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Introdução:
Muito do que se fala sobre evangelização em nossos dias nada tem a ver com o evangelho:
1. Ser membro de uma igreja? Proselitismo
2. Cristianização? Adesismo
3. Se filiar a uma denominação? Associacionismo
4. Cumprir regras e normas? Legalismo.
5. Ter experiências? Misticismo.
A essência do evangelho: pecadores resgatados pela cruz.
Uma igreja sadia precisa ter uma compreensão bíblica do evangelismo. No seu livro “Nove marcas de uma igreja saudáveis[1]”(Mark Dever) coloca como uma das centrais a compreensão do evangelho. A compreensão bíblica do evangelismo é fundamental, pois ela está relacionada a outras doutrinas bíblicas, como, por exemplo, a eleição, o pacto da graça, regeneração e conversão. A forma como alguém entende o evangelho se tornará o conteúdo do que ele o anuncia. Se o“evangelho”pregado for humanista e antropocêntrico, isto refletirá na ênfase arminiana que será dada à comunicação do mesmo. Quando o evangelho se torna mera auto-ajuda, e a conversão centraliza-se no homem, e não em Deus.
A evangelização bíblica é centrada em Deus. A fé é um dom de Deus. Não é recebido por merecimento (Ef 2.8-9; Tt 3.5). Portanto, evangelização não pode ser medida em termos de resultados como falamos anteriormente, mas consiste essencialmente na pregação das boas novas do Evangelho: que Deus estava em Cristo, reconciliando consigo mesmo o mundo. Evangelização é uma comunicação da graça de Deus para os pecadores que se efetuou na obra de Cristo.
A mensagem divina traz o convite de Deus para que os pecadores se arrependam e voltem para Deus. A fidelidade no evangelho não está relacionada à resposta positiva ou negativa dos pecadores à pregação, mas ao conteúdo da mensagem, porque para uns, a mensagem é cheiro de vida para vida, para outros, cheiro de morte para morte. Para com estes, cheiro de morte para morte; para com aqueles, aroma de vida para vida. Quem porém é suficiente para estas coisas? (2 Co 2.16). Para uns a mensagem traz vida e salvação, para outros traz condenação e julgamento, porque não creem na graça que lhes é oferecida. Para ambos foi pregado o evangelho.
Por isto o conteúdo da mensagem precisa ser:
Teocêntrico
Bíblico
Libertador.
I.
Teocêntrica
A Reforma cunhou o termo “monergismo” (tudo vem de Deus). Esta é a ideia de Paulo em 2 Co 3.5: “Não que por nós mesmos sejamos capazes de fazer alguma coisa como se partisse de nós, pelo contrário, a nossa suficiência vem de Deus”.
Evangelho não é sobre o que fazemos, mas sobre o que Cristo fez. Não sobre nossas obras, mas a obra de Cristo.
Em Jo 6.28-29 vemos os homens perguntando a Jesus: “Que faremos para realizar as obras de Deus?” E sua resposta direta foi: “A Obra do pai é esta: que creiais naquele que por ele foi enviado”. O Evangelho não é sobre o fazer humano, mas sobre colocar sua confiança naquele que fez a favor dos homens.
Portanto, a mensagem do evangelho é teocêntrica e “teo-referente”. Não é humanismo, não é antropocêntrica.
No conhecido livro de R. B. Kuyper[2], ele afirma: “As Escrituras exigem que a evangelização seja de Deus, por meio de Deus e para Deus” (Rm 11.36). Isto contrasta frontalmente com a mensagem centrada no homem.
Greg Gilbert, escreveu um livreto intitulado “O Que é o Evangelho?”. Ele afirma que a mensagem pregada pelos Apóstolos possuía quatro vertentes:
1) Deus
2) Homem
3) Cristo
4) Resposta (fé e arrependimento).
“O começo da mensagem cristã – na realidade, o começo da Bíblia cristã – é: ‘Criou Deus os céus e a terra’. Tudo começa a partir desse ponto e como uma flecha atirada de um arco mal direcionado, se você não entender bem este ponto, tudo que vier depois será errado. “As raízes da evangelização estão na eternidade” (p. 7).
Já no seu primeiro capítulo Kuyper coloca Deus, como o autor da evangelização. Ele fundamenta toda salvação no Deus Trino. O Pai planejou a evangelização na eternidade, de onde comissionou seu Filho para que morresse na cruz. O Filho ocupa papel central, sendo também o autor e consumador da salvação. Ele mesmo veio e proclamou o evangelho, apontando para seu sacrifício, por a pessoa de Cristo se constitui no tema central do Evangelho. O Espírito Santo também é colocado por Kuyper como autor da evangelização, já que ele capacita o homem a crer e lhe deu autoridade e poder para a pregação, e assim tem preservado o evangelho no decorrer da história.
Em 1975 Jonh Stott[3] afirmou: “O Evangelho é Jesus Cristo e a apresentação fiel dessa mensagem inclui os seguintes elementos:
Vida
Morte
Ressurreição
Retorno de Jesus.
A cosmovisão cristã inicia-se com Deus (Gn 1) e termina com Deus (Ap 22), Deus é o centro de todas as coisas, John MacCarthur sabiamente afirmou: “o mundo experimenta o caos porque rejeitou Genesis 1 e 2”.
No seu livro, “O Evangelho Segundo Jesus”, MacArthur faz a seguinte afirmação:
“Este fato teria sido considerado como ponto pacífico, há algumas décadas; hoje, não mais. O barateamento da graça e a fé fácil em um evangelho distorcido estão arruinando a pureza da igreja. O abrandamento da mensagem do Novo Testamento trouxe consigo um inclusivismo putrefato que, com efeito, vê qualquer tipo de resposta positiva a Jesus como um equivalente para a fé salvadora. Os crentes de hoje estão dispostos a aceitar qualquer coisa, que não seja a rejeição aberta, como a autêntica fé em Cristo. O evangelicalismo moderno desenvolveu um território largo e notável, que abriga até aqueles cuja doutrina é suspeita ou cujo comportamento denuncia corações rebeldes contra as coisas de Deus.
O evangelho que Jesus pregou não fomentava esse tipo de credulidade. Desde o início de seu ministério público, nosso Senhor evitou adesões rápidas, fáceis ou superficiais. Sua mensagem resultou em mais rejeição do que em aceitação entre os seus ouvintes, pois recusava-se a proclamar palavras que dessem a qualquer pessoa uma falsa esperança. Suas palavras, voltadas sempre para as necessidades do indivíduo, nunca deixaram de fazer murchar a auto-justiça dos que O procuravam, ou de pôr à mostra segundas intenções, ou de alertar quanto a uma fé falsa ou a um compromisso superficial.”[4]
Evangelização consiste em apresentar as boas novas crendo que salvação é obra de Deus, como lemos nas Escrituras: “...E creram todos que haviam sido destinado para a vida eterna”( At 13.48). Ou como lemos no relato da conversão de Lídia: “O Senhor lhe abriu o coração para atender às coisas que Paulo dizia” (At 16.14). afinal, “Ao SENHOR pertence a salvação (Jn 2.9). Por isto Paulo afirma: “Paulo, apóstolo de Cristo Jesus, para despertar a fé que é dos eleitos” (Tt 1.1) Quem dá vida aos ossos secos, é o Espírito de Deus. Quem gera novo nascimento é o Espírito: “Se alguém não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus” (Jo 3.5).
Por isto, o evangelho não pode estar centrado no Homem, é obra de Deus. O problema é que a mensagem nos púlpitos tem sido mais de prosperidade e bem estar que o sangue de Jesus. A graça já não é suficiente. Em lugar de tomarmos a cruz e de negarmos a nós mesmos, buscamos prosperidade”, queremos novas técnicas. Mas todas estas coisas são impotentes para transformar o coração do homem pecador. Só o sangue pode fazer isto. Só o espirito pode aplicar esta mensagem em nossa vida. Evangelização precisa esta centrada em Deus.
II.
Bíblico
Outro aspecto essencial no conteúdo da mensagem evangelística é que ela deve ser biblicamente fiel.
Quando lemos o Novo Testamento, percebemos quão facilmente a mensagem pode ser deturpada. Paulo enfrentou este problema na igreja da Galácia, que era relativamente nova, com cerca de 20 a 30 anos de fundação. Os irmãos se desviaram do evangelho, seguindo outra mensagem. A exortação de Paulo é clara: “Assim, como já dissemos, e agora repito, se alguém vos prega evangelho que vá além daquele que recebestes, seja anátema” (Gl 1.9).
Se a mensagem pregada não for doutrinariamente correta, mesmo que seja resultado de uma experiência carismática ou mística, como a manifestação de um anjo, deve ser veementemente questionada. Só existe um evangelho a ser pregado. Não há outro evangelho. E sua mensagem é direta: “O qual se entregou a si mesmo pelos nossos pecados, para nos desarraigar deste mundo perverso, segundo a vontade de nosso Deus e Pai”(Gl 1.4).
Para pregar com fidelidade, precisamos conhecer as Escrituras. A verdadeira evangelização depende de transmissão bíblica e fiel. Sem o fundamento bíblico, podemos pregar até uma mensagem interessante, mas nunca redundará na conversão do pecador a Cristo.
A evangelização bíblica tem alguns pressupostos:
1. A realidade do pecado.
2. O amor de Deus pela humanidade
3. A centralidade da obra de Cristo
4. A necessidade urgente de arrependimento
5. Uma conversão legítima a Deus.
É importante considerar como era a mensagem dos apóstolos, ela basicamente consistia em arrependimento, fé e graça por meio do sangue.
João Batista
”...Ele percorreu toda a região próxima ao Jordão, pregando um batismo de arrependimento para o perdão dos pecados. João dizia às multidões que saíam para serem batizadas por ele: “Raça de víboras! Quem lhes deu a idéia de fugir da ira que se aproxima? Dêem frutos que mostrem o arrependimento. E com muitas outras palavras João exortava o povo e lhe pregava as boas novas.” (Lc 3.2,7,8,18-NVI).
Pedro
“Pedro respondeu: “Arrependam-se, e cada um de vocês seja batizado em nome de Jesus Cristo para perdão dos seus pecados, e receberão o dom do Espírito Santo. Pois a promessa é para vocês, para os seus filhos e para todos os que estão longe, para todos quantos o Senhor, o nosso Deus, chamar”. (At 2.38-39-NVI)
Paulo
“Assim, visto que somos descendência de Deus, não devemos pensar que a Divindade é semelhante a uma escultura de ouro, prata ou pedra, feita pela arte e imaginação do homem. No passado Deus não levou em conta essa ignorância, mas agora ordena que todos, em todo lugar, se arrependam. Pois estabeleceu um dia em que há de julgar o mundo com justiça, por meio do homem que designou. E deu provas disso a todos, ressuscitando-o dentre os mortos”. (At 17.29-31-NVI)
O conteúdo da mensagem dada pelo próprio Senhor Jesus
Jesus tinha muito claro em sua mente sua missão. Aos 12 anos de idade disse aos seus pais: “Porventura não sabíeis que deveria estar cuidando das coisas de meu Pai?”. Seu foco era claro, fazer a vontade de Deus. E a cruz era seu destino. Não tinha crise de identidade (quem ele era), e missão (o que deveria fazer). De acordo com Mc 1.14-15, a mensagem de Cristo consistia em quatro fundamentos: “Depois que João foi preso, Jesus foi para a Galiléia, proclamando as boas novas de Deus. “O tempo é chegado”, dizia ele. “O Reino de Deus está próximo. Arrependam-se e creiam nas boas novas!” (NVI).
Quatro pilares da mensagem de Cristo
Mc 1.15
1. O tempo está cumprido
a. A vinda do Messias desencadeia um novo movimento na história- Gl 4.4
b. A Vinda do messias é uma confrontação às trevas – 1 Jo 3.8; Mc 1.24
c. As profecias se cumprem em Cristo – “Hoje se cumpriu” (Lc 4.21).
d. A expectativa messiânica se cumpre – “Despedes em paz” (Lc 1.29).
2. O Reino de Deus está próximo
a. Jesus não fala de um reino futuro, escatológico, mas de algo que se realiza no tempo.
b. Seu reino confronta o inferno – (Mt 12.28).
c. A oração de Jesus – “Venha o teu reino”.
3. Arrependei-vos
a. Arrependimento implica em mudança de coração – Algo interno.
b. Arrependimento implica em renúncia – Digo não aos desejos, Abro mão de pensamentos, ideias e desejos egoístas e narcisistas, porque desejo a Deus.
c. Arrependimento implica em mudança de comportamento –Mudança de direção. “Deixe o perverso o seu mau caminho”(Is 55).
4. Crede no Evangelho
a. O que não é crer?
b. O que é crer?
Estes são os quatro pilares da mensagem de Jesus e nisto consiste a evangelização bíblica:
1. O tempo está cumprido – Em Jesus, o kairos de Deus, se cumpre.
2. O Reino de Deus está próximo – Sua vinda aproxima a realidade de Deus na realidade histórica. Durante seu ministério afirmou: “O reino de Deus está entre vós”.
3. Arrependimento – Sua mensagem nos convida a mudança, a abandonar os pecados, a fugirmos do mal e viver dentro da ética do Reino de Deus.
4. Fé no Evangelho – Nos convida a desistir de nós mesmos. A nos impressionarmos não com o que fazemos, mas como o que ele fez por nós.
III.
Libertadora
Chegamos ao terceiro pronto, com uma ênfase extremamente importante, porque ao falarmos de evangelização, várias ideias podem estar na nossa mente, como temos afirmado. Recentemente estava buscando e pesquisando no Google o tema evangelização, e vi ali vários artigos sobre “Evangelização espírita”. Mas como o espiritismo pode anunciar o evangelho se não crê na obra de Cristo e não prega a cruz? Se não fala da obra de redenção de Cristo, se a salvação depende de seus múltiplos esforços em várias encarnações? Se não há conceito de perdão de pecados dados por Deus, mas de karma, que é, de forma bem simples, um conceito de “auto pagamento”? O que cometeu o delito pagará por si mesmo, nesta encarnação ou na outra.
Portanto, precisamos voltar nossos olhos para o conteúdo das escrituras Sagradas para termos uma nocao bem clara do que é Evangelização, pois, ao longo dos séculos, sua definição tem sido entendida de diferentes maneiras. Os jesuítas ao chegarem no Brasil, entendiam evangelização com cristianização. Os missionários protestantes entenderam evangelização como dominação cultural.
A ênfase de Jesus era mais focada em anunciar e tornar realidade o Reino de Deus entre os homens libertando das trevas e forças espirituais presentes na história. Jesus entendia evangelização como uma manifestação histórica de Deus entre as pessoas, e não apenas como vida eterna no porvir.
Os missionários protestantes e seus pressupostos.
Quatro fortes influências estavam sobre os primeiros missionários protestantes que chegaram no Brasil:
Pietismo
Ênfase na devoção, leitura bíblica e oração
Puritanismo
Conversão, certeza da salvação, santidade, fuga do mundo.
Evangelho Social
Justiça, liberdade, educação, saúde
Liberalismo
Influência bem pequena: Democracia, progresso.
A tendência maior, sem dúvida, sempre foi o pietismo: Vida interior, esperança da vida eterna, salvação individual. Por isto a mensagem do evangelho se tornou interiorizada, e a ética intimista e sexista.
Schaeffer afirma que: “o atual hiato entre as gerações aconteceu quase que inteiramente devido a uma mudança no conceito da verdade”.
No meu livro: “O Império gnóstico contra ataca[5]”, procuro demonstrar quais foram as implicações desta teologia dissociada e fragmentada:
(1) Minimização do Cristo encarnado;
(2) A busca dos mistérios;
(3) A rejeição do criado (ascetismo);
(4) A rejeição dos meios de graça (perda da dimensão sacramental).
E as implicações éticas se tornaram perceptíveis:
(1) O desprezo pela história
(2) O desprezo pela política
(3) O desprezo pelo social
Privatização da ética
Esquizofrenia entre vida religiosa e secular
(4) O desprezo pelo corpo
Negação da sexualidade;
Transformação do corpo no bode expiatório.
No conteúdo de evangelização da igreja historicamente ela não se preocupa tanto em agir, transformar a sociedade. Sua missão é mais de proclamar salvação eterna. Preocupação mais com o indivíduo na "alma" do que com as implicações históricas. Os pentecostais enfatizam mais os milagres, as manifestações e sinais, e os emergentes se voltam para a questão do sucesso pessoal, do evangelho do bem estar físico e mental, e a teologia da prosperidade mais focada no sucesso financeiro e em bens materiais.
Existe pouca preocupação social e com o ser humano como um todo. Temos uma evangelização esquizofrenizada, para qualquer lado que nos voltemos. Mas o fato mais presente é que evangelização nunca é percebida como tendo uma função de transformar a sociedade.
Podemos afirmar que a mensagem do evangelho é libertadora em quatro dimensões:
1. Libertação da culpa. Cristo nos reconciliou com Deus. “Tendo sido, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo,
por meio de quem obtivemos acesso pela fé a esta graça na qual agora estamos firmes; e nos gloriamos na esperança da glória de Deus.”(Rm 5.1,2).
2. Libertação do engano e da superstição. O Evangelho liberta o homem da superstição e do engano espiritual "Homens, por que vocês estão fazendo isso? Nós também somos humanos como vocês. Estamos trazendo boas novas para vocês, dizendo-lhes que se afastem dessas coisas vãs e se voltem para o Deus vivo, que fez o céu, a terra, o mar e tudo o que neles há.” (At 14.15).
3. Libertação do diabo e das forças das trevas – “Para isto se manifestou o Filho de Deus: para destruir as obras do diabo” (1 Jo 3.9).
4. Libertação da e da condenação eterna. “Portanto, agora já não há condenação para os que estão em Cristo Jesus.”(Rm 8.1).
Mas quando olhamos a mensagem do evangelho, vemos que seu conteúdo implicava em trazer libertação a todo homem, e ao homem todo. Por isto sua mensagem é integral. Quando voltamos nosso olhar para O Jesus histórico, podemos contemplar esta dimensão tantas vezes perdida em nossas mensagens.
A.
Jesus inicia seu ministério declarando a
abrangência do Evangelho.
“Ele foi a Nazaré, onde havia sido criado, e no dia de sábado entrou na sinagoga, como era seu costume. E levantou-se para ler. Foi-lhe entregue o livro do profeta Isaías. Abriu-o e encontrou o lugar onde está escrito: "O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para pregar boas novas aos pobres. Ele me enviou para proclamar liberdade aos presos e recuperação da vista aos cegos, para libertar os oprimidos e proclamar o ano da graça do Senhor". Então ele fechou o livro, devolveu-o ao assistente e assentou-se. Na sinagoga todos tinham os olhos fitos nele; e ele começou a dizer-lhes: "Hoje se cumpriu a Escritura que vocês acabaram de ouvir". (Lc 4.16-21).
Seu ministério não era apenas para redimir o pecado dos homens, mas teria impacto profundo nas dinâmicas sociais e históricas.
B.
O ministério de Cristo foi marcado pela preocupação com o bem
estar do homem como um todo.
“Jesus foi por toda a Galileia, ensinando nas sinagogas deles, pregando as boas novas do Reino e curando todas as enfermidades e doenças entre o povo. Notícias sobre ele se espalharam por toda a Síria, e o povo lhe trouxe todos os que estavam padecendo vários males e tormentos: endemoninhados, epiléticos e paralíticos; e ele os curou.” (Mt 4.23-24).
C.
Buscando o significado mais profundo do conteúdo do
Evangelho na visão teantropica de Cristo
Seu ministério era integral. Ele curava as pessoas, repreendia os endemoninhados, acolhia os desprezados. Evangelização para Jesus tinha uma dimensão muito mais ampla que normalmente empregamos. Ele via todo homem e o socorria. Era uma mensagem integral. E a única forma que temos para resgatar aspectos minimizados ou desprezados na nossa espiritualidade é nos voltando para o Jesus de Nazaré: verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Precisamos de um reencontro com o Jesus histórico-divino.
.Jesus era encarnado sem perder a dimensão do mistério
Jesus viveu intensamente sua humanidade, soube chorar, soube amar, soube partilhar, soube viver e soube morrer. No meio de toda esta experiência profundamente humana afirmou e ensinou os homens a vivenciar uma sacralidade encarnada. Recusou as tentações do conforto, as ofertas do poder, experimentou o sentido da saudade, do luto e do amor. Descobriu o sentido da afetividade e da traição. Penetrou nos temores dos seres humanos e experimentou fome e sede. Aprendeu o segredo da oração, soube vivenciar Deus no encontro com homens carregados de sensibilidade para com Deus, e na oposição e confronto tantas vezes de homens que eram incapazes de experimentar Deus apesar de serem supostamente representando a Deus. Soube experimentar a Deus no silêncio das montanhas e nas noites que passou na presença de Deus. Conseguiu manter uma relação de integração-inclusão de coisas tão distintas como oração e ação.
Jesus revelou o mistério sem perder a humanidade
Jesus era capaz de integrar céus e terra. Era o homem que vivia a gloriosa experiência de transfiguração e no dia seguinte estava visitando e lidando com a concretude da dor humana. A presença de Deus era concreta na vida de Jesus, ao mesmo tempo sua forma de ser e de agir como humano ensinava como era o ser e agir de Deus. Não tinha medo da verticalidade da experiência religiosa: Oração, vigília e jejum são vivências naturais de sua forma de ser, mas ao mesmo tempo não perdia a força de sua horizontalidade expressa na vivência do amor/serviço e no compromisso assumido com aquele que sofre. Escolhe viver na Galiléia, terra de gente miserável. Povo que vivia na "região da sombra da morte", na linguagem do profeta Isaías.
Experimentou a graça e o prazer daquilo que Deus criou
A natureza não se tornou um peso para Jesus. As coisas criadas e a natureza foram desfrutadas por Jesus de forma simples e despreocupada. Jesus é visto participando da celebração de um *casamento, é visto sentado à mesa com os homens, é descrito assando e comendo peixe mesmo depois de sua ressurreição. Ao redor da mesa tem motivos de ações de graça como vemos em Emaús. Não teme se despir de sua glória, se fazer carne e habitar entre os homens. Sua humanidade era verdadeira humanidade, não docética. É por interpretar assim a vida que descreve a salvação do filho que retorna à casa, na parábola contada aos discípulos, num ambiente de novilho cevado, danças, sandálias nos pés, vestido novo.
Viveu e compartilhou a experiência da
sacramentalidade das coisas
Pão e Vinho são dados aos seus discípulos. Mas pão e vinho apontam para algo maior, não são meros objetos. Falam de coisas estranhas. Jesus usa palavras mágicas, mas ao mesmo tempo entendidas e apreciadas pelos seus discípulos. As coisas tinham o poder de aproximá-lo dos seus discípulos, por meio delas uma nova dimensão da vida era ampliada: Descobriam que as coisas tinham sentidos, valores, signos e sinais que apontavam para além. O pão não é mero pão, é verdadeira comida, é carne. Quem come o pão come seu corpo. O vinho não é apenas a uva esmagada; vinho é carregado de gestos e intencionalidades, vinho é sangue, verdadeira bebida, sustento para a alma. As coisas são maiores e têm sentidos mais profundos que os conceitos não podem extrair, e que a razão não pode absorver; é necessário ir além.
Articulou corretamente o natural e o espiritual,
o humano e o divino
Na espiritualidade cristã, História de Deus e história dos homens são tangenciais, se completam. Deus não é alguém longe e distante, mas é pessoal; nem é um poder frio e silencioso, mas é um ser moral que se relaciona com o ser humano, se comunica com ele pelos seus profetas e deseja tornar conhecida sua mensagem a tal ponto que o próprio Filho de Deus resolve penetrar a história. Esta história está carregada de sentido porque é história de Deus.
Porque o natural e o sobrenatural se confundem, nenhuma espiritualidade pode ser apenas vertical. A Igreja precisa vivenciar sua historicidade, lidando com homens concretos, dando abertura para uma vivência e práxis holística, ou, como aponta Padilla, para sua "mundanidade". Nesta vivência, o homem assume responsabilidade com a natureza que o envolve. Como a criação é obra de Deus e não do demiurgo mau, ele desfruta dela, interage com ela, glorifica ao criador por ela. Assume também responsabilidade com o homem todo e todo homem. O homem não é um ser incorpóreo: experimenta crise, passa fome, é explorado, geme, padece, ama, sente, ri e tem relações sexuais. No meio de todas as suas contradições e ambiguidades, na sua corporeidade que experimenta prazer e rejeição, tal espiritualidade pode trazer sentido mais profundo.
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