado falso e mentiroso em ação, fingindo, traindo, vivendo de aparências. A Bíblia chama isto de defraudação: oferecer ao outro o que não posso dar. 

B. Máscaras são escudos – Acreditamos falsamente que elas podem nos proteger. Tememos a crítica. Tememos não ser amado por aquilo que somos, e buscamos ser amados por aquilo que tentamos transmitir. 

Reputação e aceitação popular, são alguns dos maiores desejos humanos. Por esta razão, os adolescentes buscam tanto grupos com os quais possam ser identificados e aceitos. Máscaras revelam quão vulneráveis nos sentimos quando estamos nus. A autenticidade nos ameaça e assim mantemos as aparências. Somos dominados pelo medo construindo uma imagem falsa de que somos. A maquiagem, a plasticidade, nos convidam a construir um novo rosto. As opiniões tentam transmitir a ideia de que “podemos” ser aceitos. 

C. Máscaras são representações – Infelizmente, numa sociedade cada vez mais dominada por relacionamentos líquidos e pela superficialidade, aprendemos a viver como se estivéssemos no palco. O problema é que a fantasia não sustenta nossa vida. 

Carl Gustav Jung afirma que todos precisamos de “personas”, que são diferentes faces usadas em ambientes diferentes. Obviamente em um ambiente festivo e onde não há clima para a autenticidade, não precisamos nos desnudar. Ninguém quer saber quem você é, porque ninguém participa de sua vida. As imagens e representações cabem bem nestes ambientes. Assim usamos as “personas”. Por outro lado, como afirmou Shakespeare: “o mundo inteiro é um palco e todos os homens e mulheres são atores”. Há lugar não para a mentira e engano, não precisamos vender o que não somos, existem ambientes e situações que não nos convidam a abertura. Nem todo ambiente é uma roda de psicoterapia em grupo. Quem revela segredos, medos, expressa vulnerabilidades em ambientes não propícios se torna tolo, como afirma provérbios: “O mexeriqueiro revela o segredo, mas o fiel de espírito o mantém em oculto. (Pv 11:13).

Obviamente há grandes riscos na construção dos “avatares”. Nas mídias sociais, nas imagens do instagram, nos sorrisos falsos do facebook, passamos a imagem de um outro, perigosamente ameaçado pelo seu próprio estilo de ser o que nunca fui. Negamos quem somos e nos frustramos e cansamos. Viver representando não ajuda crescer. 

As máscaras e o Evangelho 

Finalmente precisamos nos apresentar diante do evangelho para ver como tais verdades devem ser tratadas. Em 2 Co 3.12-19 lemos:

Esta é uma curiosa narrativa feita por Paulo, mas que não está registrada no Antigo Testamento. O que aconteceu? 

Quando Deus chamou Moisés para se encontrar com ele no Monte, Moisés saiu de lá radiante. Havia um fulgor, um esplendor, um brilho tão grande em seu rosto que as pessoas não podiam olhar para seu rosto. O que Moisés fez então? Ele colocou um véu sobre o rosto, e desta forma conseguia conversar com as pessoas. Isto gerou grande respeito e temor entre o povo. Todos sabiam que Moisés estava assim tão radiante por causa da glória espiritual de Yahweh sobre sua vida. Com o passar dos dias, porém, o brilho acabou. Moisés percebeu que as coisas voltavam ao normal, mas o que fez Moisés? Ele manteve o véu para que as pessoas continuassem achando que o brilho ainda estava sobre ele. Ele fez isto para impressionar as pessoas. 

Por que no Antigo Testamento não há qualquer menção sobre este incidente? Por uma razão simples. Quem escreveu a Torah foi Moisés. Mas os filhos de Israel entenderam o que havia acontecido, e isto foi repassado de geração para geração. A tradição oral foi mantendo esta informação através dos séculos. 

Temos aqui, portanto, três observações a fazer: 

Primeira, aparentemente Moisés ocultou das pessoas o que lhe havia acontecido, mas como as máscaras sempre caem e é impossível para manter a aparência todo o tempo, Moisés foi “denunciado”. Ele não conseguiu manter sua aparência. O povo sabia da verdade ainda que Moisés a tentasse esconder. 

Segundo, o texto afirma que ocorreu um embotamento nos sentidos dos filhos de Israel, e isto se perpetuou, por séculos, milênios. A falta de integridade endureceu o coração do povo de Deus. O efeito da máscara foi devastador para a nação judaica. O povo de Israel teve dificuldade para compreender o evangelho. 

Terceiro, o texto demonstra como é grave o impacto de uma vida de aparência, nas gerações. A falta de transparência trouxe dificuldade aos filhos de Israel para entenderem a graça de Deus, e Paulo afirma que isto se deveu, em boa medida, a atitude de Moisés em não querer ser autêntico. 

Muitas vezes não entendemos porque nossos filhos rejeitam o evangelho. Será que eles não estão recusando exatamente a duplicidade com que lidamos com as coisas de Deus? Será que não estão denunciando a fraqueza e superficialidade de nossa fé? 

A máscara é removida em Cristo Este texto de Coríntios fala da liberdade: “O Senhor é Espírito, e onde está o Espírito do Senhor, ai há liberdade”. Já vi muitas pessoas se referindo a este texto para encorajar as pessoas a darem vazão às nossas emoções e gestos na liturgia pública da igreja, entretanto, este texto está falando de algo muito maior, profundo, pleno, mais belo. Ele está falando da liberdade de sermos nós mesmos diante de Deus, e ainda assim sermos amados. Podemos ser pessoas livres da culpa, vergonha, ameaça, hipocrisia e mentira. 

Uma das mais badaladas palestrantes dos nossos dias é René Brown. Ela tem sido convidada constantemente para grandes e seletos auditórios para tratar de um tema relevante: “Vergonha!” Esta foi sua tese de doutorado. 

Ela afirma que não podemos viver ameaçados por vergonha e culpa, e a única forma de vencê-la é não esconder a vergonha, mas trazê-la a tona. Ela afirma que muitas pessoas estão vivendo vida de prisão e martírio por uma única razão: Elas estão ameaçadas pela culpa. O que fazer com a culpa e a vergonha? Não a deixe detrás de você! Traga-a para sua presença. Esta é sua recomendação para o tratamento da culpa. 

É exatamente isto que a Bíblia ensina: “O homem carregado do sangue de outrem, correrá até à cova. Ninguém o detenha”.  (Pv 28.17). É impossível lidar com a vergonha, se não tirarmos as máscaras. Precisamos denunciar a nós mesmos. Denúncia voluntária. Não confundir com delação premiada que é um artificio jurídico para diminuir a pena. O que a Bíblia recomenda é a confissão, o quebrantamento, o ato de rasgar o coração. Quem faz isto se torna profundamente vulnerável. Isto dá medo, assusta! Mas é profundamente libertador. 

Conclusão 

De nada adianta usarmos máscaras de piedade, justiça própria, inculpabilidade, orgulho, duplicidade e frieza. Todas máscaras conspiram contra seus usuários. O que transforma é a confissão, a admissão de pecados, a graça transformadora e perdoadora de Deus. “Deus não desprezará o coração quebrantado e contrito.” 

É Isto que nos redime nos relacionamento e nos restaura no casamento. 
Não temos lares perfeitos, mas podemos esperar que sejamos tratados, curados e redimidos. Só seremos livres quando formos nós mesmos diante de Deus, sem máscaras, ilusões, “avatares” ou utopias. A sinceridade e integridade é que nos transforma. Lares fortes não são lares sem problemas, mas ambientes onde as pessoas conseguem perdoar e ser perdoadas. 

Quando as máscaras caem, a graça de Deus restaura e somos transformados de glória em glória, na presença do Espírito de Deus. Precisamos pedir a Deus para nos ajudar a enfrentar a rejeição e a critica e assim encontrar graça diante de Deus. Nas sombras, no ocultamento, nos disfarces, ninguém cresce. Quando a luz de Deus ilumina os porões e subsolos escuros da nossa alma e ilumina nossos medos, ai encontramos cura e restauração.

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