segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Introdução e paradoxos de Eclesiastes


Introdução ao “Koheleth

Eclesiastes é um dos livros que apresenta as maiores dificuldades hermenêuticas desde os pressupostos éticos até Escatologia. Com muita propriedade o Pr. Ari Veloso afirmava: “Ou você ensina este livro à Igreja, ou o diabo o ensina de forma deturpada”.

Eclesiastes chega a negar determinados pressupostos cristãos essenciais, como a visão de Deus, o sentido da existência, o conceito de justiça, trabalho, existência e valores.

Para se ler Eclesiastes, torna-se mister resgatar a sua chave hermenêutica.

Este livro, incluído no cânon, tornou-se objeto de grande discussão e chegou a ser duramente criticado nos conílios das igrejas e estudiosos, no andar da história. Cremos que Deus agiu na própria seleção do cânon escriturístico, orientando os homens para que tais livros fôssem aceitos e passassem a fazer parte do todo bíblico. Afinal “Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, repreensão, correção, a gim de que todo homem seja educado na justiça”. Sendo este livro tão controvertido, por que Deus permitiu que ele fosse anexado aos demais livros, fazendo parte do cânon?

Eclesiastes certamente foi escrito por Salomão. Salomão foi um homem profundamente comprometido com o Senhor, até o tempo em que seu coração se desviou, após sua desobediência e poligamia (2 Rs 11.3), e seu coração foi consumido pela vaidade e desejo de reconhecimento e aclamação público. Seus casamentos mistos trouxeram novas concepções pagãs para sua mente, chegando a oferecer sacrifícios para Moloque, um Deus que exigia sacrifícios de pessoas, conforme o relato de 2 Rs 11.4-8

No período em que esteve afastado de Deus, Salomão escreveu este texto. O livro é uma reflexão do homem longe dos caminhos de Deus, refletindo sobre sua existência humana. Portanto, a ideia básica do texto é que, embora este livro seja inspirado por Deus, não transmite o pensamento de Deus, e sim o do homem secular, desesperadamente tentando encontrar sentido para sua vida. No caso de Salomão, ele sintetizou a vida afirmando que se tratava apenas de uma bolha de sabão, a palavra “hebhel”, que traduzimos por vaidade, tem exatamente esta ideia do ponto de vista etimológico. Deus permitiu que este livro viesse até nós, para que percebéssemos o que acontece ao homem sem Deus: O desespero, a angústia, a monotonia, o vazio e o despropósito da existência.

Sendo um livro profundamente existencial, sua reflexão gira em torno de coisas que acontecem “debaixo do sol”, expressão que surge 29 vezes no texto. Obviamente, o homem sem Deus possui reflexões positivas sobre a vida, assume determinados princípios éticos que são universalmente aceitos, e faz declarações que são verdadeiras e se identificam com a cosmovisão cristã em alguns pontos. Portanto, mesmo no meio deste deste caos interior, ele recebe a revelação “natural”, que lhe permite ter ensaios éticos e filosóficos positivos, já que nem tudo que é humano é diabólico. Muito do que Salomão escreve ainda que sem discernimento espiritual, como um homem natural, reflete o pensamento de Deus. Para missiólogos, isto é chamado de “a semente do verbo”, ou como Don Richardson preferiu: “O fator Melquisedeque”. Determinados aspectos de culturas distintas refletem parciais revelações de Deus para a humanidade, fruto da graça natural de Deus. Ou seja, há homens ímpios que não são perversos, a há homens perversos que não são ímpios (alguns deles são até religiosos).

Qual a razão disto? Os homens, por mais embrutecidos e ignorantes acerca das coisas de Deus. Paulo parece apontar nesta direção ao afirmar que tais homens, secularizados e mesmo pagãos “...mostram a norma da lei, gravada nos seus corações, testemunhando-lhes também a consciência e os seus pensamentos, mutuamente acusando-se ou defendendo-se”  (Rm 1.15)

Este é o caso do escritor de Eclesiastes.

Há princípios morais, éticos e até declarações religiosas neste texto que são verdadeiras na perspectiva hebraico-cristã, ao passo que outras são verdadeiras aberrações - Não traduzem o pensamento de Deus, e sim do homem sem Deus.

Por trazer o pensamento do homem sem Deus, este é o melhor livro para que entendamos o homem sem Deus e como ele pensa, sendo portanto, forte ferramenta para a evangelização. Se este livro cair nas mãos de um incrédulo, ele vai certamente vai se identificar com seu dialético discurso, e se identificar com ele. Este livro, sem dúvida é proto-existencialista. É o documento mais remoto que existe e que trata das contradições humanas. Poderia ter sido escrito por Camus, Jaspers ou até mesmo Sartre.

Machado de Assis, escritor brasileiro era existencialista e pessimista ao extremo com a humanidade, crítico de Deus e da religião, no entanto, todos os dias após o almoço, deleitava-se com porções deste texto das Escrituras sagradas.

Outro ponto a se considerar é que tudo que na Bíblia outrora foi escrita serve para nos ensinar, a ter confiança, paz e esperança em Deus, nos educar na justiça, repreender, educar. Portanto, este livro tem muito a nos ensinar nos dias de hoje.

Eis alguns tópicos que são suspeitos neste livro, depois tentaremos dar algumas pistas de leitura e ferramentas para interpretação deste texto:

Falsos Conceitos em Eclesiastes

1. Falso conceito de existência – (Ec 1.2)
            .Vida sem sentido - – (Ec 1.2)
            .A morte trazendo coerência - – (Ec 7.1)

2. Falso conceito de trabalho -
            .Vida é um peso- – (Ec 1.8; 2.23)
            .Vida é contraditória – (Ec 2.21)
            .Falta de objetivo – (Ec 2.18,21 e 5.16
            .Fadiga e enfado – (Ec 1.14; 2.11)
            .Castigo de Deus – Ec 2.26; 3.9-10)
            .Monotonia – (Ec 1.3-7)-
ð  O eterno retorno de Niestzsche
ð  O mito de Sísifo - Camus
            .O vazio da vida – (Ec 1.2

3. Falso conceito da História – (Ec 1.9; 3.15)
            .Teoria cíclica: “correr atrás do vento” (Ec 1.14,17)
            .Canseira e falta de propósito (Ec 1.8)
            .O enfado da vida (Ec 2.17,23)

4. Falso conceito de Deus – (Ec 1.13).
            .A limitação do homem (Ec 3.14)
            .O deísmo latente – (Ec 5.2(. Deus distante. Elohim, não Iahweh
            .Fatalismo – (Ec 2.1)

5. O prazer como resposta filosófica -
            .Do existencialismo ao epicurismo – (Ec 2.23-24)
            .Sem opção, exceto a fuga – (Ec 3..3,12 e 9.7)
            .O vazio do lazer (Ec 2.10-12)
5.     A perda do sobrenatural - Secularismo e positivismo  (Ec 3.18-21)

7. Falsos conceitos de escatologia – (Ec 6.6,12; 9.2; 7.14)
            .O futuro está oculto? (Ec 9.1)
            .Justos e perversos indiferenciados? (Ec 9.2)
            .Só há esperança para os vivos? (Ec 9.4)
            .Nao há projetos no além? (Ec 9.10)
            .Nossa vida depende do acaso? (Ec 9.11)
            . Morte é o fim? (Ec 8.10; 9.2-3; 9.10)


8. A relatividade moral
            .A solucao hedonista: (Ec 2.24)
            .Sexo: Uma alternativa (Ec 2.8)
            .Universalismo soteriológico (Ec 2.24; 3.20)

           
Fatores determinantes da Cosmovisão Secularizada

1. Perda da relação com o Deus pessoal
a)- Provavelmente este texto foi escrito por Salomão (Ec 1.1,12) no período em que esteve afastado do Deus de Israel (1 Rs 11.1-13). Isto certamente gerou uma profunda falta de sentido na sua existência: Separado de Deus, quem pode comer ou alegrar-se?”

b)-  Ausência de relação pessoal com Deus - Em nenhum texto de Eclesiastes aparece o nome Iahweh, que é o Deus pessoal dos judeus, o Deus das alianças. Em contrapartida surge o nome Elohim, um nome mais genérico para Deus, que pode ser uma referência a “deuses”,  ou o Deus criador. Conceito muito próximo do deísmo. Provavelmente a ideia que o autor tinha de Deus era de alguém distante, ainda que poderoso.

Sendo Eclesiastes um livro tão ambíguo, por que ele encontra-se no cânon das Escrituras?
  1. Por ser um dos livros que mais nos ensina a refletir sobre a maneira como o homem sem Deus vive e pensa, isto se torna muito marcante diante do positivismo e existencialismo do séc. XX;

  1. Porque embora não traduzindo o pensamento de Deus, mas sim o do homem debaixo do sol, expressão que aparece 29 vezes, abre-nos uma porta para anunciarmos o Evangelho pelo sentimento mais avassalador do homem de hoje: “ O vazio” (vaidade, do hebraico, hebhel, lit. significa “Bolha de sabão”.

  1. Eclesiastes é um livro que precisa ser exposto pelos pastores e analisado peos cristãos para que não seja exposto por liberais e heresias tão bem identificadas com tais conceitos como o arianismo (testemunha de Jeová), e epicurismo;

  1. Tudo o que se encontra nas Escrituras serve para nos ensinar, pois toda Escritura é inspirada por Deus – (2 Tm 3.16)

O que contribuiu para que estas conclusões teológicas e éticas senão as contradições que o autor experimentou na sua própria experiência? Como reagimos ao nos depararmos com fatos ambíguos como:

a. Eternidade no coração e inacessibilidade aos mistérios – (Ec 3.11)
            -A limitação - (Ec 8.17)
            -A impotência - (Ec 8.8)

b. A aparente indiferenciação homem/animal - (Ec 3.18-21). Homens e animais parecem ter o mesmo fôlego de vida. Ambos morrem abrupta e estupidamente – contrasta com Hb 1.13-14

c. A falta de justiça imediata - (Ec 4.1)
O caótico estado de coisa gera insensibilidade e agnosticismo. Se Deus é poderoso parece não ser bom, se ele é bom, parece não ser poderoso:
            -Justos morrendo e perversos tendo sua vida prolongada;
            -A falta de justiça que estimula atividades sociais desumanas - (Ec 8.11)

d. A opressão como meio de relação - (Ec 4.1; 5.8; 7.7)
O pregador percebe como a opressão é amplamente usada, mas o cotidiano parece indiferente a tais realidades. O universo torna-se assim, frio e silencioso (Sl 73.3-13)

e. A aparente falta de sentido no viver -

Justos sofrendo e perversos sendo celebrados – (Ec 8.10-14). Jó, no seu sofrimento questionou profundamente a “ausência de Deus” (Jó 24.1-12), e na sua angústia chegou a acreditar que Deus não considerava “anormal” a perversidade do homem (Jó 21.1-16; 24.13). 

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