sábado, 17 de outubro de 2020

Saudades da casa do Pai Salmo 84


Introdução 

 Um dos melhores textos que li nesta pandemia foi escrito pelo presbítero Arinilson Mariano: Saudades da casa de Deus. Ele começa assim:

 “O Salmo 84 foi escrito por alguém que, por algum motivo, estava impedido de ir ao templo para celebrar. Parece que o salmista percebe ainda mais o valor de estar na casa de Deus quando as circunstâncias da vida o distanciaram escrito pelo presbítero Arinilson Mariano: Saudades da casa de Deus. Ele começa assim: “O Salmo 84 foi escrito por alguém que, por algum motivo, estava impedido de ir ao templo para celebrar. Parece que o salmista percebe ainda mais o valor de estar na casa de Deus quando as circunstâncias da vida o distanciaram do tabernáculo, que nada mais era do que uma simples tenda. A saudade é tanta, a ponto dele afirmar que sua alma suspira e desfalece pelos átrios do senhor. Você já se sentiu assim? Com saudade da casa de Deus?” 

 

Este foi o suspiro do salmista: “Quão amáveis são, os teus tabernáculos, Senhor dos Exércitos. A minha alma suspira e desfalece, pelos teus átrios”. Percebemos neste texto, que a alma do salmista clama pela alegria de estar na casa de Deus. 

 

Durante este tempo de pandemia, muitas formulações teológicas foram feitas acerca da teologia da igreja, do culto não presencial, e, de forma particular, a eucaristia, que é um dos elementos centrais do culto na teologia reformada. Muitos indagavam: Será possível uma ceia virtual? Colegas a quem eu respeito muito defenderam esta ideia, mas a Igreja Presbiteriana do Brasil, fez uma pastoral sobre o assunto afirmando, como eu também creio, que a ceia é a expressão do povo de Deus reunido. Não é possível fazer ceia à distância. Mesmo com a saudade, todos entendemos que esta seria uma forma também do povo de Deus valorizar também a vida comunitária. Por esta razão, o evento que chamamos de euCARistia, realizado no estacionamento da Uni Evangélica, se revestiu de um sentido tão profundo. Estarmos juntos, como corpo, como igreja, foi um evento repleto de alegria e celebração.

 

O salmista neste texto fala sobre a saudade da casa de Deus: “A minha alma suspira e desfalece pelos teus átrios. O pardal encontrou casa, e a andorinha ninho para si. Eu encontrei teus altares, Senhor meu rei e Deus meu”.

 

Três razões porque temos saudades da casa do Pai

 

1.     Temos saudade da cada do Pai porque queremos estar com os irmãos. 

 

Toda igreja com saúde, tem pais, mães, irmãos e filhos.

A música “Tributo a Ieohvah” (Ademar de Campos) diz o seguinte: 

 

“Sou grato por tudo que tenho. 

O tesouro maior deste mundo. 

Me foi dado por herança eterna. 

Maior prova de um amor tão profundo. 

 

Tenho vida, alegria, todo tempo.

Tenho amigos, família, muitos irmãos. 

Foi Jesus, meu amigo verdadeiro. 

Que fez tudo ao me dar salvação”.  

 

Houve uma época em que o povo de Deus no AT foi levado para o cativeiro babilônico. O templo foi arrasado, as pessoas levadas cativas, os velhos deixados para trás, obrigando-os a ficar 70 anos longe da terra, longe do templo. Isto deixou muita saudade entre o povo de Deus. Eles ficaram desorientados. É exatamente isto que acontece quando verdadeiramente pertencemos ao povo de Deus e ainda assim nos distanciamos do povo de Deus,. 

 

Neste tempo de pandemia, por mais estranho que pareça, é uma boa oportunidade de nos lembrarmos e orar  pela igreja perseguida, por irmãos privados da alegria e do direito de reunir e glorificar a Deus, e que precisam exercitar sua fé no meio da oposição. Certamente muitos deles dariam tudo para participar de uma ceia, de estar em um culto, de cantar os cânticos de Sião.

 

Alguns anos atrás li a comovente história de Richard Wurbrand (Torturado por amor a Cristo), um dos homens que foram profundamente martirizados no seu país, a Romênia. Seu país possui uma origem cristã, mas na época do regime ditatorial, os templos foram fechados, os cristãos perseguidos e os pastores e padres martirizados. Ele foi torturado por sua fé, viu muitos sacerdotes renegando suas crenças diante da implacável tortura e para escapar da prisão. Depois de muito sofrimento e pressão da imprensa internacional e de países cristãos, ele foi deixado moribundo na fronteira de seu país. Ele não sabia onde estava, e não fazia ideia qual era o dia da semana, mas era um domingo, ele ouviu ao longe, crianças cantando num templo. Como crente, procurou se aproximar, esquecendo-se do seu traje imundo e do seu cheiro por raramente poder pregar na prisão. Ele foi acolhido finalmente por um dos irmãos e pela igreja, que ouviu sua história e cuidou dele. Ele relata a experiência de emoção e alegria de ver, novamente, o povo de Deus reunido para glorificar a Deus, de ver crianças livremente andando ao redor do templo. Coisa que não acontecia em seu país já fazia tanto tempo. 

 

2.     Temos saudade da casa do Pai, porque uma das características do povo de Deus é a adoração comunitária.

 

Vivemos numa época em que as pessoas procuram uma espiritualidade individualista. Esta definitivamente não é a espiritualidade do povo de Deus. O povo de Deus, em todos os lugares, em todos os momentos da história, sempre procurou a comunhão com o povo de Deus.

 

Eu sempre desconfio da legitimidade da fé de pessoas que não se interessam pelo culto comunitário.

 

A.   O povo judeu, nunca deixava de se reunir. Quando sofriam alguma perseguição e eram exilados, sempre formavam uma sinagoga. Que deveria ser composta de, no mínimo, 10 homens (um adolescente, depois da cerimonia do Bar Mitzvah, já era contado como um adulto). E ali eles se reuniam, faziam seus cânticos e liam a Torah (O livro da Lei).


B. Quando o povo de Deus saiu errante e perseguido mundo afora, sempre se reunia para orar, cantar, ouvir a palavra, e celebrar a ceia (que precisa ser feito de forma comunitária). Na época de grande perseguição do Império Romana, eles passaram a se reunir nas catacumbas de Roma, onde podiam cantar mais livremente e evitarem a implacável perseguição. 

 

C.    O maior desejo da igreja perseguida é se congregar. Infelizmente, vivendo em países livres, não conseguimos entender a grandeza do ato de estar reunidos, como povo de Deus, celebrando a Deus e participando da ceia do Senhor.

 

Uma das características centrais da espiritualidade do povo de Deus é a adoração comunitária. Não apenas o culto individual e privado, mas o culto público. Por isto, a Carta aos Hebreus nos recomenda: “não deixemos de nos congregar, como é costume de alguns, antes façamos admoestações, tanto mais quando vedes que o dia se aproxima”. (Hb 10.25). A espiritualidade cristã não pressupõe o culto individual e privado, quando há a possibilidade de se reunir.

 

Quando o derramamento do Espírito acontece em Atos 2, o que lemos: “Ao cumprir-se o dia do Pentecoste, estavam todos reunidos no mesmo lugar” (At 2.1)Vocês já observaram que todos estes termos falam de comunhão? Temos aqui uma super hipérbole:

Estavam todos

Estavam reunidos

Estavam no mesmo lugar.

 

É neste contexto de vivência comunitária, que o Espírito de Deus se derrama sobre a igreja. O Espírito se manifesta no meio da comunhão do povo de Deus. 


Três  considerações importantes:

 

Primeiro, eu nunca vi uma pessoa cheia do Espírito Santo, fora da igreja de Cristo, envolvido com uma comunidade local, servindo com seus dons e talentos

 

Segundo, uma nunca vi grandes obras sociais, grandes legados históricos, de pessoas distanciadas de sua igreja. Grandes instituições foram fundadas por pessoas com compromisso comunitário. Um exemplo simples: A Associacao Bom Samaritano, da nossa igreja, que tem um grande impacto social na cidade de Anápolis, foi fundada por pessoas que são membros de sua igreja local e que, servindo com fidelidade a sua igreja local, foram desafiadas pelo Espírito de Deus a criarem esta instituição que já abençoou milhares de vidas. Estude a história das grandes universidades, hospitais, creches, orfanatos, e você verá que nenhuma destas obras cristãs foi criada por alguém que não tem compromisso com de fidelidade com sua igreja local. Gente desigrejada não deixa legados na história. Anotem isto!


Terceiro, avivamentos históricos se deram sempre pelo despertamento de pessoas de uma comunidade local, que foram despertadas por Deus para orarem por despertamento espiritual, buscando vida de santidade. Muitas vezes comunidades pequenas foram o pequeno pavio para o fogo se alastrar numa região, num país e eventualmente impactar o mundo.

 

Viver em comunidade é uma característica do povo de Deus. Se você ainda não tem podido participar do culto presencial, certamente tem um grande desejo de estar com sua igreja, não é verdade? Casais jovens, não deixem de participar do culto presencial, se você pode fazê-lo. Não se ausente da casa de Deus. 

 

3.     Temos saudade da casa do Pai, porque este é um exercício de esperança escatológica- Por que temos saudade da casa do Pai? Porque a experiência comunitária da igreja transcende a nossa história atual. Ela aponta para a eternidade.

 

Muitas pessoas não querem participar da vida da igreja, porque acham que há muitas pessoas chatas dentro dela, porque não gosta da igreja, e assim por diante. Pois, quero fazer uma pergunta a estas pessoas: “como você vai participar dos céus onde você terá que conviver com estas pessoas?”

 

A comunidade cristã que se expressa de forma tangível, histórica, presente, local, aponta para a realidade da igreja invisível, eterna, a-temporal. Quando Jesus estava ministrando a ceia aos seus discípulos ele disse: “E digo-vos que, desta hora em diante, não beberei deste fruto da videira, até aquele dia em que o hei de beber, novo, convosco, no reino de meu Pai” (Mt 26.29). Jesus aponta para um novo tempo, quando ele, conosco, beberá do fruto da videira, no reino do Pai. 

 

É por esta razão, que sentimos falta da casa de Deus. Nossa mente é levada à percepção de algo muito maior do que gestos religiosos e litúrgicos feitos de forma ritualista: o que fazemos aqui aponta para os céus. Nosso culto é um curso preparatório para a eternidade, vivendo com nossos irmãos, ao lado de Cristo, adorando o Deus Pai. Autor da Criação e da nossa 

 

 

Observações:

A saudade da casa do Pai leva-nos:

 

A.   A valorizar os cultos. Tenho absoluta certeza de que centenas de crentes fieis tem sentido saudade de estar na igreja com os irmãos. Este tempo de pandemia tem sido dolorido para muitos.

 

Um dos irmãos idosos de nossa igreja, me contou que veio meio clandestinamente, para tentar participar do culto, mas as orientações e protocolos criados pelo governo eram claros e ele teve que voltar, ressabiado para a casa, louco para ficar no culto.


Precisamos valorizar os cultos. Esperamos que, superado esta fase de dor e angústia, valorizemos mais a experiência comunitária, uma vez que, infelizmente, costumamos depreciar o minimizar a importância de estarmos juntos.

 

B.    Entender a importância da igreja reunida. Quando o povo de Deus se reúne, há uma manifestação especial da graça de Deus.

 

Certa vez ouvi a seguinte expressão: Nos cultos não nos reunimos para invocar o nome de Deus. Ele está em todo lugar, mas nos reunimos para que Deus possa manifestar sua glória entre nós. Será que entendemos a beleza e o poder que se revela entre nós quando cantamos louvores a Deus? Quando abrimos as Escrituras e refletimos sobre suas verdades? 

 

Obviamente, a ênfase excessiva nos cultos, pode trazer alguns riscos:


O primeiro é do templismo. O povo judeu sofreu muito esta doença. Quando foram exilados para a Babilônia, não queriam mais cantar os cânticos de Siao, mesmo com a insistência dos pagãos em que cantassem louvores a Deus. Que oportunidade perderam porque erroneamente acreditavam ue Deus só poderia ser encontrado em Jerusalém, no Templo Sagrado. Eles tinham grande respeito pelo templo, mas caíram em um problema de valorizar mais o templo do que Deus. Idolatrizaram a estrutura. 

 

O templismo pode nos fazer pensar que só teremos cultos se houver templo. Aprendemos nestes tempos de pandemia, que por pior que seja o fato de não termos cultos, ainda assim podemos exaltar o nosso Deus e exercer a fé que temos em Deus. Não é o templo que determina quem somos, mas a compreensão de nossa condição de filhos amados de Deus. 


O segundo, é a Fé Institucional. É muito fácil nos tornamos cristãos por tradição, e não por convicção pessoal. Igrejas históricas na Europa, perderam sua relevância por causa disto. As pessoas “nasciam protestantes”, e de repente, ser protestante não era uma questão de encontro com Jesus, mas uma herança familiar, uma ideologia. O resultado foi catastrófico. Podemos fazer o mesmo aqui no Brasil. Transformar nossos filhos em bons presbiterianos, assembleianos ou batistas, mas não conseguirmos transmitir a necessidade deles estarem aos pés de Cristo e serem discípulos de Cristo. 

 

Por isto precisamos aprender a partir deste texto:

 

1. Apesar de termos saudades da casa do Pai, nossa força está em Deus: “Bem aventurado o homem cuja força está em ti e cujos caminhos se acham aplanados” (Sl 84.5). 


2. Apesar de termos saudades, precisamos transformar situações limitantes em potencial para que a glória de Deus se manifeste na história. “O qual, passando pelo vale árido, faz dele um manancial. De bençãos o cobre a primeira chuva”.


3. precisamos entender que relacionamentos virtuais não são suficientes. “Um dia nos teus átrios vale mais que mil”. O salmista suspira pelo encontro com o povo de Deus. Temporariamente fomos obrigados a nos separar, a nos isolar, a prestarmos nosso culto de casa, mas agora precisamos ir aprendendo, gradualmente, a fazer o movimento inverso. A voltar a participar presencialmente dos nossos cultos.

 

Temos o perigo de uma geração virtual, mas ser igreja virtual não é o bastante. Temos o perigo de um cristianismo individualizante, mas ser cristão sem participar do corpo de Cristo, é herético, e até mesmo profano: “Quem come e bebe sem discernir o corpo, come e bebe juízo para si” (1 Co 11.29). Se você não se importa e “reconhece o irmão”, ou discerne o corpo, e participa da ceia, você “come e bebe para sua própria condenação” (NVI). A ceia não pode ser dada a indivíduos, mas à igreja, como corpo. Ceia se celebra junto.

 

Por isto a exortação de hb 10.25: “Não deixemos de congregar-nos, como é costume de alguns antes façamos admoestaçã, tanto mais quanto vedes que o dia se aproxima"

 

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