sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Lc 1.14-56 MARIA: Uma Mulher extraordinária






Introdução

Muito pouco se fala em Maria no contexto evangélico. Isto se dá por duas razões:
  • Não ferir os católicos – É natural que não queiramos ferir pessoas que são nossas amigas, nem polemizar sobre um assunto tão delicado. Por isto não se constrói uma teologia adequada sobre o papel de Maria;
  • Medo de Maria – Isto acontece como uma reação à forma como a Igreja Católica, ou segmentos desta igreja que chegam quase a colocar Maria como uma das pessoas da Trindade. Os evangélicos, muitas vezes, chegam a ignorar ou não gostam de falar de Maria. O silêncio abriga espaço para má interpretação e despreza o papel de Maria no cenário bíblico.
Talvez, ao invés de brigarmos, seria mais sábio ouvirmos as próprias declarações de Maria. Sendo ela uma mulher virtuosa, faz todo sentido tentar entender o que ela própria entendeu sobre sua missão e chamado.

Este texto que lemos é o conhecido cântico de Maria, chamado de "o magnificat" e fazia parte da hinologia da igreja primitiva. Desde os tempos remotos, o povo de Deus cantava este hino nas suas reuniões. Seu estilo é similar aos cânticos judaicos.


O Lugar de Maria nas Escrituras:
Estudar o conteúdo destas palavras de Maria é, contudo, extremamente significativo, porque faz parte da Palavra de Deus, é um texto inspirado. Uma das questões que precisa ser estabelecida hoje é o lugar de Maria nas Escrituras.
  • Maria é descrita como bem-aventurada - Deus a escolhe como canal para abençoar o mundo, quando ela se engravida de Jesus do Espírito Santo. Deus encontrou no coração desta serva, a receptividade para ser mãe de Jesus. Era uma missão ao mesmo tempo sacrificial e um grande privilégio. Ela é bem-aventurada. Uma palavra que significaditosa, feliz. A palavra grega makarios, descreve uma alegria serene e intocável, que não depende do acaso e das circunstâncias. Maria se vê como alguém profundamente abençoada por Deus, e se sente feliz em poder participar desta missão.
  • Maria é modelo cristão de fé, pela sua humildade e disponibilidade ao Senhor. Apesar de todas as suspeitas que as pessoas poderiam levantar pelo fato dela aparecer grávida num contexto praticamente rural – Nazaré tinha apenas 300 habitantes quando isto aconteceu - ela demonstra disponibilidade para o Senhor: “Aqui está a serva do Senhor; que se cumpra em mim conforme a tua palavra” (Lc 1.38). Ela Se submete a Deus: "Aqui está a serva”. Faz isto com reflexão. “Pôs-se a pensar no que significaria esta saudação” (Lc 1.29), mas com disposição para Deus.
Um dos grandes problemas da vida cristã é a indisponibilidade para o Senhor. Maria se entrega, se desarma para o projeto de Deus, que tem que passar pela sua vida. Por isto se torna uma referência cristã até os dias atuais.

  • Maria precisa de salvação – “Meu espírito se alegra em Deus, meu salvador”. Ela se reconhece serva, admite a necessidade de ser redimida. Ela não é co-redentora, nem alguém que salva, antes precisa ser redimida pela morte do Filho de Deus, gerada em seu ventre. Ela mesma não se vê num papel redentor ou intermediador de salvação, mas como alguém que precisa de salvado. (Lc 1.47). Quem precisa de Salvador é quem encontra-se perdido. Enquanto muitos tentam transformá-la em co-redentora, isto é, alguém que possui uma função participativa no projeto de salvação da humanidade, ela se declara necessitada de salvação. Deus é o seu salvador! Ela não salva a si mesma, precisa da mediação de seu Filho Jesus, porque Jesus morreu em seu lugar na cruz.

O discurso de Maria:

Na segunda parte desta reflexão, gostaria de considerar o que Maria diz, em relação ao projeto do qual ela faria parte, que era acolher o Deus Emanuel, o Filho de Deus, entre os homens. O discurso de Maria anuncia a inversão da ordem social (Lc 1.52,53).
  • Poderosos, tronos serão derrubados
  • Humildes serão exaltados.
  • Ricos, serão despedidos vazios
  • Famintos, cheios de bens.
  • Stanley Jones afirma que o Magnificat e o mais revolucionário documento do mundo.
Barclay afirma que o Magnificat fala de três revoluções que Deus faz, de acordo com a Palavra de Maria, e eu gostaria de acrescentar uma quarta visão para a qual o texto nos direciona:

1. A revolução moral - "Dispersou os que, no coração, alimentavam pensamentos soberbos” (Lc1.51,52). Esta é uma revolução moral. O cristianismo afirma a morte do orgulho. A cruz denuncia o fracasso de nosso orgulho, de nossas tentativas de fazer as coisas moralmente corretas. A cruz revela que o homem é incapaz e que apenas a morte de seu Filho seria capaz de curar esta degradação moral da alma humana. O grande inimigo do Evangelho não é, como supõe alguns, a incapacidade moral, mas o orgulho. Uma tradução moderna deste texto, feita por Goodspead diz: "Derrotou os de mente orgulhosa". 

Maria declara a falência do orgulho. Deus com seu braço agiu. Continua sendo o grande agente da história. O nascimento de Cristo nos relembra isto. Não é dos tronos, nem dos palácios, mas da manjedoura que surge o Rei Eterno. O que Maria diz é que no curso da história, o poder de Deus tem punido repetidamente as pessoas arrogantes. Não devemos olhar a manjedoura de forma romântica. O cheiro que um curral exala nem sempre é o melhor, mas foi ali, nesta manjedoura, sem ter nada seu, que Cristo, o Deus-homem escolhe nascer.

2. A revolução social - Derribou do seu trono os poderosos, e exaltou os humildes (Lc 1.52). Deus põe abaixo os poderosos. Coloca um fim ao mundo de etiqueta e prestígio. Trata-se de uma mensagem profética aos Herodes, Césares, autoridades romanas, e aos grandes e poderosos atuais.

O nascimento de Jesus anuncia, prenuncia e denuncia a falência dos sistemas humanos e a instabilidade de seu poder.

Moreto, erudito nômade da Idade Média, era pobre e adoeceu numa cidade italiana sendo conduzido a um hospital de pessoas abandonadas e párias sociais. O doutor discutia seu caso em latim, jamais supondo que ele pudesse entendê-lo, sua sugestão era a de que desde que Moreto era desprezível, eles poderiam usá-lo para experiências médicas. Então, Moreto levantando os olhos para o médico afirmou: "Nunca chame desprezível uma pessoa por quem Cristo morreu".

As classes sociais desaparecem no verdadeiro cristianismo. Esta palavra de Maria anuncia uma reversão da ordem social, as definições de grandeza seriam redefinidas e radicalmente alteradas.


3. A Revolução econômica - "Encheu de bens os famintos e despediu vazios os ricos” (Lc 1.53). O texto anuncia uma inversão de valores. Há uma beleza neste cântico que é uma dinamite. O povo cristão deveria entender isto. Deus promete proteger quem não é protegido, amparar os desamparados e desprovidos de poder, já que estes não têm quem possa defendê-los. Maria afirma que com a vinda de Cristo, confiar no próprio poder significaria ir na direção oposta ao projeto de Deus, já que Ele tem se proposto a dar esperança aos que não a possuem.

4. A Revolução sexual – Deus escolhe manifestar-se numa mulher. Numa cultura na qual os homens desprezavam tão fortemente a figura feminina, Deus resolve colocar toda sua divindade num útero. Maria passa a ter em si mesma, o Verbo da Vida. Aquele que haveria de salvar o mundo, estava no seu ventre. Deus escolhe revelar sua grandeza no ventre de uma adolescente, pobre e simples de uma pequena cidade chamada Nazaré. Maria nos faz lembrar as "Marias" brasileiras, sem vez e voz, a Maria pobre, a Maria favelada, a Maria da esquina, a Maria prostituta, As marias marginais, a Maria abusada e explorada, a Maria dos palácios. Maria é protótipo do descaso que sofrem ate hoje tantas mulheres. Mas Deus resolve se revelar na Maria de Nazaré que se surpreende quando o chamado lhe é feito: “...porque contemplou na humildade da sua serva” (Lc 1.48).

5. A Revolução Religiosa – Conquanto muitos tentam transformar Maria em uma pessoa que é usada pelas SUS habilidades humanas, o texto mostra a presença da “misericórdia” (palavra que surge 2 vezes no texto: Lc 1.50,54). Misericórdia retira de nós as qualificações. Deus usa pessoas apesar de seus deméritos. Maria se lembra que as misericórdias de Deus estão relacionadas às suas promessas (Lc 1.54,55). Deus fizera uma promessa a Abraão e agora a cumpre. Deus usa agentes comuns e ordinários, não pessoas extraordinárias. Misericórdia é a atitude de Deus para pessoas que não tem condições de caminhar por si mesmas. O texto anterior chama Maria de “favorecida” (Lc 1.28), e diz que ela achou “graça diante de Deus” (Lc 1.30. Graça não é meritória.


Por uma teologia Mariana

Devemos então buscar uma teologia mariana, mas na perspectiva que as próprias escrituras expõem, como a própria Maria percebe. Há muita distorção no papel de Maria, e este texto nos ajuda a construir esta “perspectiva mariana”, a partir daquilo que ela mesma declara, sobre si e sobre Deus.

A. Maria se disponibiliza – Ela se entrega sem reservas. Seria questionada, criticada. O seu próprio “noivo”, José, entra em crise com a constrangedora situação. Ela poderia ser apedrejada por adultério já que estava “desposada” de José. Maria se chama de “serva”, não tem direitos, mas disponibilidade para seu Senhor, para a obediência e submissão. Fazer uma teologia mariana, refletir sobre o papel de Maria, ser admiradora de Maria e tomá-la com exemplo, deveríamos nos levar à minha disposição interior para o serviço e submissão.

B. A Escolha de Maria subverte – A vida e o cântico de Maria apontam para várias dimensões ousadas. Aliás, o natal subverte poderes, questiona status assumidos como corretos.
  1. O anúncio se dá em Nazaré, não em Jerusalém – Nas terras esquecidas é que Deus revela sua graça. Isaias ja profetizara isto: “Mas para a terra que estava aflita não continuará a obscuridade. Deus, nos primeiros tempos, tornou desprezível a terra de Zebulom e a terra de Naftali; mas, nos últimos, tornará glorioso o caminho do mar, além do Jordao, Galiléia dos gentios” (Is 9.1). O profeta já apontava para uma revolução, em Nazaré e na Galiléia não surgem grandes nomes, nem mesmo grandes profetas e líderes. Deus encontra ali uma adolescente a quem usaria para seu grande propósito de redenção da humanidade.
  2. Deus escolhe a simplicidade, não a sofisticação – Deus se desloca do centro para a periferia. Não no palácio, mas no curral; não nos grandes centros teológicos de Jerusalém, mas em Nazaré. Maria percebe isto (Lc 1.52-53). Seu cântico é subversivo.
  3. Deus enxerga pessoas anônimas e esquecidas – Maria era uma mulher temente a Deus, vida de devoção e piedade, e se impressiona por Deus a considerar tão digna de ser a mãe do Messias, tão anunciado por todos os profetas do Antigo Testamento. Todas jovens piedosas de Israel tinham expectativa de que Deus usasse seu útero para acolher o Messias. Maria percebe a graça de Deus sobre sua vida.
  4. Deus dá missão a quem não teria espaço – “Desde agora, todas as gerações me considerarão bem-aventurada”. Esta é a compreensão de Maria. Deus me dá o privilégio de servi-lo com meu corpo, com minha vida. Quem era Maria aos olhos dos religiosos, do mundo político de então? Era uma pessoa anônima, desconhecida, de uma pequena vila de um Estado praticamente desconhecido em relação às grandes potências militares. A escolha de Maria nos mostra como Deus percebe.

Conclusão:

Este texto nos prepara para o espírito do Natal.

Maria é alguém simples e humilde de uma pequena vila em Israel. Ali Deus se revela. Maria se sujeita a Deus, reconhece a graça de Deus, e dispõe-se a pagar o preço de sua submissão, mesmo diante de uma situação que poderia causar muita discussão entre aquela pequena vila. Deus conhecia Maria, como conhece sua vida e a minha. Deus olha com compaixão para nossas vidas. Ele transforma gente comum, Maria, e dá projeto, missão, visão, sonhos e poesia.

Talvez você esteja aqui hoje, sentindo-se numa pequena vila inóspita, achando que sua vida nunca vai deixar de ser o que é. Na verdade, o que Deus vai fazer de sua vida, pouco interessa, mas é fundamental que Deus nos encontre como encontrou Maria, de forma disponível, submissão, disposta a executar os planos que ele tem para nossas vidas.

Maria poderia continuar sendo uma mulher desconhecida de uma pequena vila, mas o que nos importa não é a grandeza do que temos ou fazemos, mas a grandeza de Deus em nós, nos usando como instrumento para a execução de seus planos.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Jó 19.25 Eu Sei que o meu Redentor vive!








Eu sei que o meu redentor vive












Introdução:


Uma vez assisti a um desenho animado, no qual dois amigos passam por um naufrágio, e com o passar do tempo um deles se sentiu desencorajado e pronto para desistir, mas o outro tentava animá-lo dizendo sempre: “keep breathing!” (continue respirando).

Muitas vezes, em situações de aflição e desespero, quando as pessoas me procuram pensando em tomar decisões radicais como abandonar tudo, largar tudo, vender tudo, desistir de tudo, eu me recordo deste desenho e digo: “continue respirando”. Nestas horas, a única coisa que importa é a sobrevivência. Se você continuar vivendo, tudo poderá ser restaurado depois, mas a primeira regra nestes casos é continuar vivendo.

Parece que esta foi a atitude de Jó ao ver tudo nebuloso e angustiante ao redor. Contra todas as previsões, ele continua dizendo: “Eu sei que o meu redentor vive!”


Como manter a esperança?



1o. Lembre-se: Ainda não é o fim – estamos vivos!


Dr. Edmund Haggai, fundador do Instituto que leva seu nome, afirma que a coisa mais importante da vida é a integridade, e que mesmo que percamos tudo, é possível restaurar se não perdermos a integridade moral. O Evangelho, ainda nos fala de algo mais incrível: Mesmo que percamos tudo, até mesmo a integridade, com o perdão e a misericórdia de Deus é possível reconstruir. Já vi muitas pessoas arrasadas, destruídas por seus pecados e erros, ver a sua vida sendo erguida por causa da infinita graça de Deus. 

Portanto. Viver, em si mesmo, é um forte elemento de esperança.

Diante do caos, precisamos lembrar que ainda temos pele, ainda somos capazes de pensar, ainda sentimos dor, que é sinal de vida. A doença eventualmente será vencida, a falência superada, a frustração corrigida e reparada. Perdas podem, até mesmo, se transformar em trunfos e ganhos para grandes conquistas futuras. Experiências traumáticas podem nos tornar mais perseverantes e resilientes. A questão fundamental é ser capaz de perceber que ainda estamos vivos.

O problema é que a apatia, o desânimo, a depressão, a dor e a oposição, podem nos destruir antes de estarmos destruídos. Jurgen Moltmann no seu livro “A teologia da esperança”, afirma que o grande problema do ser humano é a apatia, a falta de brilho nos olhos, a desesperança. Quando estamos perdidos, confusos, falidos e desesperançados, precisamos recordar que ainda estamos vivos. Tudo mais pode ser feito.

Jó percebe que sua saúde está debilitada. Seu hálito cheira mal (Jó 19.17); ele sente o abandono dos amigos e irmãos (Jó 19.13,19); vê o desprezo até nos seus criados (Jó 19.16), mas a chama da existência arde em seu peito. Tudo é escuro, mas a esperança encontra-se aquecida. Tudo é cinza, mas a brasa ainda está viva.

Se algum dia o cenário for macabro e tenebroso, lembre-se ao menos que você está vivo. Enquanto há vida, há esperança.


2o. Coloque os olhos num ponto além de si mesmo.


É muito importante entender que não se trata de auto-ajuda, mas de ajuda do Alto. O filme “beleza americana”, ganhador de cinco oscars, descreve a decadência da família americana e é um filme muito pesado na sua mensagem. Numa cena a protagonista que faz o papel de uma agente imobiliária encontra-se devastada, mas precisa manter a aparência de durona e competente. Para se sustentar, coloca uma gravação no seu carro, cheia de mensagens de auto-ajuda: “Você pode, você é vitoriosa, as coisas estão sob controle, você vai conquistar o que deseja!” e ela repete estas mensagens como mantras. No entanto, minutos depois, ela desmonta em choro, incapaz de caminhar por si mesma.

a auto ajuda não é suficiente...
Por que não creio em auto-ajuda?

Porque quando estamos adoecidos, não temos força em nós mesmos. O homem sem fé pode repetir para si mesmo: “Você pode, você é capaz!’, mas se ele encontra-se doente e inválido, deprimido e desesperado ele não vai conseguir. Se fosse capaz de melhorar por si mesmo, certamente já estaria noutra condição melhor. O fato de estar tão devastado demonstra que ele não tem força em si mesmo.

O que faz Jó?


Sua declaração de esperança não está nele, mas fora dele. Sua fé está firmada em alguém acima dele. Ele olha para o resgatador de sua alma – o seu redentor. "Porque eu sei que me Redentor vive e por fim se levantará sobre a terra" (Jó 19.25). Ele reconhece a necessidade de um salvador. Ele precisa de um resgate, sua esperança não está em si mesmo, mas no seu Redentor. 

Sinto compaixão de pessoas que não conseguem crer, porque o horizonte de sua existência se reduz drasticamente. Para onde ir quando não encontram forças em si mesmos? A incapacidade de crer, de esperar em alguém além dos nós, torna-se devastador. Que benção é poder declarar: "Deus é meu refúgio e fortaleza, socorro bem presente nas tribulações". 

A psicologia Jungiana tem chamado a atenção para uma “terceira via do saber”, a percepção de que existe uma fonte de apreensão e conhecimento que encontra-se, não no interior da pessoa, nem em no "deus" que existe dentro do homem, mas em um Deus acima de todos, uma realidade "numinosa", o Todo-Poderoso, o inteiramente outro, ou o nome que se deseja dar a este ser.

A visão judaico-cristã fala de um Deus que se encontra além, mas que habita também com o abatido e contrito de espírito. O cristianismo fala de um Deus que deixou sua glória e habitou entre os homens na pessoa de Jesus de Nazaré. Foi ele quem disse: “Vinde a mim todos os cansados e sobrecarregados e eu vos aliviarei, tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e achareis descanso para as vossas almas, porque o meu jugo é suave e meu fardo é leve” (Mt 11.28-30). E quando ele convida homens e mulheres cansados, prostrados, desistindo de si mesmos, ele realmente queria que entendêssemos isto. E milhares de pessoas tem encontrado graça, aceitação, reconciliação, perdão e restauração por aceitarem este convite. 

Jó não coloca sua esperança nos outros. Ele percebe que sua esposa não consegue adentrar sua dramática e existencial situação, os amigos são incapazes de compreendê-lo. Sua família não o entende, nem mesmo os seus irmãos são capazes de apoiá-lo. Ele aprendeu uma das máximas do cinismo: “um amigo em dificuldades é um amigo a ser evitado.

Jó não coloca sua esperança em si mesmo. Ele está no limite de suas forças pessoais, exausto e perplexo. Ele olha para fora e vê cinismo; olha para dentro, vê desespero; mas olha para Deus e renasce a esperança.

Jó sabe que apesar de todas as suas lutas com o Eterno, Deus não é um poder frio e silencioso como parece. “O seu redentor” vive. Deus muitas vezes se parece calado em situações provocativas, mas ele vive, e pela sua natureza e essência, seria capaz de reerguê-lo. Jó declara que sua situação não o impedirá de contemplar a Deus novamente. "Vê-lo-ei por mim mesmo, os meus olhos o verão, e não outros" (Jó 19.27).  Sua ansiosa expectativa gera em seu coração uma situação anacrônica: Ele afirma que tem saudades de algo que ainda não viu. "...de saudade desfalece o coração dentro de mim" (Jó 19.25). Você tem saudades de alguém que você ainda não conheceu? Jó tem saudades do seu Redentor, ele tem saudades da glória de Deus. Ele tem saudades da eternidade, do Deus a quem ele serve. Que coisa gloriosa!

Alguns comentaristas afirmam que ele tem saudades do céu, da utopia da esperança. Mas isto significa ter saudade de algo que ele ainda não conheceu, mas como ter saudade de algo que não se conhece? Saudade tem a ver com as reminiscências, com lembranças de algo já vivenciado, mas neste caso, sua saudade projeta-se para o futuro, e não para o passado - é encharcada de esperança. Ele tem saudade de algo que não presenciou, mas cujos olhos da fé já podem antecipar.

Os olhos de Jó estão colocados no infinito, no Eterno, em Deus. Ele percebe a opressão que Deus lhe infringe (Jó 19.5), o mistério que ele contempla é grande demais para uma equação simples, “só de pensar nisso me perturbo, e um calafrio se apodera de toda minha carne”(Jó 21.6), mas o seu Deus não pode ser resumido à realidade que ele experimenta no momento. Ele é o Redentor, transcende a história e vai se revelar, trazendo o resgate necessário.


3o. Ele espera uma reviravolta de Deus


Para Jó, a história ainda não acabou. Deus pode mudar sua vida para o bem, como permitiu que ela fosse mudada para o mal, ele é capaz de fazer coisas surpreendentes. “Depois, revestido este meu corpo da minha pele, em minha carne verei a Deus. Vê-lo-ei por mim mesmo, os meus olhos o verão, e não outros” (Jó 19.26-27).

É interessante a antropologia judaica.

Diferente da visão platônica e grega, que valoriza a mente, o pensamento e a alma, a visão judaica fala da vida humana numa perspectiva visceral, que envolve todo o corpo. Jó fala do resgate de sua vida de forma corpórea: seu corpo vai ter pele, sua carne verá a Deus. A percepção do resgate envolve seus sentidos, o sensório: pele, carne, olhos. Não é apenas uma questão de mente: lógica, mental, mas envolve corporeidade. Deus vai mudar a sorte. O Redentor fará isto e isto afetará todo seu corpo.

Jó fala de seu Redentor (Go'el), se levantando da terra, saindo do silêncio que tanto o incomoda, vindo da obscuridade para a clareza, pondo-se de pé no meio da desordem. O período do antagonismo e da distância vai ter fim, será superado. É a resposta à dúvida que brotou em seu coração (Jó 14.13-14). O novo vai se irromper como elemento surpresa. Afinal, “o choro pode durar a noite inteira, mas a alegria vem pelo amanhecer”. Não há silêncio que não termine e choro que não acabe!

O termo go'el, do hebraico, significa libertador, protetor, justificador, redentor ou vingador (Nm 35.12,19,21,24,25,27) ou resgatador (Rt 2.20; 3.9,12; 4.1). Deus é frequentemente chamado de go'el, já que ele vindica os direitos dos seus filhos, que foram colocados sob o domínio de outrem. por isto diz: "Não vos vingueis a vós mesmo, amados, mas dai lugar à minha ira, porque assim está escrito: Eu retribuirei, diz o Senhor" (Rm 12.21). É este Redentor que vai livrá-lo das acusações. Esta é uma das passagens mais freqüentemente citadas do livro. Representa um avanço na sua caminhada de fé, saindo do desencorajamento e desânimo, para a confiança no poder salvador de Deus. 

Jó afirma: "Quem me dera fosse agora escritas as minhas palavras! Quem me dera fossem gravadas em livro! Que com pena de ferro e com chumbo, para sempre fossem esculpidas na rocha! Porque eu sei que o meu Redentor vive e por fim se levantará sobre a terra. depois, revestido este meu corpo da minha pele, em minha carne verei a deus. Vê-lo-ei por mim mesmo, os meus olhos o verão, e não outros; de saudade me desfalece o coração dentro de mim" (Jó 19.23-27). 

Ele queria que este texto fosse gravado numa placa de bronze na rocha do seu túmulo, como seu epitáfio.

Este texto nos fala de Deus como resgatador e vingador, e nos aponta para uma verdade profunda que se revela na pessoa e na obra de Jesus. A única pessoa que se encaixa perfeitamente nesta palavra é Jesus. 

Jó sente o desprezo, o abandono, mas lembra-se de seu resgatador:
O Redentor é aquele que entende a sua dor e sua tristeza, que "vinga retamente os que sofrem injustiça". Este é um misterioso aspecto da palavra Redentor – aquele que faz a cobrança, que vinga a injustiça. Nada era mais necessário a Jó do que um Vingador. "Até quando vocês avo ficar me atormentando e me ferindo com as suas palavras? Vocês já me insultaram várias vezes. Será que não envergonham de me tratar tão mal? Mesmo que eu fosse culpado, será que o meu erro prejudicaria vocês? Vocês pensam que são melhores do que eu e acham que a minha desgraça prova que sou culpado" (Jó 19.2-5). 

Eu sei que o meu Redentor vive!


Essa é a convicção de Jó. Biblicamente, o único que pode ficar entre Deus/Jó é Cristo: 

            "Pois há um só Deus e um só mediador em Deus e os homens, Cristo Jesus, homem, 

que a si mesmo se deu em resgate de todos, testemunho que se deve dar 
em tempos oportunos" (1 Tm 2.5-6)

Os comentaristas acreditam que este texto é profético. Uma referência à ressurreição de Cristo. No Antigo Testamento pouco se fala da ressurreição, mas este texto de Jó, aliado ao de Daniel 12.2, são considerados os mais claros e importantes sobre este assunto. No Antigo Testamento não há nenhuma menção à reencarnação. Esta ideia não procede da visão Judaico-cristão, mas é um conceito hinduísta, cujas raízes são xintoístas e budistas. A Bíblia inteira ignora a nega a possibilidade da reencarnação. Jesus, pelo contrário, fala da ressurreição dos corpos, cuja doutrina difere frontalmente do pensamento karmático.

Então, na visão dos estudiosos, este texto aponta para Cristo, que seria o primogênito entre os mortos. De fato, Cristo ressuscitou dentre os mortos, sendo ele as primícias dos que dormem” (1 Co 15.20). Este texto é uma alusão profética à obra de Cristo. Trata-se de um texto cristológico. Este é um dos mais maravilhosos textos do Antigo Testamento sobre a ressurreição dos corpos. Assim como Jesus teve seu corpo glorificado, assim Deus fará conosco. No juízo final, Deus dará ordem aos átomos, e experimentaremos um corpo glorificado. 

Na morte de Cristo, os céus escureceram “Desde a hora sexta, até a hora nona, houve trevas sobre toda a terra” (Mt 27.45). Justamente do meio dia às três da tarde, quando o sol costuma ter seu maior brilho, as trevas insistem em dominar, é a força do caos, da morte e do abismo, esta é a hora da escuridão e das sombras. Na cruz, vemos ainda o desamparo de Deus: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparastes?” (Mt 27.46). Um dos evangelistas registra de forma lacônica, que após a saída de Judas para entregar Jesus aos anciãos, “era noite”. Esta era a hora das trevas. "E era noite..." (Jo 13.30).

O sepultamento de Cristo foi marcado pela desolação e fracasso. “Nós esperávamos que fosse ele quem havia de redimir a Israel. Mas depois de tudo isto, é já o terceiro dia desde que tais coisas sucederam” (Lc 24.41). Hora da solidão, distância e abandono de Deus.

Tudo isto experimentou Jó. Mas sua esperança transcendia ao absurdo do silêncio e o inconformismo de sua existência. “Eu sei que meu redentor vive!” saindo dos escombros, até mesmo do hades, onde Jesus foi e pregou aos espíritos em prisão (1 Pe 1 Pe 3.19), rompendo a desilusão e ressurgindo dos mortos, o Filho de Deus se levanta sobre a terra, anunciando sua vitória, decretando o fracasso da morte, construindo uma nova história.


Conclusão:


Recentemente escrevi este artigo para o jornal da minha cidade e gostaria de transcrevê-lo.

A vida não pode acabar assim


Bill Hybels, conhecido conferencista cristão recentemente participou de um funeral que ele considerou um dos mais difíceis de sua vida. O rapaz era o melhor amigo de seu filho, de apenas 20 anos de idade, e sofreu um acidente de carro, vindo a óbito. Embora os pais do garoto não fossem da sua comunidade, ele conhecia a família e decidiu ficar ao lado deles, solidário à dor que sofriam, e também triste por ver uma vida sendo interrompida de forma tão abrupta.

No funeral, a tônica foi a ausência de qualquer esperança. Até mesmo o oficiante do funeral terminou o ato de forma desoladora. “Pois foste formado do pó, e ao pó tornarás”. A vida parecia ser apenas um chiste, algo lacônico e bizarro. O pai daquele moço veio na sua direção, abraçou-o fortemente e disse em voz alta: “Pastor, a vida não pode acabar assim” e pediu para que orasse por eles. Então ele foi à frente e disse: “Hoje estamos nos despedindo do Clark, o caminho que ele fez, é o caminho que todos faremos. Estamos nos despedindo dele mais cedo do que queríamos ou esperávamos. Mas não será para sempre, todos nós um dia poderemos nos encontrar com o Clark. A vida dele não acaba num túmulo frio, mas nos braços de um Pai amoroso”.

Tenho pensado na frase deste pai: “A vida não pode acabar assim”.

Muitas vezes olhamos para a vida e nos resignamos, aceitamos o fracasso de forma passiva, nos rendemos ao desespero sem luta, nos entregamos sem esboçar reação, nem sequer oramos para que as coisas mudem e sejam diferentes. Vemos casamentos acabando e desistimos com facilidade; nossos filhos se perdendo e nos resignamos; a corrupção e a imoralidade se tornando banais, o desrespeito à vida parte do cotidiano. Nos tornamos apáticos, as agressões se sucedem e deixamos para lá de forma indiferente; não nos desafiamos para um engajamento e nem acreditamos que as coisas melhorem e mudem o rumo, achamos que pó e cinzas são de fato o destino final – somos tomados pelo pessimismo e falta de fé e caminhamos para o abismo sem nos incomodarmos. No entanto, as coisas não precisam acabar desta forma.

Existe uma antiga oração que diz: “Senhor, dá-me forças para mudar as coisas que precisam ser mudadas; paciência para suportar aquelas que não podem ser mudadas; e sabedoria para discernir entre elas”.

Obviamente que nos misteriosos e enigmáticos planos de Deus, há realidades que não podem ser mudadas, que não dependem de nosso esforço ou garra, da luta ou perseverança, mas existem outras, que requerem de nós um pouco de vergonha e brilho nos olhos, que demandam uma resposta de coragem e dependem de ousadia e tenacidade. Precisamos enfrentá-las, e não apenas receber o diagnóstico final e aquietarmos. Muitas questões exigem ação e reação, não podemos simplesmente aceitar e calar.

Mesmo diante de fatos que não podem ser mudados, precisamos ter esperança. A morte é uma delas. Morte não é ponto final para aqueles que crêem, mas passagem de uma vida para outra. A vida vai além da realidade transitória de nossa fugaz existência. O ladrão ao lado de Cristo na cruz, vendo o fim se aproximar, conseguiu fazer uma ousada oração de esperança: “Senhor, lembra-te de mim quando vieres no teu reino”, e Jesus lhe deu uma resposta encorajadora: “Hoje mesmo estarás comigo no paraíso”.

A vida não pode ser um eterno réquiem, nem pode se resumir à marcha fúnebre. Precisamos trazer à memória aquilo que pode nos dar esperança e prosseguir. A vida não pode acabar assim...

Jó vê, numa perspectiva profética, este glorioso dia. Mas antecipa também, na sua história pessoal, um Deus que é capaz de surpreender, porque está vivo, e por fim se levantará do pó. 

O resgatador virá!

Se você deseja estudar mais sobre Jó, você pode acessar outros textos sobre o mesmo tema de minha autoria, eis alguns links:
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sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Jó 42.1-6 Os pecados de Jó









Introdução:





Philipe Yancey afirma que a questão essencial de Jó não é o sofrimento, mas a questão da fé. Como lidar com o sofrimento e manter a fé firme em Deus quando este parece silencioso, contraditório e ambíguo? Como continuar crendo no meio do caos? Como confiar em um Deus Todo-Poderoso que parece distante e insensível à minha dor?

Jó é descrito por Deus como um homem “íntegro e reto, temente a Deus, e que se desvia do mal” (Jó 1.8). Esta avaliação vinha do próprio Deus, não era de um admirador que conhece a pessoa à distancia, mas de alguém que sonda as mentes e os corações. Lembro-me de uma pessoa referindo-se ao seu pai, um líder cristão idoso cuja vida inteira fora fiel ao Evangelho, como alguém justo e irrepreensível, que ela sabia que ele era pecador porque a Bíblia dizia que todos os homens são pecadores.

Apesar desta consideração inicial de Deus sobre sua vida, ele não era um homem sem pecado. No final, na hora de revisão e reavaliação de sua própria vida, Jó admite uma série de equívocos cometidos. Ele afirma que muita coisa que ele dissera não tinha fundamentação, que ele falou do que não entendia e que se arrependia de suas conclusões (Jó 42.1-6). Em que errou Jó? quais foram os seus pecados?

Primeiro, o desconhecimento de Deus

No final do livro, ele admite que se arrependia das suas considerações acerca da vida e de Deus, porque ele conhecia o Senhor só de ouvir falar. Ele não conhecia a Deus por relacionamento e interação, ele tinha informações sobre Deus. Estas informações foram suficientes para fazer dele um homem íntegro e reto, que se desviava do mal, mas ainda eram informações de segunda mão.

Cometemos muitos pecados por não conhecer realmente que Deus é.

Boa parte de nossos pecados procedem da nossa ignorância de quem Deus é:

 -A ansiedade é um exemplo típico. Por que temos um estilo de vida tão estressado e nos preocupamos com tantas coisas? Porque, no fundo, não cremos na provisão de Deus e no seu cuidado por nós.
  - Por que tememos? Porque não estamos certos de que as coisas estão sob controle de Deus. Por que agimos de forma idolátrica e auto centrada? Porque achamos que se não fizermos, Deus não fará. E assim por diante...

Em Mateus, Jesus narra a parábola dos talentos.
O homem que recebeu um talento tomou uma decisão anacrônica: Ele o enterrou. Cavou um buraco e o pôs debaixo da terra. Por que agiu de forma tão preguiçosa e negligente? Por que não os colocou para render dividendos? Por que não investiu o que recebera? Quando ouvimos suas explicações, percebemos que seus argumentos eram todos teológicos.

“Senhor, sabendo que és homem severo, que ceifas onde não semeastes,
E ajuntas onde não espalhaste, receoso, escondi na terra o teu talento;
Aqui tens o que é teu” (Mt 25.24-25)

Sua descrição de Deus é completamente distorcida. Deus é visto como um homem severo, injusto, que ceifa onde não semeia, e isto gerou nele um receio tão grande que o levou à preguiça, à indolência e ao descaso. Nem sua inteligência funcionou: Poderia ter colocado seu dinheiro aos banqueiros e isto lhe renderia alguns lucros. A distorção teológica o transformou em um idiota.

Quando lemos as lamentações de Jeremias, percebemos que o profeta faz o sentido inverso. A situação do povo de Deus é caótica, pós-guerra, com as marcas da crueldade e da violência, terra desolada, sensação de abandono de Deus. Quando ele olha para os lados, vê apenas escombros, não há muita coisa para inspirá-lo, e a única que pode sustentá-lo nesta hora é o caráter de Deus, por isto diz:
Quero trazer à memória, o que me pode dar esperança. As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não tem fim, renovam-se cada manhã. Grande é a sua fidelidade" (Lm .3.22-23).

Um dos pecados de Jó foi o seu desconhecimento de Deus.

=> Jó acusa Deus de ser contraditório, pois sendo um juiz reto, havia deixado a terra entregue nas mãos dos perversos (Jó 9.24)

=> Jó vê Deus como seu inimigo e por isto age com suspeita (Jó 9.12-20)

=> Por fazer leitura equivocada, tem dificuldades para orar. Como recorrer a Deus que é visto como um opositor? (Jó 16.7-21)

=> Jó acusa Deus e se queixa dele (Jó 21.4)

Seu sofrimento é filosófico, ou se preferirmos, teológico (Jó 23.17). Ele vê Deus como alguém arrogante e tirano, que o priva do seu direito de defesa (Jó 27.1)

O Segundo pecado: Falar do que não sabe

Ele admite isto na sua confissão: “Na verdade falei do que não sabia”.

Por ignorância ou desconhecimento, talvez pela aflição, Jó verbaliza seus pensamentos equivocados. Isto aconteceu com Asafe. Ele tem a impressão de que Deus caducara nas suas promessas e se esquecera de ser benigno, e fala sobre isto. Depois de expressar suas crises, reconhece que a distorção dos fatos e de Deus tinha a ver não com a realidade, mas com sua perturbação emocional. “Então disse eu. Isto é a minha aflição; mudou-se a destra do Altíssimo” (Sl 77.10).

No Salmo 73, mais uma vez Asafe enfrenta suas crises existenciais. Agora num nível ainda mais profundo. Ao ver os paradoxos da vida humana, ele chega a algumas conclusões desastrosas sobre Deus e sobre a vida. “Como sabe Deus? Acaso há conhecimento no Altíssimo?” (Sl 73.11). Em seguida, mas uma vez reconhece seu erro: “Se eu pensara em falar tais palavras, já ai teria traído a geração de teus filhos” (Sl 73.15). O problema é que ele não apenas pensou e falou, mas ainda as escreveu, e suas crises chegam a nós até os dias atuais. As dúvidas de Jó foram ditas e muita gente foi atingida. É assim mesmo que fazemos.

Existem pastores e líderes que passam por crises e ao invés de abrigar seus questionamentos no coração, resolvem publicá-las e levá-las para o púlpito, em nome da sua autenticidade e honestidade. Na verdade, todos passamos por dias maus, por aflições, por questionamentos. O que devemos fazer nestas horas? Habacuque responde: "Irei, e colocar-me-ei na minha terra de vigia para ver o que o Senhor me dirá"... (Hc 2.1). Hora de acolher a dor na alma, ir para a presença de Deus. Nem sempre é possível entender tudo o que nos acontece, mas o temor reverente de adorador perplexo pode ser um caminho salutar.

Depois de tudo que aconteceu, Jó também considera seu néscio julgamento, seus confusos pensamentos que foram verbalizados, e percebe quão inconseqüente foi sua atitude. “Na verdade falei do que não sabia” (Jó 42.3).

O terceiro pecado: Tentar se explicar para os homens

Muitas de suas afirmações foram resultado de um desejo de ter uma boa imagem e reputação diante das pessoas e amigos. O problema é que a busca pela reputação quase sempre se torna idolátrica.
Quando o profeta Samuel questionou Saul pela sua desobediência e rebeldia, sua resposta deveria ser de quebrantamento, arrependimento e tristeza diante do seu mal, mas ele deixa claro que sua preocupação não era com Deus, mas com a perda de privilégios que seu pecado lhe traria. Ele perderia sua posição e sua reputação diante dos seus líderes:

“Pequei; honra-me, porém, agora, diante dos anciãos
do meu povo e diante de Israel ” 
(1 Sm 15.30).

Ele não percebeu que o pecado não traz honra, mas vergonha. Entretanto, sua vaidade e desejo de reconhecimento e aclamação públicas se tornaram tão grandes que ele não se mostrava preocupado com sua vida espiritual, apenas sente incômodo porque sua atitude lhe traria perdas. Sua preocupação era com os homens.

A Bíblia diz que muitos não seguiram a Jesus, porque “amaram mais a glória dos homens que de Deus”. A busca por reconhecimento, popularidade, pode nos levar ao inferno. “Vaidade é o pecado predileto do diabo”. Jó tenta se explicar e se justificar. Todos gostamos de ter respeito dos outros, mas a questão não é o que os homens dizem de nós, mas o que Deus diz sobre nós. O importante não são os aplausos dos homens, mas dos céus. Jó já recebera o maior veredicto, que vinha do próprio Deus – ele não precisava se importar tanto com a opinião dos outros, mas boa parte de seus argumentos tem a ver com a necessidade de ser visto como uma pessoa boa. O capítulo 31 do livro de Jó, de forma especial, nos revela isto.

O quarto pecado, e certamente o pior de todos: Justiça própria

Pregadores e comentaristas bíblicos afirmam que, de fato, seu maior pecado foi o de se achar justo demais.
A justiça de minha causa triunfará” (Jó 6.29).
Minha consciência não me reprova por qualquer dia de minha vida” (Jó 27.6).

Ele alega que Deus não conhecia sua integridade (Jó 31.6).

Ele desafia Deus para um tribunal, onde ele demonstraria sua inocência e o equivoco do Todo-Poderoso (Jó 31.35)

Qual é o perigo da justiça própria?

Pessoas cheias de justiça própria acham que Deus lhes deve!

Lembra-se do Filho mais velho, da parábola do filho pródigo (Lc 15)?

Ele era moralista e legalista, cônscio de suas tarefas, e por isto fica indignado com o pai: “Há tanto tempo tenho te servido, sem nunca comer um cabrito?”. Ele lança mão de suas credenciais. O Pai lhe deve respeito.

É desta forma que Jó reage. ele chega mesmo a desafiar Deus para um tribunal. “Tomara eu tivesse quem me ouvisse! Eis aqui a minha defesa assinada. Que o Todo-Poderoso me responda!” (Jó 31.35). Deus passa muito “apuro” na mão de pessoas cheias de justiça própria. Ele está sempre lhes devendo, e ai dele se não atender as expectativas de tais pessoas.

Pessoas cheias de justiça própria, sempre se julgam superiores às outras – Mais uma vez consideremos a parábola do filho mais velho.

Ele é moralista, evoca seu currículo de bom filho e o compara com o fracasso do irmão. “Vindo, porém, esse teu filho, que desperdiçou os teus bens com meretrizes, tu mandaste matar para ele o novilho cevado” (Lc 15.30).

O fariseu correto, cheio de si, ora dizendo: “Graças te dou, porque não sou como este publicano. Dou dízimo de tudo quanto possuo, jejuo duas vezes por semana”... e conhecemos bem como Deus viu este patético discurso.

Pessoas cheias de justiça própria são hábeis e ágeis em condenar e julgar. Acham-se superiores às demais, ainda que seus corações sejam frios e distantes do Pai, como era o coração do filho mais velho, que não conseguia amar seu irmão pecador, nem entender o coração amoroso do Pai.

Pessoas justas, facilmente perdem a salvação gratuita de Cristo – A pessoa que se considera justa, não precisa de graça, mas apenas de justiça. Ele julga ter méritos, credenciais, e quem crê nos seus méritos para ser justificada diante de Deus. Ela dispensa a graça!

Sinclair Ferguson afirma que “a justiça própria é o inimigo número 1 do Evangelho”.
Nada nos distancia mais da mensagem da cruz que o senso de somos justos. Por isto o Espírito encontra grandes barreiras para aplicar o Evangelho no coração de tais pessoas, porque elas não estão convencidas do seu estado miserável, elas acham que são ricas, e que não precisam de coisa alguma, sem saber que são miseráveis, pobres, cegas e nuas (Ap 3.17-18).

Quando o apóstolo Paulo percebeu sua situação de fracasso aos olhos de Deus, isto mudou tão radicalmente sua visão das coisas espirituais que depois de descrever seu invejável currículo de realizações espirituais, afirmou que considerava tudo aquilo como esterco, e que queria ser encontrado em Deus, não tendo justiça própria, senão a que procede de Cristo, e que lhe havia sido imputada pela obra do Espírito Santo (Fp 3.2-10).

Pessoas justas demais terão muita dificuldade em entender o sacrifício vicário (substituto) de Cristo. Não entendem quão pecadores e necessitados são da cruz, e vão sempre tropeçar na graça. A menos que entendam a profundidade de seu fracasso, dificilmente entenderão a maravilhosa obra da salvação, operada por Cristo Jesus. Por isto nunca terão gratidão, nem se impressionarão com a cruz. Estão demasiadamente impressionadas consigo próprias.


Conclusão:

Falamos dos pecados de Jó, mas e quanto aos nossos pecados?

Todos temos pecados de estimação e gostamos de alimentá-los e nutri-los, sem perceber quão arriscado é viver debaixo do seu domínio. O problema do pecado é que achamos que o controlamos, mas é ele quem nos controla. “Todo que vive em pecado é escravo do pecado”, e pecado na bíblia não é um comportamento, é uma força. Quando Paulo fala da escravidão do homem sem Deus em Romanos 7 ele não fala de pecado no plural, mas no singular. Não são “pecados”, mas “o pecado”. Não são os comportamentos e atitudes praticadas, mas o que está governando nossa história por detrás de tudo isto.

Jó tinha seus pecados, mas os nossos pecados estão sempre nos atraindo.

Só existe um remédio para esta peçonha, este veneno fatal que nos leva a morte, pois este é o seu salário. “O salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito é a vida eterna em Cristo Jesus” (Rm 3.23). Todas as vezes que acharmos que nossos pecados são insignificantes, lembremos que Jesus teve que morrer por eles. Ele teve que pagar um alto preço pela nossa tragédia. Se reconhecemos que temos um grandes salvador, devemos sempre lembrar que isto se deu por sermos grandes pecadores.

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quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Jó 2.10-12 Os amigos de Jó e a psicoterapia












Introdução:





O livro de Jó é permeado de diálogos em forma de pequenos discursos:

a. Os diálogos de Jó, com Deus, que se recusa a responder às suas perguntas;
b. Os diálogos de satanás com Deus, fazendo suas propostas indecorosas
c. Os diálogos de Jó com sua esposa, que desiste de sua vida e de sua fé e blasfema;
d. Os diálogos de Jó com seus amigos, que são os diálogos mais extensos.

Nestes diálogos aprendemos muita coisa sobre amizade, aconselhamento e psicoterapia. 
Podemos dividir a intervenção dos amigos de Jó em dois momentos: um de terapia positiva, outro negativa.


Positivas: 


Os amigos de Jó acertam quando se solidarizam com sua dor. 
Eles saem de sua zona de conforto para estar ao lado do amigo nos dias da calamidade. “Chegaram, cada um de seu lugar” (Jó 21.11). 

A disposição deles para estarem ao seu lado nos momentos de angústia e dor, demonstra o poder curativo e restaurador da amizade. É uma benção ter pessoas amadas quando a dor se manifesta. A sociedade moderna é individualista demais, e nem sempre é fácil encontrar pessoas que se disponham a gastar tempo, refazer sua agenda para manifestar solidariedade e participar da vida do outro, dando parte de seu precioso tempo. Tenho percebido que, em determinados ciclos, é mais fácil encontrar pessoas dispostas a dar dinheiro para uma calamidade que dar seu tempo.

Sair desta zona de conforto implica em custo financeiro, reorganização da vida, mas vale a pena cada centavo gasto e cada minuto despendido. Alguém definiu o amigo como alguém que chega quando todos os demais saem. Provérbios afirma que “em todo tempo ama o amigo, mas na angústia se faz o irmão” (Pv 17.17). Amizades sólidas surgem quando gasta-se tempo junto em momentos de dor e aflição. 
Aos pastores gosto de lembrar que as pessoas raramente se lembrarão de seus sermões daqui a 5 anos, mas nunca se esquecerão de sua presença em momentos de dor, daqui a 20 anos. Elas se lembrarão quando você as visitou num leito de hospital, de sua presença no funeral de uma pessoa amiga, de um telefonema e aconselhamento em um momento de crise e sofrimento.

Os amigos de Jó acertam quando se tornam empáticos
“Ergueram a voz e choraram; e cada um, rasgando o seu manto, lançava pó ao ar sobre sua cabeça” (Jó 2.12). 

Existe uma pequena diferença entre o primeiro item e o seguinte, por causa da intensidade. Eventualmente o que dizemos não é importante, mas a ênfase que damos, sim. Determinado tipo de lazer pode ser saudável, mas dependendo da intensidade pode se tornar doentio e idolátrico. Empatia é o ato de solidariedade e identificação com o outro, num nível profundo. Um exemplo disto se deu recentemente numa escola, quando uma professora, por causa da quimioterapia, perdeu todo seu cabelo, e os alunos resolveram também rapar sua cabeça em sinal de solidariedade. 

Simpatia, etimologicamente significa “sofrer com” (do prefixo grego sin + pathos, adoecer com com), enquanto empatia significa “sofrer em” (en + pathos, adoecer em). É uma questão de intensidade. Os amigos de Jó entraram na dor de Jó, permitiram que ela se tornasse visceral na vida deles mesmos. literalmente sofreram com Jó. A dramatização vivenciada revela isto. Eles choram alto, eles rasgam suas vestes, eles colocam areia e cinza sobre suas cabeças. Permitem que a dor não fique periférica, mas adentre seus corpos. 

Já sentiram dor assim? 
Já sentiram a dor de outra pessoal neste nível, de chegar a adoecer física ou emocionalmente com alguém?

Os amigos de Jó acertam em respeitar a dor do amigo
Sentaram-se com ele na terra, sete dias e sete noites; e nenhum lhe dizia palavra alguma, pois viam que a dor era muito grande” (Jó 2.13). 

Em geral, quando nos deparamos com a dor do vizinho, cliente ou amigo, nossa tendência imediata é explicar a razão da dor, psicanalizar o mal e justificar Deus. Todas estas tentativas são malogradas.

Conheci um homem que perdeu seus pais num acidente de carro, deixando sua mãe viúva com dois filhos, ele, com dois anos, sua irmã, com 4 anos. Numa tentativa de explicar este fatídico incidente, certa mulher lhe disse que Deus fizera isto para que ele fosse o homem de sucesso que havia se tornado. Sua atitude foi de profunda revolta contra esta mulher. "Até que ponto Deus precisa matar meu pai num acidente para me fazer bem sucedido? Este Deus não é um Deus com o qual estou interessado em relacionar." dizia ele.

Percebem? Será que Deus precisa matar alguém de nossa família para sermos pessoas bem sucedidas ou abençoadas? Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, mas explicar a dor, o mal e a morte, é quase sempre um fiasco. Justificar Deus com argumentos de defesa é outro problema difícil de equacionar. Deus não precisa de advogado e nem precisa ser defendido.

Os amigos de Jó, inicialmente respeitaram a grande dor que ele estava enfrentando. Isto significa adentrar a dor como uma dimensão do mistério, zona sagrada, não explicável, que exige temor e reverência. Silêncio nestas horas é altamente efetivo. Basta um abraço, ou até mesmo a simples presença, altamente terapêutica – e foi assim que os amigos de Jó fizeram, acertadamente, no momento inicial, tudo isto com muita sensibilidade, e posteriormente perderam esta capacidade de respeitar a dor e acolher o mistério do sofrimento no coração.

À medida em que lemos o livro de Jó, vamos percebendo como se tornaram tolos. No final, a presença deles se tornou agonizante, não restauradora e curativa, mas condenatória e acusatorial. Para Jó, isto se tornou um sofrimento a mais: sofrer acusação de que sua dor tinha a ver com algo errado que havia feito. Os amigos de Jó acrescentaram dor à sua culpa. Antes ele tinha a dor da perda, da doença, do luto, mas agora tinha outra dor: Da Culpa!

Os amigos também, sem perceber, afrontaram Deus. No final do livro, Deus lhes dirá: "Tendo o Senhor falado estas palavras a Jó, o Senhor disse também a Elifaz, o temanita: A minha ira se acendeu contra ti e contra os teus dois amigos; porque não dissestes de mim o que era reto, como o meu servo Jó" (Jó 42.7). Deus os repreendeu pelas tolices e explicações teológicas que resolveram dar à dor que Jó enfrentava.

Em que erraram? Falsa Psicoterapia

Erraram por falar

Um antigo ditado diz que “o silêncio é de ouro”.

A Bíblia diz que até o tolo se torna-se sábio, quando se cala. Um ditado popular afirma que “quem fala muito dá bom dia a cavalo”. A sabedoria popular, a sabedoria antiga e a sabedoria da bíblia apontam na mesma direção. 

Certa vez fui procurado por uma pessoa em grande aflição, que estava atravessando uma grande tragédia familiar, e que me pediu que lhe explicasse a razão e os motivos daqueles acontecimentos e porque Deus permitira que aquilo acontecesse.

Eu não sabia o que responder – felizmente. Poderia até usar antigos argumentos que falam da teologia do sofrimento, mas percebi que não deveria falar e que as palavras não se organizavam na minha mente e por sua vez não se organizariam no coração daquela pessoa. Sua dor era grande, eu havia participado muito de perto destes trágicos momentos, e decidi simplesmente abraçá-la e chorar com ela. Eu não podia fazer nada mais que isto e não era necessário que algo a mais fosse feito. 

Rubem Alves afirma que “Há cursos de oratória. Não há cursos de escutatória. Todos querem aprender a falar, ninguém quer aprender a escutar”[1] 

Erram por julgar

Quando se tenta explicar o sofrimento e suas causas, quase sempre julgamos o que sofre. Isto aconteceu com os discípulos de Jesus: “Quem foi o culpado: Este ou seus pais dele nascer cego?” (Jo 9.2), e Jesus lhes respondeu: “Nem ele nem seus pais, mas para que nele se manifeste a glória de Deus”. 

No livro de Jó, a teologia retributiva está muito presente, criando uma complexa relação de causa/efeito. Se as coisas vão bem, é porque sou fiel, se vão mal, é por alguma culpa por algum pecado cometido. Isto transforma a dor ainda mais dolorida, pois acrescentamos dor à dor. Os amigos de Jó tentam fazer a hermenêutica da dor, e o resultado foi caótico. 

Sabemos que uma das fontes do sofrimento é o nosso pecado. Muitas vezes sofremos por causa de atitudes intempestivas, decisões erradas, julgamentos equivocados e desobediência a Deus. A impulsividade para o erro e a atração pelo mal redundam em grandes sofrimentos. No entanto, existem muitos outros problemas que jamais poderão ser explicados por este raciocínio. Quando alguém afirmou que AIDS era castigo de Deus, outro interlocutor perguntou: “Como podemos então explicar as crianças que já possuem o vírus por terem sido geradas no útero de uma mulher soro positivo?”. Quando insistimos nesta lógica perversa, superdimensionamos a dor. Acrescentamos dor à dor. 

Os amigos de Jó passaram a julgá-lo:

Elifaz afirma:

“Acaso, já pereceu alguém inocente? E onde foram os retos destruídos?
Segundo o que tenho visto, os que lavram a iniqüidade e semeiam o mal
isso mesmo eles colhem” (Jó 4.7-8)

Não fica clara a lógica retributiva e meritória?

O que ele insinua no seu discurso? Você está sofrendo porque fez algo errado. Você está passando por esta tragédia porque é culpado de alguma coisa. Não é comum vermos pessoas tentando explicar o sofrimento associando-o à culpa e pecado. O pecado pode causar sofrimento, e é uma das causas da dor e aflição das pessoas. Escolhas erradas, rebeldia contra Deus e sua palavra causam muita dor. Entretanto, tentar associar todo sofrimento ao pecado é uma grande tolice. 

Bildade diz:

“Mas, se buscares a Deus e ao Todo-Poderoso pedires misericórdia,
Se fores puro e reto, ele, sem demora, despertará em teu favor
e restaurará a justiça de tua morada” (Jó 8.5-6)

O que ele diz implicitamente?

O problema de Jó era sua vida espiritual. Se ele fosse mais crente e orasse mais, não teria problema . A teologia da prosperidade segue este lógica perversa, que não apenas condena o que sofre, mas que dá a entender que nós, que não estamos passando por sofrimento, somos mais espirituais. Embora muitos sofrimentos sejam decorrentes de pecados e escolhas morais erradas, julgar alguém que sofre é cruel e anti-bíblico. O próprio Deus vai julgar estes homens no final do livro de Jó e dizer: "Não dissestes de mim o que era reto, como o meu servo Jó".

Erraram por interpretar erroneamente a Deus – Isto é, erraram na sua teologia. É interessante observar que o discurso teológico que usam, em muitas ocasiões, é o mesmo que usamos e que foi tão amplamente usado pela justiça retributiva do Antigo Testamento e da teologia judaica. No entanto, Deus afirma que eles estavam errados. 

Erraram por reduzir Deus a um esquema de pensamento, fazendo uma leitura reducionista. A verdade é que Deus é maior do que a nossa teologia e está acima de tudo o que dizemos dele. Não é sem razão que homens de Deus perceberam isto e expressaram sua surpresa com a forma de Deus agir.

Isaias afirma:

“Verdadeiramente, tu és Deus misterioso,
Ó Deus de Israel , ó salvador” 
(Is 45.15)

Naum diz:

“O Senhor tem o seu caminho na tormenta e na tempestade,
E as nuvens são o pó de seus pés” (Naum 1.3)

Previsibilidade não é, certamente, um atributo de Deus – estabilidade e fidelidade, sim.

Você não coloca Deus numa equação: Se eu agir assim, ele responderá assim. Ele é soberano e livre para fazer o que quer fazer, segundo o beneplácito de sua vontade (Ef 1.5). Sabe o que significa "beneplácito"? Literalmente, o seu bel-prazer, a sua livre e soberana capacidade de escolher e fazer as coisas como ele acha melhor.  Na carta aos Romanos, Paulo afirma: “Quem és tu, ó homem, para discutires com Deus?! Porventura, pode o objeto perguntar a quem o fez: Por que me fizeste assim?” (Rm 9.20). Ele age segundo a sua vontade e seu bel prazer, isto significa “beneplácito”, sua vontade livre. E quem pode argui-lo, indagá-lo, ou dizer que ele é injusto em fazer como ele quer fazer?

Ele é sábio, amoroso, providente e bom – e tem todo poder. Ele conhece tanto o passado quanto o futuro, tem planos para a história e para sua vida pessoal. Meios imprevisíveis e rotas alternativas podem ser a forma dele comunicar verdades, mas Ele não é previsível. C. S. Lewis afirma: “Ele é perigoso, mas é bom!”

O problema é que, quando colocamos em Deus conceitos e palavras, queremos que ele corresponda à nossa expectativa, e que não nos frustre.

Pelos equívocos cometidos, os amigos de Jó tiveram duas graves conseqüências:

A. Irritaram e entristeceram a Jó com suas análises e julgamentos: Vós todos sois médicos que não valem nada. Tomara vos calásseis de todo que isso seria a vossa sabedoria” (Jó 13.4-5). Logo adiante, volta a reclamar da atitude dos amigos em tom ainda mais duro e melancólico: “Todos vós sois consoladores molestos. Porventura não terão fim essas palavras de vento? Ou o que é que instiga para responderes assim? Eu também poderia falar como vós falais, se a vossa alma estivesse em lugar da minha” (Jó 16.2-4).

No primeiro argumento, Jó pede para que eles se calem, afirmando que usavam “palavras de vento”.

Jó teve a mesma atitude que o rei da Espanha teve num encontro de líderes mundiais e no qual Hugo Chávez, o presidente falastrão da Venezuela, falava sem parar e ele disse publicamente, diante das câmaras de televisão: ¿Por qué no te callas? ("Por que não te calas?") A frase foi dita pelo rei Juan Carlos da Espanha, ao presidente Venezuelano Hugo Chaves, durante a XVII Conferência Ibero-Americana, realizada na cidade de Santiago do Chile no final de 2007. O motivo da forte declaração do rei espanhol foram as constantes interrupções na resposta do primeiro-ministro espanhol José Luiz Rodriguez Zapatero em defesa do ex-primeiro-ministro José Maria Aznar, a qual Chávez criticou duramente devido ao suposto apoio de Aznar ao fracassado golpe de estado contra o presidente venezuelano em 2002. Chávez o chamou de "fascista". Isto depois de Chávez referir as ligações de Aznar à maçonaria e o convite que ele lhe fez para pertencer ao "clube".

No segundo argumento, chama-os de "molestos", afirmando que suas palavras eram ocas e vazias. Ele afirma que ele poderia dizer a mesma coisa para eles, e queria que eles estivessem na sua posição para entender o que ele estava sentindo.

B. Foram censurados por Deus. No final do livro de Jó, Deus censura as pressuposições destes homens. “Tendo o Senhor falado estas palavras a Jó, o Senhor disse também a Elifaz, o temanita: "A minha ira se acendeu contra ti e contra os teus dois amigos; porque não dissestes de mim o que era reto, como o meu servo Jó" (Jó 42.7).

Curiosamente, eles tentaram justificar a Deus todo tempo, pareciam aliados de Deus. Jó, por outro lado, questiona Deus, culpa a Deus pela sua desgraça e questiona todo tempo. No entanto, os amigos de Jó estavam errados.

Como é árduo explicar a divindade e equacionar seus mistérios. Eles disseram de Deus o que não era reto. Humildade, reflexão, silêncio e ponderação diante dos mistérios da divindade, geram assombro, temor e reverência. Respostas simplistas, apressadas, reducionistas, banalizam Deus. No final Deus recusou até a oração deles e pediu para que Jó intercedesse por eles.

Os amigos de Jó se depararam com um Deus tão grande que suas respostas simplistas, prontas e imediatas não foram capazes de atingir sua grandeza.

Só será capaz de trazer cura, conselheiros, pastores e amigos, que adentrarem o mistério da divindade com temor. Estes se aproximarão da dor do outro, com sensibilidade e cuidado, afinal, estamos entrando num território desconhecido: a dor e Deus.

Conclusão: 

O sofrimento dos outros, e os dilemas envolvidos na dor devem ser percebidos por nós com empatia e mistério.

Curiosamente o emblema do cristianismo é uma cruz. Símbolo de agonia e dor, símbolo de vergonha e humilhação. Que figura complexa para nos falar da experiência central da raça humana, que se deu numa cruz, na esquecida Judéia, dominada pelo império romano, dois mil atrás.

O sofrimento de Cristo e sua morte nos convidam a pensar na empatia e mistério da vida. Não podemos explicar a morte, nem o mal, nem a dor, e muito menos a Deus. A cruz é uma contradição... Naquele lugar de dor e vergonha, Deus faz seu grande comunicado à humanidade. A vida acontece através da morte, o sangue traz redenção e vida. 

A cruz nos convida à empatia. 

Nela está refletido o amor daquele, que “tendo amado os seus discípulos, amou-os até o fim”. Ela aponta para Jesus, que assumiu forma humana e veio até entre nós não para pregar o Evangelho, mas para que houvesse um evangelho para ser pregado. “Aquele que não conheceu pecado, Deus o fez pecado por nós, para que nele fôssemos feitos justiça de Deus”. Onde poderíamos encontrar maior expressão de empatia?

A cruz nos aponta para o mistério.

John Newton colocou na música “Amazing Grace”, todo seu espanto com tamanho mistério. 

“Oh graça imensa, que música doce
Que salva alguém como eu
Eu antes era perdido, agora salvo
Era cego, mas agora posso ver”

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[1] Alves, Ruben – Amor - Ed. Papirus, Campinas, ano 2000, pg. 24